Ataque ousado contra Abu Dhabi e Dubai expõe preço de política agressiva
Ação ocorreu na madrugada desta segunda (31), quando ao menos um míssil balístico foi interceptado
IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ousado ataque de rebeldes xiitas do Iêmen contra os Emirados Árabes Unidos em plena visita inédita do presidente de Israel ao país expõe o preço que o mais ativo ator do Oriente Médio começa a pagar por sua incisiva política externa.
A ação ocorreu na madrugada desta segunda (31), quando ao menos um míssil balístico de origem iraniana Zolfaghar foi interceptado no deserto perto de Abu Dhabi, a capital da união de sete emirados que completou 50 anos em dezembro.
Trata-se do terceiro ataque em duas semanas, um padrão que não era visto até então na região. Os Emirados apresentam como pedra basilar a investidores sua notória estabilidade política, segurança e pujança econômica.
Segundo o comando militar dos rebeldes xiitas da etnia houthi, do Iêmen, o ataque incluiu também o envio de drones armados para Dubai, a joia da coroa arquitetônica e turística dos Emirados. O governo local não confirmou esse dado.
Simbolicamente, contudo, foi um constrangimento e tanto. Não houve vítimas, como no ataque de 17 de janeiro que matou três pessoas em Abu Dhabi, mas estava em solo emirati pela primeira vez Isaac Herzog, o presidente de Israel.
Ocupante de um cargo mais cerimonial, Herzog solidifica com sua visita a aliança entre os antigos inimigos, que gira em torno dos chamados Acordos de Abraão costurados pelos Estados Unidos para formar uma aliança entre o Estado judeu e países árabes de maioria sunita contrária ao centro xiita Irã no Golfo Pérsico.
A entrada nos acordos dos Emirados, que se vendem como a mais avançada monarquia absolutista da região, coroou uma série de movimentos de Abu Dhabi que colocaram o país também na linha de frente política da região.
Mas, como dito, há faturas a pagar. Em 2015, os Emirados se uniram à coalizão montada pela Arábia Saudita para intervir na guerra civil do Iêmen, onde apoia o governo local contra milícias xiitas ligadas ao Irã, os houthis.
A guerra, que nada mais é do que um teste de força entre as arquirrivais Riad e Teerã, arrasta-se com episódios de extrema violência. Os Emirados deixaram de fazer operações diretas, com bombardeios e tropas, no país em 2019, mas continuaram apoiando as milícias com armas e treinamento.
Como prova de que a força bruta não conseguiu dobrar os rebeldes, 2022 começou com esses ataques inéditos. Um morador português de Dubai, que pediu para não ser identificado, afirmou por mensagem que não há ainda nenhuma mudança na rotina na cidade, mas que estrangeiros começam a se perguntar se a ilha da fantasia em que vivem é afinal tão inexpugnável quanto parecia.
É cedo para saber se tal sentimento irá se espraiar na enorme comunidade de expatriados do país, 85% entre executivos, pessoal do ramo de serviços e a grande massa de trabalhadores braçais de países muçulmanos como o Paquistão.
Seja como for, grandes pretensões embutem riscos da mesma magnitude. Por ora, não há sinais de que os Emirados irão recuar, ao contrário: Herzog prosseguiu em sua visita à Expo Dubai 2020, a grande feira mundial em curso no país, e um oficial do governo disse no Twitter que “é inútil nos testar”.
Atrás da postura, há o peso americano. O Departamento de Estado condenou o ataque e enfatizou que ele ocorreu “enquanto o presidente de Israel visita os Emirados para construir pontes e promover a estabilidade na região”, nas palavras do porta-voz Ned Price.