É desesperadora a realidade de grávidas com Covid-19

Letalidade da doença entre grávidas avançou neste ano

Folhapress Folhapress -

Anna Virginia Balloussier, do RJ – Como doula, Thais Escudeiro, 40, acompanhou a tensão de mulheres que tiveram de parir em meio à pior crise de saúde do último século. Até que aconteceu com ela. Três semanas após ajudar uma paciente a dar à luz, ela teve sua primeira filha.

Thais, contudo, não tem ideia do que aconteceu na sala de parto. A última coisa que lembra de ter ouvido da equipe médica: “Estou vendo sua traqueia”.

Por agonizantes três minutos, ela foi intubada sem anestesia. O sedativo poderia passar para a placenta e potencialmente prejudicar a filha na barriga. Thais precisou fazer uma cesárea de emergência. Estava com Covid-19.

Esta história teve final feliz: a filha que nasceu no oitavo mês de gravidez, com 2 kg, e, no domingo (28), quando completou um trimestre de vida, já tinha ultrapassado os 5 kg.

A letalidade da doença entre grávidas, contudo, avançou neste ano. O número parece pequeno perto das mais de 300 mil vítimas brasileiras da pandemia, mas, proporcionalmente, chama atenção: em menos de três meses de 2021, o coronavírus já matou quase metade do total de gestantes vítimas da doença no primeiro ano da enfermidade.

Entre 3 de janeiro e 20 de março deste ano, 119 grávidas morreram de Covid no país, 47% das 252 gestantes vitimadas em 2020. A soma das mortes durante toda a pandemia é de 371 vítimas, segundo dados dos boletins epidemiológicos da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Ao todo, são 6.371 internações por Covid nesse grupo de mulheres desde o começo da crise. O segundo ano da pane sanitária registrou 1.491 dessas hospitalizações (23,5%).

Já as 119 mortes reportadas correspondem a 32% da mortandade total. Ou seja, aumentou a porcentagem de grávidas que não se recuperaram.

A faixa etária que mais apresenta complicações é a de 30 a 39 anos, e as mulheres negras prevalecem entre os quadros graves. A maioria das internações acontece no trimestre final da gravidez.

Em março, outra mulher intubada pariu, no Hospital dos Servidores, referência no Rio de Janeiro em gravidez de alto risco.

Era um domingo quando a paciente de 42 anos, sem comorbidades, chegou. Começava o sétimo mês de gestação e precisava de oxigênio para respirar bem, mas estava consciente. Sua condição deteriorou ao longo da semana.

A chefe da maternidade da unidade, a obstetra Carolina Mocarzel, conta que a decisão da equipe foi por manter a gravidez enquanto tratavam a mãe -o bebê ainda era muito prematuro, o que dificultaria sua sobrevivência fora da barriga.

Poucos dias depois, a bolsa rompeu, e Mocarzel orientou a médica que estava de plantão a fazer um parto normal na gestante inconsciente e intubada. A cesárea, diz, estava descartada. “Envolve um procedimento cirúrgico, e no momento em que [a paciente] piorou clinicamente, poderia ser mais um fator de risco para complicação.”

“Lembro que liguei para a doutora Leilane e já avisei: ‘Você terá um plantão difícil”, conta. “No final: um parto vaginal, pélvico, no CTI Covid, com uma mãe em ventilação mecânica.” A posição pélvica (quando os pés do bebê saem antes da cabeça) é um desafio extra mesmo para mães 100% saudáveis.

As contrações ajudaram a empurrar o bebê para fora do corpo da mãe, incapaz de ajudar ativamente no trabalho de parto. Leilane Lota, a obstetra plantonista, conta que falava com ela o tempo todo, dizendo para a paciente sedada que ficaria tudo bem com ela e com o bebê.

“Liguei pro esposo para comunicar: seu filho nasceu! Vivo! Acho que um fio de esperança brotou nele….e em mim”, conta Lota.

Mãe e filho seguem na UTI: ela, em estado grave e, o recém-nascido, sob cuidados intensivos, ainda sem mamar, por ter nascido dois meses antes do ideal.

Se quem contrai uma forma severa de Covid teme pela própria vida, a sobrecarga psicológica sobre grávidas costuma ser ainda maior, diz a obstetra Julia Freitas, especializada em parto humanizado, que oferece uma experiência mais acolhedora à mulher e costuma ser pela via vaginal.

“São mães preocupadas com o bem-estar do bebê e a possibilidade de contaminá-lo. Em casos mais graves, apreensivas também com seu risco de perder a vida e deixar um ou mais filhos sem os seus cuidados”, afirma.

Para diminuir o risco de passar a doença para seu filho nos primeiros minutos de vida dele, as mães devem usar máscara durante todo o trabalho de parto, “o que nem sempre é fácil nos momentos de maior esforço físico”. Idem para amamentar ou acalentar o recém-nascido depois.

Cesáreas, só quando realmente imprescindíveis, por aumentarem o risco de tromboembolismo nas pacientes infectadas, segundo a obstetra.

Thais, a doula que foi intubada sem anestésico, acabou tendo de passar por uma. Ela recebeu o diagnóstico de Covid a três dias do Natal. A princípio, achou que tiraria a doença de letra -só fez o teste por causa de um leve acesso de tosse, mas era o único sintoma até então.

Passou seu aniversário de casamento, 23 de dezembro, e o feriado natalino sem beijos e abraços, nem do marido. Na tarde de Natal, começou a dor nas costas.

Quando chegou no hospital, tudo parecia bem. A saturação de oxigênio estava em 98%, considerada satisfatória. Por cautela, o médico pediu uma tomografia. “Eu já tinha de 25 a 50% dos pulmões tomados. Fui direto para a UTI.”

Três meses depois, diz não guardar memória de quão ruim foi a intubação a seco. “Estava tanto na adrenalina de ‘preciso salvar minha filha’ que não lembro. O anestesista avisou que teria que ser comigo acordada. Colocou um spray na garganta pra não sentir o tubo. Uma enfermeira segurou uma mão, a pediatra, a outra.”

Thais desconfia que contraiu o coronavírus de um delivery que pediu: uma torta de peito de peru com catupiry. Um desejo de grávida que deu errado.

Ela ficou 13 dias intubada e só depois conheceu sua filha, Isabella. Os médicos tinham dificuldade de lhe dar um remédio que a mantivesse adormecida no período. “Eu queria acordar antes do tempo, e os remédios já não me mantinham sedada.”

Lembra de lutar para não dormir. Tinha medo de não acordar e nunca conhecer a filha fora do ventre.

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