A importante descoberta feita por cientistas brasileiros sobre o câncer

Pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) acabam de identificar um importante mecanismo da proteína 'guardiã de genoma'

Folhapress Folhapress -
(Foto: Reprodução)

Os fatores que levam à formação de células defeituosas e que podem causar câncer são múltiplos e ainda não são totalmente conhecidos, mesmo após anos de pesquisa na área.

Isso porque alguns tipos de câncer são de origem hereditária, enquanto outros podem estar associados a fatores ambientais. Há também o surgimento de tumores por mutações independentes nos indivíduos e que não são hereditárias.

Agora, pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) acabam de identificar um desses mecanismos, que ocorre quando há a formação de agregados da proteína p53, conhecida como “guardiã do genoma”.

Ela é responsável por exercer inúmeras funções essenciais ao organismo, como controlar o ciclo celular e combater as células tumorais, e é encontrada no núcleo das células somáticas (não sexuais) do nosso corpo.

O achado é resultado de anos de pesquisa básica conduzida no INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) e no Inbeb (Centro Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem), da UFRJ, coordenado pelo médico e professor titular do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Jerson Lima Silva.

O artigo descrevendo o fenômeno foi a capa da última edição do periódico científico Chemical Science, da Royal Society of Chemistry (Reino Unido), referência na área de pesquisa de química aplicada à biologia e medicina.

Por estar no núcleo celular, mais especificamente em pequenas estruturas do núcleo chamadas de nucléolos (pequenos sacos sem membrana com concentração elevada de ácido nucleico, a substância que forma as moléculas de DNA e RNA), a p53 atua diretamente na leitura de parte do DNA e na regulação gênica.

Seu tempo de vida é curto, e ela só é expressa quando precisa entrar em ação.
Mas as mutantes da p53 se acumulam no núcleo, deixam de exercer sua função protetora e pior: podem “juntar” ainda outras proteínas que atuam na supressão dos tumores, levando ao chamado ganho de função metastático.

Os agregados ocorrem após o comportamento de separação de fases das substâncias no núcleo, de um estado líquido (solúvel) para uma forma em gel e, por fim, sólidos. Essa cadeia de eventos está associada ao surgimento ou à regressão de tumores malignos.

Por anos a ciência já sabia que agregados dessa proteína estavam presentes em grandes quantidades em biópsias de tumores de mama, por exemplo. Mas, diferentemente das pesquisas anteriores, os cientistas brasileiros se debruçaram nos aspectos no nível molecular da proteína.

“Essa proteína era considerada como oncogênica [causadora de câncer] na década de 1980. Havia uma ideia generalizada que era uma proteína ‘não tratável’, então não teve muito enfoque desde então”, diz Silva.

Já em seu laboratório, os estudos das estruturas moleculares e das propriedades bioquímicas envolvidas no núcleo celular começaram com a seguinte pergunta: “será que a agregação da p53 não ocorre nessa transição do estado líquido eventualmente formando gel mais sólido?”, explica.

Essa hipótese inicial foi formulada a partir da observação de outras condições também relacionadas à formação de agregados celulares, como Alzheimer, Parkinson, a esclerose miotrófica lateral (ELA), dentre outras doenças
neurodegenerativas.

Neles, a separação de fase exercia um papel importante na função das proteínas envolvidas.
Assim, a partir de técnicas apuradas de microscopia eletrônica de transmissão, espectroscopia de ressonância magnética nuclear (técnica que explora as propriedades físicas ou químicas de núcleos atômicos) e de microscopia de fluorescência (tingimento com substância fluorescente da proteína p53 normal e da forma mutante para observar como ela se organiza no núcleo), os cientistas conseguiram analisar cada passo da sequência de eventos envolvida na formação de anômalos.

“Nós focamos em entender porque ela converge para essas vias de agregação, algo que já havia sido estabelecido como associado ao câncer e ainda mais presente em formas mais agressivas da doença”, explica o fisioterapeuta Murilo Pedrote, coautor do artigo.

Pedrote e a química Elaine Petronilho dividiram o “trabalho braçal” da pesquisa, como parte de seus projetos de pós-doutoramento no laboratório de Silva.

“Ao identificar esse processo de separação de fase antes da formação dos agregados, temos um possível alvo para terapias”, explica.

A busca para um possível tratamento do câncer é um dos pontos relevantes, mas não o único. Conhecendo o mecanismo envolvido na formação dos tumores é possível também desenvolver exames para diagnóstico altamente especializados, ajudando assim na detecção precoce do foco de câncer.

“No caso do Alzheimer, existem exames de imagem em que é possível visualizar os agregados de proteínas, que são tóxicos e levam à morte dos neurônios. Para o câncer, podemos desenvolver uma técnica semelhante, como se fosse um PET Scan [tomografia computadorizada pós emissão, na sigla em inglês]”, afirma Silva.

Apesar de seu valor para a ciência aplicada, a pesquisa teve como foco principal a ciência básica, fundamental para gerar as bases de conhecimento para o desenvolvimento tecnológico. Os países que alcançaram soberania científica e tecnológica o fizeram com investimento contínuo nesse tipo de ciência.

Já o Brasil vai na contramão das principais potências tecnológicas mundiais, como EUA, Israel e China. Nos últimos anos, o país passou por intensos cortes na ciência e desenvolvimento tecnológico, com o mais recente deles ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Mesmo com a implementação de programas nacionais de apoio à ciência, como no âmbito dos INCTs, que recebem financiamento direto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informações (MCTI) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado à pasta, a continuidade das pesquisas científicas depende da aprovação e disponibilidade de verba para auxílios em pesquisa –as bolsas de pós-graduação- no país.

Durante sua pós-graduação e boa parte da graduação, Pedrote recebeu bolsa da Faperj para suas pesquisas. No pós-doutorado, o cientista ganhou a nota dez na avaliação do projeto científico, e com isso veio uma remuneração mais alta no auxílio à pesquisa.

“Mesmo assim, é claro que há preocupações. Eu gostaria de passar um período fora do país, vivenciar uma experiência lá fora, e também porque a situação política no Brasil hoje não é favorável”, diz.

Apesar de não ter havido cortes na Faperj, durante a pandemia o órgão manteve o fomento apenas para as bolsas e auxílios à pesquisa já em andamento, sem abertura de editais para projetos de infraestrutura.

“Às vezes temos o equipamento, conseguimos aprovação do projeto de pesquisa, mas a verba fica paralisada. Quando retorna, o preço do dólar subiu duas, três vezes, e aí aquele projeto que íamos fazer com U$ 1 milhão fica o triplo do valor. Fica cada vez mais difícil avançar nas pesquisas aqui quanto maior o nível de excelência”, diz Silva.

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