Legalização de cassinos e jogos de azar: risco ou benefício para o país?
Um dos debates mais acalorados nos últimos dias foi sobre a legalização dos jogos de azar no Brasil, cujo projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados no último dia 24 sob forte reação negativa da bancada evangélica e de outros segmentos representados no Congresso Nacional. A discussão é pertinente e convém avaliar se o Brasil está mesmo preparado para ter a jogatina legalizada.
O problema de ser uma porta aberta ao vício e também proporcionar novos mecanismos para a lavagem de dinheiro são os principais argumentos utilizados por aqueles que são contrários à liberação dos jogos de azar. Para os favoráveis, seria uma forma de legalizar um mercado que já existe na informalidade, só que com a possibilidade de ampliá-lo muito mais, gerando empregos e aumentando a arrecadação de tributos.
Na prática, o texto aprovado pela Câmara autoriza o funcionamento de bingos, cassinos, apostas on-line e jogo do bicho, que seriam regulamentados e fiscalizados por um órgão específico de controle no Ministério da Economia. A matéria, no entanto, ainda precisa ser aprovada no Senado e sancionada pelo presidente da República.
À primeira vista, a liberação do jogo parece carregar um potencial ofensivo muito reduzido frente aos benefícios que a regulamentação desse mercado pode gerar. Os números envolvidos chamam atenção: a previsão é de que o Brasil poderia ter um incremento de R$ 20 bilhões por ano em impostos e seriam gerados mais 200 mil novos postos de trabalho. Cidades como Caldas Novas poderiam focar no turismo de apostas e se consolidar – guardadas as devidas proporções – como uma espécie de Las Vegas brasileira.
Mas ainda que exista um mercado subterrâneo de jogos e também a possibilidade de apostas on-line em sites hospedados em outros países, a aprovação definitiva do projeto criaria toda uma cadeia de negócios para estimular em diversas frentes a jogatina, incluindo a publicidade, e o impacto nocivo disto na nossa sociedade não pode ser ignorado. Primeiro vem a questão da saúde mental do indivíduo e a preservação da família. O vício em jogo é listado pela Classificação Internacional de Doenças (CID) como um transtorno, chamado de jogo patológico. A denominação se refere a episódios repetitivos e frequentes de jogos que passam a prejudicar toda a vida da pessoa, interferindo na saúde mental e física do indivíduo.
A pessoa muda seus hábitos passando a jogar de forma compulsiva, perdendo a capacidade de reconhecer que já não consegue mais viver sem jogar. Especialistas falam que até 2% da população brasileira apresenta em algum momento da vida algum tipo de vício em jogo, sendo que 0,5% chegam a um nível mais crítico, que demanda tratamento. Estamos falando de mais de 1 milhão de pessoas nesta situação mais degradante. Isto sem a legalização dos jogos.
As instituições cristãs conhecem profundamente o potencial destrutivo do vício e o quanto o estado brasileiro não está preparado para oferecer o tratamento adequado para os que sofrem deste tipo de transtorno. As igrejas fazem um trabalho muito consistente nessa área, lidando principalmente com a dependência química, e sabem o quanto seriam sobrecarregadas com o natural aumento dos casos de jogo patológico.
Isto tem um efeito pernicioso nas famílias, que muitas vezes são afetadas emocionalmente e materialmente quando um dos membros perde o controle da jogatina. Afirmar que parte dos recursos arrecadados com a legalização dos jogos de azar seria destinada ao tratamento dos dependentes soa tão cínico quanto dizer que caberiam às próprias empresas do setor adotar ferramentas de compliance para coibir a lavagem de dinheiro, como está disposto no projeto. Nosso país não conta com os meios adequados para lidar com nenhum dos dois problemas colocados.
Por isto é tão importante que as instituições religiosas sejam ouvidas neste debate, pois elas conhecem profundamente os prejuízos que o vício, em seus mais variados graus, pode acarretar para uma família. Para a ampla maioria , a liberação do jogo de azar seria, no máximo, a possibilidade de uma diversão despretensiosa a mais, sem maiores consequências. Para alguns indivíduos, seria um verdadeiro desastre, com um efeito muito nocivo nos lares. Não podemos ignorar isto.
Márcio Corrêa é empresário e odontólogo. Preside o Diretório Municipal do MDB em Anápolis. Escreve todas as segundas-feiras. Siga-o no Instagram.
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