A tragédia do Chapecoense e a reação da internet diante do sensacionalismo
O time do Chapecoense protagonizou uma das maiores escaladas do futebol brasileiro saindo da série D para a série A em apenas cinco anos, mas infelizmente esta história de superação foi interrompida por um grave acidente de avião na madrugada de terça-feira (29) que deixou mais de 70 mortos e feridos, justamente na viagem que o time fazia para a Colômbia aonde disputaria a final da Copa Sul-americana.
Este era um momento muito especial para o time da cidade de Chapecó em Santa Catarina que após ser rebaixado para a série D do futebol brasileiro em 2009 conseguiu o acesso para a série C através de um excelente trabalho de base. Na divisão de cima, a equipe precisou de três temporadas até sacramentar o acesso para a Série B. Já em 2013, logo no primeiro ano na segunda divisão, o time catarinense conseguiu se classificar para a série A indo logo em seguida para a Copa Sul-Americana.
A terça-feira amanheceu sob o impacto da tragédia e vários meios de comunicação tentavam ao máximo saber o que havia ocorrido para informar o público e é neste ponto que uma tragédia de dimensões enormes deixou de ser tratada com respeito para ser utilizada como mecanismo de audiência da pior forma possível.
A busca por likes e por lucro foi vista em uma velocidade assustadora em um episódio constrangedor para a imprensa brasileira. A loja Netshoes foi acusada pelos internautas de aumentar o preço da camisa do Chapecoense de R$ 120 para R$ 249 reais e o site de notícias Catraca Livre perdeu mais de 30 mil seguidores após postar um vídeo com o pânico dos passageiros antes de um acidente aéreo e uma matéria sobre como lidar com “medo de avião”.
Estes dois foram alvo de duras críticas, sendo que a NetShoes se retratou dizendo que o preço da camiseta aumentou automaticamente por ter ficado indisponível e o Catraca Livre se pronunciou dizendo que “é necessário ser informativo nestas horas”, “é preciso mostrar o outro lado da tragédia”, atitude que gerou mais revolta ainda nos internautas levando a hashtag #catracalivre aos Trending Toppics do Twitter por várias horas na terça feira.
Por volta das 16h o criador do site Catraca Livre, o jornalista Gilberto Dimenstein, assumiu a responsabilidade pelas publicações em um post que dizia “toda a redação foi contra e, numa conversa franca, expuseram suas discordâncias. Aprendi que errar é uma fonte de aprendizado enorme”, mas aí o site já havia perdido mais de 30 mil seguidores.
Mais uma vez a internet, este novo meio de comunicação de massa, mostra a sua força ao rechaçar em massa o sensacionalismo e a busca por lucro imediato feito por estas duas empresas. Antes das 17h de ontem já circulava em várias redes sociais e no whatsapp uma campanha para que fotos dos mortos e do acidente não fossem compartilhadas como forma de respeito a este momento de dor.
“Abutres de cliques”, “Desrespeito máximo! Falta de empatia… Isso não é informar, isso não é jornalismo”, “Qual é a relevância de postar um vídeo de pessoas em pânico dentro de um avião no atual momento?” são algumas das críticas provocadas nas redes sociais juntamente com diversos apelos para que as fotos dos corpos dos jogadores não sejam compartilhadas e rapidamente a hashtag #ForçaChape chegou aos toptrendings do twitter mundial.
Este episódio nos mostra a pior face da sociedade extremamente virtualizada, aonde a chamada “cultura das redes sociais” se baseia na busca incansável por cliques, por likes através de formas muitas vezes sensacionalistas e anti-éticas, é a velha história do “fale mal mas fale de mim”.
Talvez estas atitudes sejam um reflexo da nossa época, anestesiada pelo excesso de informações e pela virtualização da realidade aonde a morte, a perda e a tragédia são apenas palavras distantes e impessoais.
A rápida reação dos internautas diante da postura ávida do Catraca Livre e do Netshoes é como um sopro de sensatez na Babel midiática da internet mostrando que nem toda forma de expressão é aceita pelo público.
O repúdio às atitudes aviltantes destes sites nos mostra que liberdade de imprensa e liberdade de mercado não significam ausência de limites e que estes limites não são necessariamente leis que coíbam estas atividades mas sim a autorregulação do próprio meio que deveria ter como norteador de suas ações um padrão ético mais elevado. A ética deveria ser o balizador das ações da mídia e das empresas em momentos de tragédia e de comoção como este, afim de que o respeito pela perda de vidas humanas não seja negligenciado.
Eva Cordeiro é economista e professora universitária. Escreve todas as terças-feiras.