Brasil patina e não consegue reduzir número de praias poluídas

Entre as consequências do mar sujo estão as contaminações por vírus e bactérias

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Praia de Ipanema é um dos destinos turísticos mais visitados do país (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Quando a bandeira vermelha está fincada na areia, Sandra Regis nem se arrisca a entrar no mar: “Sou santista, já conheço”, diz a administradora de 59 anos. O motivo são as letras garrafais indicando que a praia do José Menino está “imprópria” para banho.

Ali é sempre assim, diz o engenheiro agrônomo Alex Gerboni, 27, que não sabe muito bem para que serve a placa, mas por precaução só coloca o pé no rasinho. “O canal é muito sujo. Faz sentido que todo aquele lixo venha para o mar, assim como o óleo dos navios”, palpita.

Com todas as suas praias poluídas na maior parte do tempo há anos, Santos é símbolo de um país que não consegue avançar na limpeza de seu litoral, como mostra levantamento feito anualmente pelo jornal Folha de S.Paulo no verão, que começou oficialmente na terça-feira (21).

Em 2021, o volume de pontos monitorados considerados bons (37%), ou seja, próprios para banho em todas as medições, foi igual ao registrado em 2016, primeiro ano da coleta dos dados. Também estacionaram os locais classificados como regulares (25%) e ruins (9%).

Já as praias péssimas, impróprias para banho em mais da metade das aferições, tiveram uma leve queda de 16% para 12%. A parcela de pontos que não foram monitorados, porém, cresceu de 14% para 17% no mesmo intervalo.

As informações são dos órgãos ambientais de 14 estados litorâneos, com exceção de Pará, Piauí e Amapá, que não medem ou não responderam. O período considerado é sempre de novembro a outubro, tirando Paraná e Rio Grande do Sul, que só fazem as aferições na alta temporada.

O levantamento não inclui 2020, quando a pandemia do novo coronavírus causou um apagão de dados. Mesmo com a volta da vida ao normal, alguns estados seguem com boa parte das coletas paralisada, como Rio de Janeiro e Pernambuco, que estão sem medição em metade dos pontos.

O oceano poluído é um termômetro da situação do saneamento básico no Brasil, já que o parâmetro é a quantidade de coliformes fecais existentes na água. A estagnação do país na qualidade das praias, portanto, é sintoma da sua lentidão em expandir a rede de coleta e tratamento de esgoto.

O chamado novo marco regulatório do setor, que desde julho de 2020 estimula a participação de empresas privadas nos serviços e definiu 2033 como meta para a sua universalização, parece ainda não ter surtido efeito, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

“Temos que ter um pouco de paciência porque só faz pouco mais de um ano, mas também ficar atentos e cobrar para funcionar. Se continuássemos no ritmo que estávamos, ia levar uns 50 anos”, diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil.

Segundo ele, o percentual da população com coleta de esgoto tem avançado pouco. O índice saiu de 50% para 54% entre 2014 e 2019, sem contar a enorme desigualdade regional que faz a cobertura variar de 80% no Sudeste até 12%, no Norte.

Além das falhas na coleta, só metade dos resíduos gerados no país é tratada. “Lançamos 5.000 piscinas olímpicas de esgoto na natureza por dia. Elas vão parar no solo, nos cursos d’água, nos córregos e infelizmente nas praias”, afirma Carlos.

A sujeira chega ao oceano principalmente quando chove. Ligações clandestinas fazem o esgoto extravasar para as galerias pluviais (onde só deveria passar água da chuva), e ruas e valões têm sua poluição “lavada” para bueiros e córregos, incluindo fezes de animais.

Um sistema que já não dá conta da demanda em tempos normais fica ainda mais sobrecarregado durante o verão, quando a população de muitas cidades litorâneas dispara. Nas cidades do interior, os rios fazem o trabalho de carregar tudo isso até o mar.

Para David Zee, professor de oceanografia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) especializado em gestão costeira, outro fator que contribuiu para a estagnação da qualidade das praias foi o aumento da pobreza extrema no país.

“Vemos um empobrecimento da população, sem dinheiro para implantar coleta. A velocidade com que as cidades vêm crescendo é muito superior à velocidade com que o poder público tem de oferecer saneamento e barrar os poluentes que vão até os recursos hídricos”, diz.

Os dados levantados pela Folha de S.Paulo mostram que 90% dos pontos ruins ou péssimos (252) estão concentrados em apenas 39 cidades. São os municípios com mais de 100 mil habitantes, que segundo Édison Carlos recebem a maior parte dos investimentos, mas têm problemas mais complexos.

Esse grupo teve uma melhora mais expressiva se comparado ao país todo nos últimos cinco anos, ampliando suas praias boas ou regulares de 44% para 52% e reduzindo as ruins ou péssimas de 39% para 29%. “O lado do copo meio vazio é que nas cidades pequenas tem havido muito pouco investimento”, avalia.

Neste ano, São Paulo foi um exemplo de recuperação. Após uma piora significativa por três anos consecutivos, o estado teve um salto de 24% para 33% no volume de pontos bons entre 2019 e 2021. O litoral norte puxou a alta com cidades como Ilhabela e São Sebastião, contrastando com a poluição da Baixada Santista.

“A melhora [no litoral norte] tem a ver com mais investimento em saneamento. Onde não vimos essa melhora, atribuímos ao fato de ter chovido além do previsto. Santos teve muita chuva, principalmente a partir de setembro”, avalia Patrícia Iglecias, presidente da Cetesb (companhia ambiental paulista). A cidade, porém, tem histórico de sujeira em todos os anos.

Considerando as regiões, o Sul tem o mar mais limpo, e o Sudeste, o mais poluído. O Nordeste avançou um pouco no último ano, mas continua com as capitais Recife, Fortaleza e São Luís sem nenhuma praia própria para banho, assim como Vitória.

Entre as consequências do mar sujo estão as contaminações por vírus e bactérias. A doença mais comum é a gastroenterite, que causa enjoo, diarreia, dor de cabeça e febre, mas há também problemas como micoses na pele e infecções nos olhos e ouvidos.

“Tem muito mais gente pobre do que rica próxima de águas sujas, morando em palafitas, à beira de lagos, rios e canais totalmente poluídos. É uma perda financeira imensa para o Brasil, que prefere pagar cinco vezes mais para tratar o doente do que evitar a doença”, diz o oceanógrafo David Zee.

Os especialistas, porém, estão otimistas quanto aos frutos que o novo marco legal do saneamento deve trazer a longo prazo. O Rio de Janeiro, por exemplo, já concluiu leilões para a oferta dos serviços em três das quatro regiões do estado e deve começar a construir 46 estações de tratamento de esgoto no próximo bimestre.

“Não é como antes que a empresa entrava com 30 anos para atuar. Agora ela já chega tendo que investir muito pesadamente, com metas e objetivos previstos em contrato. O cenário é outro”, espera Édison Carlos, do Trata Brasil.

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