Países propõem eliminar subsídios prejudiciais à biodiversidade

Debate ganhou força após o fracasso da COP26 do Clima no último novembro

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Países propõem eliminar subsídios prejudiciais à biodiversidade (Foto: Flickr)

ANA CAROLINA AMARAL
GENEBRA, SUÍÇA (FOLHAPRESS) – Países reunidos na Convenção de Biodiversidade da ONU propõem a meta de eliminar subsídios prejudiciais à biodiversidade como parte do próximo acordo global de biodiversidade, previsto para ser assinado até o final do ano na China.

Histórico, o debate sobre subsídios ganhou força nesta semana após ter marcado o fracasso da COP26 do Clima no último novembro.

Na plenária final da COP26, Índia e China bloquearam o que seria uma menção histórica à “eliminação dos subsídios a combustíveis fósseis”, levando à troca do texto por “redução dos subsídios”.

Já na Convenção de Biodiversidade da ONU, os países sinalizam a disposição de seguir com uma linguagem mais comprometida, citando a eliminação dos subsídios prejudiciais à biodiversidade -o que, em tese, incluiriam os combustíveis fósseis e ainda iriam além, abarcando subsídios à agricultura convencional, dependente de agrotóxicos.

Como os critérios sobre o que pode ser considerado prejudicial à biodiversidade seguem em aberto, ainda há mais dúvidas e brechas do que certezas no texto, que passa por uma rodada de negociações em Genebra, na Suíça.

Após dois anos de reuniões online devido à pandemia, os negociadores da Convenção de Biodiversidade da ONU, assinada por 193 países, voltaram a se encontrar presencialmente nas últimas duas semanas.

O principal entrave para o avanço das negociações é a falta de oferta de dinheiro para financiar as atividades de conservação. As ações previstas no novo acordo global de biodiversidade -que inclui a proteção de pelo menos 30% das áreas biodiversas do planeta- podem custar US$ 967 bilhões (R$ 4,6 trilhões), segundo estudo da TNC, Tobin e Paulson Institute.

Para os países doadores, uma meta sobre subsídios poderia aliviar a conta dos repasses para a conservação em países em desenvolvimento -cujos planos nacionais podem custar cerca de US$ 200 bilhões (R$ 958 bilhões) por ano.

Para tal, o bloco desenvolvido defende que os subsídios não sejam apenas eliminados, mas realocados em atividades positivas para a conservação da natureza. Os países em desenvolvimento teriam, dentro de casa, uma fonte de recursos para cumprir suas metas no novo acordo.

Segundo a avaliação de observadores das negociações, a realocação poderia manter os incentivos dentro dos mesmos setores da economia, acrescentando-se condicionantes ambientais para seu acesso.

No entanto, os países em desenvolvimento não aceitam a proposta de realocação –ou de “reaproveitamento”, outro termo sugerido na negociação.

O argumento é que o destino do recurso deve ser definido conforme os contextos nacionais, por razões políticas e práticas: uma vez que o subsídio volta para o caixa do governo, pode haver outras prioridades para seu uso.

Para Jeremy Eppel, membro do painel de especialistas da Convenção de Biodiversidade da ONU, a proposta sobre subsídios contribui para o abatimento dos custos de financiamento do acordo, mesmo que não trate de realocação.

“A eliminação dos subsídios prejudiciais diminui o impacto destrutivo para a biodiversidade, tornando sua regeneração mais barata”, avalia Eppel.

Ainda assim, há desconfiança mútua entre os blocos sobre como os governos nacionais devem definir, monitorar e reportar seus esforços.

Newsletter Lá fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo; aberta para não assinantes. * Países em desenvolvimento temem que a União Europeia disfarce seus subsídios agrícolas convencionais sob a máscara de “incentivos positivos à biodiversidade”.

Os europeus, por sua vez, desconfiam que economias agrícolas como Brasil e Argentina podem mascarar seus subsídios sob outras definições, levantando suspeita sobre o pagamento por serviços ambientais, mecanismo que o Brasil busca incluir em diversos artigos do acordo em negociação.

Segundo relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o mundo investe US$ 536 bilhões (R$ 2,57 trilhões) em subsídios agrícolas -incluindo países da OCDE, União e Europeia e mais 12 economias emergentes.

Quando se consideram outros setores, o valor pode chegar a US$ 1,8 trilhão (R$ 8,6 trilhões) por ano, conforme o cálculo das organizações The B Team e Business for Nature.

Elas contabilizaram os recursos destinados a diversos setores em todo o mundo e concluíram que 80% estão concentrados em três economias: agricultura (US$ 520 bilhões -R$ 2,49 bilhões), combustíveis fósseis (US$ 640 bilhões -R$ 3,06 bilhões ) e indústrias ligadas a estruturas de água e esgoto (US$ 350 bilhões –R$ 1,67 bilhão).

Embora os países demonstrem aceitar o termo “eliminação” dos subsídios, ainda há disputa relacionada à referência a “todos os subsídios” ou apenas aos “mais prejudiciais” -o que abriria uma brecha que se aproveita da falta de definição de critérios claros sobre quais subsídios serão eliminados em cada país.

Uma das versões do texto propõe que os países identifiquem os subsídios prejudiciais até 2024 e passem a eliminá-los até 2030.

Embora reconheçam o poder do instrumento para redirecionar as economias para o desenvolvimento sustentável, países de diferentes blocos temem que a transição exija mais tempo.

Em 2010, os países já tinham assinado, no Japão, um acordo que previa a eliminação de subsídios. Com validade até 2020, as Metas de Aichi estabeleciam justamente a eliminação ou reforma de incentivos e subsídios lesivos à biodiversidade, além da criação de incentivos positivos para a biodiversidade.

Segundo relatório da ONU, os países signatários não conseguiram completar nenhuma das 20 metas de Aichi.
De lá para cá, no entanto, a integração dos critérios ambientais na política econômica cresceu globalmente, principalmente a partir da assinatura do Acordo de Paris de combate à mudança do clima, em 2015.

A disposição dos países para negociar propostas que impactam os rumos do desenvolvimento ganha contornos mais pragmáticos, à medida que europeus, americanos e chineses avaliam banir importações ligadas ao desmatamento.

Outra meta do acordo em negociação também prevê a integração dos valores da biodiversidade em políticas, regulações e planejamentos em todos os níveis de governo e em todo o setor privado.

A reunião em Genebra vai até esta terça-feira (29). No entanto, devido à lentidão dos avanços nos textos, a Convenção anunciou uma próxima rodada de negociações em Nairobi, no Quênia, entre 21 e 26 de junho. A previsão é que a COP-15 da Biodiversidade, onde se espera que o acordo seja assinado, aconteça em setembro em Kunming, na China.

* A jornalista viajou a convite da Avaaz

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