A velha política perdeu mais uma vez em Anápolis, ao menos no Executivo

Carlos Henrique Carlos Henrique -
Quantos passos o ser humano deve dar por dia
(Foto: Reprodução)

Anápolis é uma cidade peculiar. As eleições para o Executivo, desde 2000, tem apresentado resultados que deixam a cidade em uma posição diferente da maioria das grandes cidades, onde o jogo político é o mesmo há vários pleitos, sem o menor vislumbre de mudança. Aqui, por muito tempo, famílias tradicionais se revezavam no poder até que o candidato Ernani de Paula, conhecido na época como o empresário de sucesso, que não precisava de política para viver, foi eleito, sob o mote de ser “a nova alternativa para a cidade”. A velha política começava a perder espaço.

A vitória de Ernani, com folga sobre seu concorrente, foi ofuscada por escândalos em 2003 que levaram o Governo do Estado a nomear um interventor, que governou a cidade por três meses até que a Câmara Municipal terminasse o processo de cassação, levando seu vice a assumir a prefeitura. Pedro Sahium terminou o mandato do seu antecessor e foi reeleito em 2004, desbancando os candidatos tradicionais que queriam voltar ao comando da Prefeitura com campanhas que tentavam convencer os eleitores de que os políticos tradicionais é que sabem fazer mais pela cidade.

Em 2008, a cidade entrou, novamente, em um pleito com campanhas sujas, cheias de calúnias e mentiras. Os candidatos que estavam à frente nas pesquisas, começaram a se atacar, inventando histórias absurdas, com direito a panfletos apócrifos narrando bacanais e casos de pedofilia. Os candidatos com mais chances de serem eleitos morreram abraçados e, o então vereador, Antônio Gomide, na Câmara desde 1996, foi eleito prefeito, disputando o segundo turno com Onaide Santillo, esposa de um tradicional político da cidade, que governara a cidade várias vezes. Os candidatos que pecaram com as campanhas sujas passaram longe do segundo turno, que foi ocupado por quem estava em terceiro e quarto lugar. A cidade continuou apostando no novo – e o novo desta vez agradou.

Em 2012, o “novo” já era conhecido e foi reeleito com quase 90% dos votos, ainda no primeiro turno, em um pleito cheio de acusações e baixarias. O segundo lugar ficou abaixo dos votos nulos. Gomide foi destaque nacional por ser o prefeito eleito com o maior número de votos proporcionalmente. Apesar do apreço que a população nutria por ele, o mesmo renunciou ao mandato para disputar o Governo do Estado. As eleições para governador ainda não seguem as “regras” da eleição anapolina e o ex-prefeito ficou bem atrás do governador reeleito, Marconi Perillo. Isso, porém, não impediu que Gomide fosse eleito com recorde de votos como vereador neste ano.

Duas coisas ficaram bem evidentes em todas estas eleições. Primeiro: que o eleitor anapolino é diferente do restante do Brasil e não cai em campanhas sujas, com acusações e ataques ao invés de propostas e projetos. Segundo: o anapolino, cansado da política de sempre, que não apresentava mais resultados, não sente o menor medo ou receio de apostar no “novo” e eleger candidatos que nunca tenham assumido um cargo no Executivo, mesmo que isso seja arriscado, com resultados que podem ser desastrosos, como em 2003, ou acertados, como em 2008, em que o prefeito obteve aprovação recorde de seu governo. Parece, porém, que alguns candidatos, ou seus marqueteiros, não aprenderam essas lições.

A disputa, em 2016, começou com o atual prefeito, João Gomes, em primeiro lugar, e lá ele permaneceu em todas as pesquisas. Tal posição era um tanto quanto óbvia, já que ele deu continuidade ao elogiado governo de Gomide e colhe os frutos da bem avaliada administração. Contra ele, candidatos tradicionais da cidade brigavam pelo segundo lugar e lá atrás aparecia o Roberto Naves (ou do Órion), com menos de 10% das intenções de votos, aparentemente inofensivo. Sem surpresa alguma, os candidatos que disputavam a última vaga, do já certo segundo turno, se revezavam nos ataques contra o primeiro colocado. Até as cores da campanha e a presença da estrela, símbolo do PT, partido do atual prefeito, foram temas de suas campanhas.

