Sobre a banalização da arte e a hipocrisia social

"Assustei-me com o susto e o alarde da população. Fiquei impressionado em ver que a sociedade somente tenha percebido a degradação e a violência sexual da arte depois dessas exposições"

Da Redação Da Redação -

Depois da exposição de arte promovida pelo Santander, outras manifestações artísticas exploraram o tema da sexualidade no extremo de sua lascívia. As imagens mostrando cenas se sexo explícito expostas em museus de artes plásticas assustaram a população e levantaram um debate entre conservadores e liberais. De um lado há os que defendem a liberdade de expressão artística e, do outro, os que condenam tal liberdade acusando-a de libertinagem.

Confesso que as imagens mostradas no museu em Porto Alegre não me assustaram; apesar de não gostar da “explicitude” do sexo e entender a exposição como banalização da sexualidade humana, não fiquei horrorizado com as mostras contemporâneas de arte sexual. Diria que também não me assustei ao saber da menina tocando o corpo do homem nu em São Paulo; a verdade é que não achei demais!

Talvez assustei-me com o susto e o alarde da população. Fiquei impressionado em ver que a sociedade somente tenha percebido a degradação e a violência sexual da arte depois dessas exposições. Não me assustei com os ocorridos, porque já tenho visto atos de pedofilia por meio da arte há anos. As cenas das novelas da Globo não são menos vergonhosas, nem as barbaridades mostradas em programas como Big Brother Brasil ou a Fazenda menos pesadas.

Há décadas já me horrorizo com a pornografia nas letras das músicas brasileiras. Há muito estou estarrecido com a banalidade do sexo pedófilo nas letras dos tantos Luans Santanas, Luccas “Loucos” e dos milhares de Mc Qualquer coisa que funkeiam a cabeça de nossas crianças. Toda essa composição contemporânea de música em acordes simplistas e letras cafajestes constitui naquilo que compreendemos como arte popular. Segundo o que compreendo por abuso, já era pedofilia assistir a Karla Perez dançando na boquinha da garrafa ou a Xuxa cantando “a pata, peta, pita, pota, puxa”. Talvez o susto e o horror de muitos ocorreram porque temos a dificuldade de percebermos a música como arte ou entender as sutilezas de suas metáforas como explícito. Mas para quem entende que um pingo é uma letra, não é difícil de perceber a pedofilia e o abuso sexual nas letras de nossas canções.

Desde o “Tico mia na sala” ao “quem dera eu ser um peixe e em teu límpido aquário mergulhar …” cacofonias e metáforas servem de amparo para os absurdos em questão. Contudo, a sutileza da linguagem serve, para muitos, de impedimento real de clara compreensão das barbáries cantadas.

Na época do Tigrão, um dos pioneiros da moda funk sexual no Brasil, a mídia não achava pesada as letras postas em suas contagiantes melodias. A leveza dos termos usados pelo felino do funk era impressionante, cantava: “pegar um popozão no bonde do tigrão”, daí ele comia “cu” e “xereca” e arrancava o “cabaço” das “cachorras”. A leveza era tamanha que não havia a necessidade de se usar nenhuma figura de linguagem; a verdade é que cantaram e cantam sexo pesado, explícito e que atinge, assustadoramente, o público infantil: isso é pedofilia pura, isso é depravação da arte.

Não me assusto com as exposições de arte sexual, porque há não muito tempo não havia nada demais em “comer tatu é bom, pena que dá dor nas costas”. Com esse e outros tantos “hits” sexuais, os Mamonas assassinaram a ingenuidade de tantas crianças e adolescentes do tempo de seu sucesso.

Culpar somente o Santander ou os curadores das exposições ou quem quer que seja, atores ou artistas plásticos, pela banalização da arte brasileira seria um ato de covardia e de hipocrisia. Acredito que essas exposições tenham sido um continuar da onda que há muito se levantou em nossa nação. Para muitos brasileiros, nunca houve nada demais o “mexe a cadeira” do Vinny nem a dança do MC Creu. A verdade é que temos alimentado todo tipo de perversão artística, aplaudindo barbáries como se fossem clássico.

Não me senti ofendido com as artes bárbaras postas nos museus de Porto Alegre e São Paulo, visto que a indignação que há muito sinto sobrepuja a Franksteineidade do que se chama de arte hoje. Envergonho-me sempre quando passo com meus filhos numa praça e vejo moças seminuas rebolando ao som do funk ou do samba. Sinto-me ofendido quando minha família se reúne na sala e nos deparamos com as “bundas” das mulatas rebolam no Faustão ou com qualquer outra nudez deslocada e impropriamente explícita.

Contudo, apesar de horroroso, foi bom terem colocado o homem peladão no museu de arte: estranhou. Quem sabe assim possamos perceber que o estranho e o monstruoso já aparecem pelados na sala de nossa casa há anos. Quem sabe assim possamos perceber que a pedofilia já frequenta nossas casas desde sempre? O pior de tudo isso é que você e eu fomos, em nossa infância, vítimas dessa pedofilia da arte sexual. O pior de tudo é que nossos filhos estão vulneráveis aos abusos desse tipo de arte. Não nos esqueçamos que imagens e sons provocam a imaginação e, pelo pensamento, tocamos nas Paquitas, Vanessinhas Picachu, Carlas Peres, Scheilas Carvalho e em tantos outros artistas da industria pedófila da arte contemporânea.

Daniel Soares é pastor na Igreja Videira, professor do IFG Inhumas e doutor em Educação pela PUC Goiás. Escreve todas as quintas-feiras

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