Saiba como é o dia a dia dos caminhoneiros parados no país
Categoria protesta pela queda do preço do óleo diesel
Enquanto dirigentes de entidades de caminhoneiros e o governo buscam um acordo em reuniões no Palácio do Planalto, a 50 quilômetros dali cerca de 100 caminhoneiros interditavam nesta quinta-feira (24) a BR 060, rodovia que liga Brasília a Goiânia, na altura do Km 13. O ponto era um dos seis bloqueados no Distrito Federal. Enquanto grupos ficavam ligados no rádio e nos celulares aguardando novidades da reunião, outros fiscalizavam os veículos que se aproximavam.
Carros, ambulâncias, ônibus e caminhões com cargas vivas, medicamentos e oxigênio eram liberados. Qualquer outro veículo pesado de carga era abordado e proibido de passar, ou direcionado para ficar parado nas imediações do piquete. As exceções eram decididas pelos caminhoneiros em reunião, em um modelo de organização sem formalidades.
O piquete foi sinalizado com faixas. Algumas orientavam motoristas a buzinar em apoio ao movimento, indicação seguida por várias pessoas que transitaram pelo local. Outra pedia a intervenção militar. Na parte da noite, eles se revezam para manter a barreira. A divisão de tarefas é decidida na hora, de acordo com a disposição de quem está presente.
A alguns metros, uma fila com dezenas de caminhões se espraiava pela rodovia. Um grupo acompanhava o noticiário no rádio na expectativa de alguma novidade. A decisão de permanecer ali e não ultrapassar a barreira foi tomada pela combinação de apoio ao movimento e medo de danos ao veículo que poderia ocorrer caso tentassem furar o bloqueio.
Os custos de alimentação ficam por conta de cada motorista, mas já houve doações ao piquete. Em alguns casos, contaram os caminhoneiros, uma vaquinha foi feita para viabilizar uma refeição coletiva. Um motorista que mora perto do local da mobilização se colocou à disposição para ir ao centro da cidade, Samambaia, fazer as compras necessárias. Donos de postos abriram banheiros e outras estruturas em apoio.
O piquete começou na segunda-feira (21), por volta de meio-dia. Foi esta a data marcada por entidades de representação da categoria para o início da paralisação nacional, que agora gera grandes impactos em todo o país. Walter Fernandes, caminhoneiro de Anápolis, relatou à Agência Brasil que com o movimento convocado, motoristas foram se reunindo e decidiram estabelecer a mobilização ali. O movimento foi sendo encorpado tanto por quem aderia ao protesto quanto por quem não tinha como passar.
Fernandes era um dos que sofrem com a alta do diesel e creditou a este problema o elemento que disparou a paralisação e estimulou a adesão. “A gente tá sem condições de trabalhar. Do trabalho que fazemos, 70% do valor do frete fica em combustível. O resto gastamos com pneus, motoristas, aí no resto não sobra nada”, relatou.
Um caminhoneiro mostrou as notas fiscais de postos onde abasteceu. Disse que recebeu R$ 1.700 pelo frete, mas que gastou R$ 1.300 em diesel e 300 para carregar e descarregar os produtos que transportava. E ironiza: “Quer comprar um caminhão?”.
Flávio Lopes era uma das lideranças do protesto. Ele contou que o piquete foi articulado por redes sociais. Foram criados grupos em cada estado e também um nacional, reunindo caminhoneiros de diversas cidades. A plataforma também é usada para a comunicação entre quem está no piquete e quem está participando das negociações com o governo federal. “A gente acompanha por Whatsapp e responde por Whatsapp aos nossos representantes que estão lá”. Ele aguardava uma mensagem do representante enquanto dava a orientação para quem podia e quem não podia passar pelo bloqueio. Flávio, contudo, não citou as entidades à frente do processo, em especial a Associação Brasileira de Caminhoneiros (ABCam) e a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA).
Perguntado pela reportagem da Agência Brasil, outros caminhoneiros reclamam que o sindicato da categoria não estava participando do protesto. “Nós estamos à mercê aqui. Sindicato não veio dar um suporte pra gente aqui. Era pra estar aqui, trazer uns advogados aqui para auxiliar, somos leigos, é importante se chegar uma ordem judicial a gente ter uma assistência”, disse Ivanildo Cardoso, caminhoneiro de Brasília.
Mas se por um lado criticou o sindicato, por outro Ivanildo se disse confiante nos representantes que discutem com o governo federal caminhos para sair do impasse. Afirmou que entre o grupo de dirigentes sindicais presentes ao encontro, há pessoas que “representam a classe”.
A 50 quilômetros dali, a reunião com os “representantes da classe” evidencia a dificuldade de uma solução unitária. Parte das entidades se retirou com a proposta do governo e outra permanece em negociação. As expectativas de um heterogêneo movimento de caminhoneiros estão colocadas na mesa em meio a um difícil xadrez político.