Governo Bolsonaro quer acabar com aumento real de piso salarial de professor

Proposta consta em posicionamento do governo, obtido pela reportagem, sobre o projeto de regulamentação do Fundeb da Câmara

Folhapress Folhapress -

Paulo Soldaña, de SP – O governo Jair Bolsonaro quer vincular o reajuste do piso salarial dos professores da educação básica à inflação, o que elimina o ganho real garantido pela lei atual. A proposta do governo é alterar a Lei do Piso na regulamentação do Fundeb.

A lei, de 2008, vincula reajuste anual à variação do valor por aluno do Fundeb, o que reflete em aumentos acima da inflação, mas pressiona as contas de estados e municípios. O governo quer que a atualização seja só pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).

Caso a regra já valesse, o reajuste em 2019 seria de 4,6%. O último aumento pela Lei foi de 12,84%, quando o piso chegou a R$ 2.886,24.

No Dia do Professor (15), o governo fez propaganda nas redes sociais com este índice como se fosse realização da gestão, apesar de ser lei. “Maior reajuste salarial para professores da educação básica desde 2012”, diz mensagem da Secretaria de Comunicação.

A proposta de Bolsonaro consta em posicionamento do governo, obtido pela reportagem, sobre o projeto de regulamentação do Fundeb da Câmara. O fundo direciona à educação básica recursos de uma cesta de impostos acrescidos de complementação da União.

O governo quer que o Congresso vote a regulamentação do Fundeb neste mês para ter tempo de operacionalizar as novas regras. O executivo, entretanto, já trabalha em uma MP (medida provisória) caso o tema não avance até novembro, o que pode corroborar seus entendimentos.

“É uma preocupação do FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação]/MEC de forma a viabilizar a operacionalização da distribuição dos recursos do Fundeb”, diz o Ministério da Economia.

Principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb foi ampliado neste ano pelo Congresso. A complementação da União vai saltar dos atuais 10% para 23% até 2026, de modo escalonado – em 2021, passa a 12,5%.

O governo sugere a inclusão de artigo no projeto de regulamentação. “Maior complementação da União e a nova distribuição de recursos elevarão significativamente o valor anual por aluno mínimo recebido, o que impactará o piso em cerca de 15,4% ao ano nos próximos seis anos”, diz justificativa.

O mesmo documento prevê que escolas privadas sem fins lucrativos recebam verbas do Fundeb em toda educação básica (hoje isso é limitado onde há falta de vagas, como na educação infantil e no campo). O governo propõe limite de 15% das matrículas para “vencer a resistência”.

“Como se tratam de etapas com demanda praticamente 100% atendida, e visando vencer a resistência a essa ampliação da destinação para a rede privada, sugere-se restringir a autorização a margens, o que evitaria uma migração das vagas da rede pública para a privada”, diz a justificativa do governo.

A proposta vai ao encontro da pressão de entidades religiosas e filantrópicas e conta com apoio de Bolsonaro e do ministro da Educação, Milton Ribeiro. Também tem forte aderência entre parlamentares.

Questionado, os ministérios da Educação e da Casa Civil não responderam.

A pasta da Economia afirmou, em nota, que o governo “considerou prudente” a proposta em razão da sustentabilidade fiscal e, diz, recebe constantes pedidos de alterações na Lei do Piso.

Segundo o ministério, haverá impacto para todas as redes, “quer elas recebam ou não recursos novos”, já em 2022.

A atualização na lei era prevista por parlamentares já na tramitação do Fundeb. Mas há discussões para se chegar a formato que mantenha ganhos reais.

“É um tema importante para definição do financiamento, tratar isso em um projeto de lei tão complexo como esse não seria o ideal”, diz a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), uma das autoras do projeto na Câmara que regula o Fundeb.

Para Heleno Araújo, da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), qualquer reformulação deve observar o Plano Nacional de Educação. Meta prevê equiparação salarial dos professores à média de profissionais com a mesma titulação.

“Tem que ter ganho real, se não nunca chegaremos à equiparação”, diz. “Estamos dispostos a discutir, não adianta pra nós ter lei sem aplicação”. Em abril de 2019, oito estados não cumpriam o piso, segundo a CNTE.

Na média, docentes da educação básica ganhava, em 2012, o equivalente a 65% da média dos demais profissionais com nível superior. Chegou a 78% em 2019, mas o próprio MEC, que fez o cálculo, diz que a alta se explica, em grande parte, pelo decréscimo de 13% do rendimento dos demais profissionais.

“Precisamos de um formato que assegure a continuidade da valorização dos professores de forma sustentável”, diz Lucas Hoogerbrugge, do Todos Pela Educação.

A lei do piso foi sancionada pelo governo Lula (PT) em 2008. A própria gestão petista encaminhou, no mesmo ano, projeto que previa exatamente o que defende Bolsonaro, com atualização pelo INPC. Um recurso trava o trâmite desde 2011.

A Confederação Nacional dos Municípios é contra por conta do impacto nos cofres. A entidade calculou custo de R$ 8,7 bilhões com o último reajuste.

“O piso nacional deve ser reajustado pela inflação e o ganho real, absolutamente necessário, tem de ser negociado com prefeitos e governadores, que pagam o salários”, diz a consultora Mariza Abreu, que colabora com a CNM.

A professora da UnB Catarina de Almeida Santos, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que baixos salários causam prejuízos na oferta educacional.

“Os estudos, em todo mundo, mostram a importância do professor na garantia do ensino e aprendizagem. O professor precisa ter remuneração condizente para se dedicar à carreira, não precisar correr para outra escola, ter tempo para formação continuada”.

O Ministério da Economia diz que o número de municípios com gastos de pessoal acima do permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal pode dobrar se mantidas as regras, chegando a 1.528 municípios em 2021.

“Os profissionais do magistério precisam ser valorizados e, além do piso, deve-se promover outros mecanismos para tanto, como a capacitação desses profissionais, a vinculação de eventuais reajustes a esta qualificação, a reestruturação de carreiras”.

O pesquisador da FGV João Marcelo Borges diz que a situação é arriscada, com o Congresso paralisado por causa das eleições, uma nova configuração de forças do governo sobre o parlamento e o calendário apertado.

“O mais provável é que o novo Fundeb seja apenas parcialmente regulamentado, por iniciativa legislativa ou MP, o que é frustrante”, diz. “Mas há um cenário pior: a regulamentação atrasar e não ser possível operacionalizar as mudanças em janeiro de 2021, gerando uma crise de financiamento.”

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