MP dá mais poderes a grupo interministerial e racionamento de energia pode ser inevitável
Hoje esse papel cabe à Ana (Agência Nacional de Águas) e ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)
Julio Wiziack e Nicola Pamplona, do DF e RJ – O governo planeja dar plenos poderes a um grupo interministerial de monitoramento da crise hídrica para que ele decida sobre a quantidade de água nos reservatórios das hidrelétricas. Hoje esse papel cabe à Ana (Agência Nacional de Águas) e ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
O esboço de uma MP (medida provisória) prevê que o grupo passe a se chamar Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas (Care). A presidência será do Ministério de Minas e Energia e participariam representantes dos ministérios de Economia, Infraestrutura, Agricultura, Desenvolvimento Regional, Relações Exteriores, a Casa Civil e a Advocacia-Geral da União. Os órgãos vinculados e agências também têm assento.
A informação de que está em gestação uma MP que amplia o escopo do governo para garantir a oferta de energia na atual crise hídrica foi antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo. A minuta da MP, obtida pela reportagem, prevê que, até o final do ano, essa câmara tenha poderes para, inclusive, contrariar decisões das agências no que se refere às políticas de restrição de vazão dos rios.
Técnicos do Ministério de Minas e Energia e da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) afirmam que essa concentração de poder seria necessária para dar segurança jurídica.
Hoje, caso algum regulador imponha regras de aumento do volume de água nos rios para garantir a sobrevivência de peixes, por exemplo, a concessionária reduz a entrada de água do rio no seu reservatório, o que compromete a capacidade de gerar energia.
Esse foi o problema na recente disputa pelo uso de água dos reservatórios de duas das maiores hidrelétricas brasileiras. A curto prazo, segundo especialistas, as restrições impostas pelo Ibama à operação das usinas de Belo Monte, no Pará, e Santo Antônio, em Rondônia, poderão chegar a até R$ 6 bilhões nas contas dos consumidores, caso as restrições impostas sejam praticadas de maneira integral.
Essa quantia será gasta no acionamento de térmicas necessárias para cobrir a energia que vai deixar de ser produzida nessas duas usinas.
Dois dos maiores projetos licitados no governo Dilma Roussef, Belo Monte e Santo Antônio, enfrentam hoje embates com o Ibama que, segundo os controladores dos projetos, podem inviabilizar as operações.
No primeiro caso, o órgão ambiental propôs a redução da vazão no canal que alimenta a principal barragem da usina para minimizar os impactos ambientais e sociais na região da Volta Grande do Xingu. Segundo o Ibama, a baixa vazão na área já prejudica fauna, flora e comunidades ribeirinhas.
As duas partes chegaram a acordo para manter, em 2021, as vazões mínimas previstas no licenciamento ambiental, mas os termos são questionados pelo Ministério Público Federal, e uma solução definitiva ainda está em discussão.
Com a MP, essa situação passará a ser decidida pela Care, que assume toda a responsabilidade se algo der errado. Hoje, pela legislação vigente, cada parte assume sua culpa, tanto na esfera administrativa quanto judicial.
Para isso, os integrantes dessa chamada “sala de situação” já prepararam uma minuta de medida provisória. Hoje, nem mesmo o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) tem poderes para impor medidas ao setor.
“Apenas dessa forma, poderão ser evitadas restrições no atendimento energético das regiões Sudeste, Centro-Oeste, Sul e de estados da região Norte vinculados ao subsistema elétrico Sudeste/Centro-Oeste”, diz a exposição de motivos da minuta da MP.
Com a criação da Care, o governo quer “efetividade das ações de flexibilização de restrições hidráulicas e de mitigação com a tempestividade necessária para que a gestão dos recursos hídricos garanta o suprimento de energia elétrica com o adequado controle hidráulico de reservatórios no segundo semestre de 2021.”
A MP também prevê a possibilidade de o Care decidir, unilateralmente, detalhes de um “programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica”.
Segundo o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, esse é um cenário de “caos” que será evitado com as medidas já tomadas.
A minuta, segundo ele, não é oficial e não teve sua autorização. Refere-se, ainda segundo o ministro, a um “exercício de cenários”, sem qualquer aval do governo.