Com ataques gratuitos e propostas inviáveis ou de apelo popular os candidatos se revezaram na vice liderança, enquanto o candidato que estava em quarto nas pesquisas, começou a subir, tendo como premissa de campanha ser “o novo” e não precisar de política para viver. A preocupação em derrubar o prefeito não permitiu que os candidatos percebessem que já haviam perdido a segunda posição para o candidato que focou sua campanha na apresentação de propostas, assim como o prefeito, que mostrou o que já havia sido feito e o que ainda pode fazer.

Quando a ficha caiu, o baque foi grande. Esses candidatos direcionaram toda a sua munição contra Roberto, e começou novamente, as campanhas sujas, com direito a páginas falsa do jornal Folha de São Paulo, e cópias das nomeações do candidato em cargos no governo Dilma. De outro lado, um dos candidatos, considerado inofensivo, direcionava seu ódio desenfreado contra o prefeito, com direito a baixar o nível e acusar o prefeito de apoiador de abortos, casamento gay e da ideologia de gênero (aquela balela que fundamentas religiosos inventaram, sem nenhum tipo de fundamentação, para justificar sua homofobia cega). Você achou que em Anápolis não haveria candidatos obcecados pelo aparelho reprodutor/excretor dos outros? Ledo engano!

A última pesquisa Serpes, que seria divulgada na quarta-feira (28), antes da eleição, já mostrava esse cenário que havia se desenhado nos últimos dias, mas tivemos até candidatos que tentaram barrar na justiça a divulgação desses números. Restou-nos esperar o jornal O Popular recorrer, e só conseguir divulgar a pesquisa no sábado (1º). Não que o resultado fosse novidade, já que quem conhece a nova política anapolina, desenhada nestes últimos 16 anos, sabia que os dois candidatos que jogaram sem acusações caminhavam a passos largos para o segundo turno, enquanto os outros caíam.

Ninguém imaginava, porém, que a queda de alguns seria tão grande, a ponto de um candidato que estava em segundo nas primeiras pesquisas ter ido parar na quinta colocação, ficando atrás até mesmo do candidato do PSC, que assim como todos os personagens caricatos de seu partido, chegou a acusar um concorrente de querer implantar a “nova ordem mundial” da maçonaria na cidade. Sim, ele falou isso. E ainda pautou sua campanha na perseguição ao candidato João Gomes. Isso não seria nada demais, se não fosse o fato desse candidato ter feito parte da Administração de Gomide e de seu vice, que assumiu posteriormente. Se o governo era tão ruim como ele alega, por que não o deixou antes? Por que permanecer em um governo tão errado, por quase oito anos, com um salário altíssimo para os padrões da cidade?

Seus mais de 20 mil votos não chegam a ser algo inesperado. Anápolis tem uma das maiores populações evangélicas, proporcionais, do país. Além disso, muitos católicos tradicionais transformam a cidade no paraíso do cidadão de bem. Portanto, era de se esperar esse tanto de votos vindo das alas mais conservadoras do cristianismo. O assustador é saber que existem 23 mil pessoas que entregariam o governo da cidade nas mãos de um fundamentalista que achou que seria interessante atacar um concorrente por uma crendice digna de livros de Dan Brown, com teorias de conspiração absurdas. Assusta também saber que um homofóbico como ele tem um grande número de apoiadores. Por outro lado, é confortador saber que ele vai se limitar à sua insignificância, com seu discurso de cristão de bem, que cai por terra quando ele abre a boca e solta suas acusações e ataques vazios.

Começa agora um segundo turno inesperado, ao menos para dois dos principais candidatos, que já estavam até escolhendo quem iria ocupar diversos cargos na sua futura administração. E cabe à população escolher aquele que irá conduzir uma das mais importantes cidades do centro-oeste nestes próximos quatro anos. Os dois candidatos fizeram um primeiro turno de maneira exemplar, apresentando propostas sem ataques ou mesmo revide aos ataques sofridos. Cabe a você escolher quais sãos as melhores propostas. Dia 30 de outubro está logo ali.

Bruno Rodrigues Ferreira é psicólogo e jornalista. Especialista em Educação e Tecnologia e Gestão em Saúde. Twitter: @ferreirarbruno

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