Peru rejeita 2º pedido de destituição do presidente, e mecanismo de vacância é questionado

Gestão vem sendo marcada por um duro enfrentamento entre Executivo e Legislativo

Folhapress Folhapress -
Presidente do Peru fará 3ª reforma ministerial em 6 meses de governo após nova crise (Foto: Pedro Castillo/ Twitter/ Reprodução)

SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARG (FOLHAPRESS) – O Congresso do Peru decidiu nas primeiras horas desta terça (29) rechaçar um pedido de vacância do presidente Pedro Castillo Terrones. Foram a favor 55 parlamentares e contra, 54, além de 19 abstenções; eram necessários 87 votos para afastar o presidente, do total de 130.

Essa foi a segunda vez que Castillo enfrentou uma moção de vacância, uma espécie de impeachment -ainda que seja uma figura jurídica distinta- que aponta a “incapacidade moral” para governar. Na primeira, em dezembro, também não se alcançaram os votos necessários.

Desde a posse do esquerdista, a gestão vem sendo marcada por um duro enfrentamento entre Executivo e Legislativo, cujo principal reflexo foram as trocas ministeriais: sem contar mudanças pontuais, por motivos diversos, Castillo precisou formar quatro gabinetes, o mais recente deles tendo sido aprovado pelo Congresso no último dia 9.

A moção foi analisada entre segunda e a madrugada de terça numa sessão que durou mais de oito horas e na qual discursaram 95 parlamentares. Os debates chegaram a ser interrompidos por cerca de uma hora em meio a uma confusão causada depois que a deputada fujimorista Vivian Olivos colocou um cartaz com os dizeres “vacância já” em sua cadeira -os governistas exigiram a retirada da placa.

Do lado de fora da sede do Parlamento, houve manifestações contra e a favor da destituição de Castillo.

O texto foi apresentado pelo opositor Jorge Montoya, do partido de ultradireita Renovação Popular, com uma série de novas acusações contra o presidente. Entre elas, a de favorecimento a uma empresa para o contrato da construção de uma ponte no valor de US$ 61 milhões -a concessão já havia sido anulada em janeiro por infringir as regras de contratação estatal.

Outra acusação partiu de uma investigação da Procuradoria que aponta a existência de um gabinete ministerial paralelo, formado por congressistas próximos e familiares de Castillo, para acelerar licitações e favorecer certos empresários. A denúncia foi feita pela lobista Karelim López. Na moção constava ainda a acusação de que Castillo havia realizado promoções de militares de modo irregular -outro caso que está sob apuração do Ministério Público.

Em sua apresentação de defesa, no começo da sessão, o presidente disse que algumas das acusações listadas são especulações e, por estarem sob investigação, não poderiam ser usados para basear um pedido de vacância “enquanto não houver conclusão judicial”. Outras ele qualificou como “fabricações”.

Depois de confirmado o resultado, ele pediu que o país “vire a página e trabalhe junto”, agradecendo a quem o apoiou e dizendo respeitar a decisão dos opositores que votaram por sua destituição. “Saúdo que a sensatez, a responsabilidade e a democracia tenham prevalecido”, escreveu.

A figura jurídica da moção de vacância vem sendo questionada por causa da quantidade de vezes em que foi usada nos últimos anos, deixando a impressão de que, no fundo, o Peru não é governado (ou governável) por ninguém.

O artigo da Constituição que a define passou a ser invocado no início da crise política em que o país mergulhou a partir de 2016. O então presidente Pedro Pablo Kuczynski foi alvo de duas moções do tipo (na segunda, ele renunciou antes da votação) e Martín Vizcarra, que o sucedeu, de outras duas; ele acabou afastado.

O mecanismo pressupõe a retirada do presidente do cargo de modo “express”, sob o vago conceito de “incapacidade moral”. Constitucionalistas peruanos dizem que isso não se aplicaria a casos de corrupção, como foi o de PPK (como é conhecido), envolvido no escândalo da empreiteira brasileira Odebrecht.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos também questionou na última sexta-feira o uso reiterado do recurso da vacância.

“A vacância de Vizcarra, a Presidência fugaz de [Manuel] Merino, outro político afogado em corrupção, e a necessidade de remendar as coisas enquanto as ruas se voltavam contra os políticos tiveram um custo alto”, diz à reportagem a analista política Rosa María Palacios. “Ficou claro que a vacância é muito desestabilizadora para o país.

Nesse sentido, vejo a política peruana paralisada neste momento.”

Até por isso, o pedido de Castillo por virar a página não parece ser assim tão simples. O líder esquerdista tem a aprovação de 18% da população, e uma pesquisa do Ipsos indicava que metade dos peruanos preferia que ele renunciasse -quando considerados os moradores de Lima, a proporção chega a 70%. A aprovação do Congresso é ainda pior: 14%.

“O cenário é de incerteza e desconcerto. Esperava-se que o novo gabinete fosse diferente, e veio um parecido aos demais, com figuras que não se mostram competentes em suas áreas ou envolvidas em suspeitas de corrupção”, afirma Palacios.

Castillo nomeou como primeiro-ministro Aníbal Torres, com a esperança de que possa diminuir as fricções com o Congresso. Político experiente, ele é também um dos homens de confiança de Vladimir Cerrón, o dogmático líder do esquerdista Perú Libre. Na Economia, Óscar Graham, que é um economista respeitado e ortodoxo, aponta para a continuidade em relação à gestão do moderado Pedro Francke.

Ainda assim, algumas trocas foram polêmicas: Hernando Cevallos, que vinha acelerando o processo de vacinação do país, deu lugar na Saúde a Hernán Condori, médico próximo a Cerrón acusado de propagandear produtos sem eficácia para tratar a Covid.

Para Maritza Paredes, diretora do departamento de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Peru, a recuperação da estabilidade democrática do Peru passa por um necessário fortalecimento dos partidos. “Tivemos o fujimorismo, que não se apoiou em partidos, e sim no Exército; depois a guerra do Sendero Luminoso acabou com líderes sindicais e comunitários, foi para cima da classe política”, diz. “O Peru não teve uma base de onde pudesse começar a pensar projetos nacionais, como fizeram Evo Morales [na Bolívia] ou Lula [Brasil], que não só prosperaram como figuras políticas como se cercaram de apoios.”

O desgaste dos anos 1980 e 90 atingiu, segundo Paredes, também a direita. “Houve uma dissolução dos grandes partidos, e o que acabou acontecendo é que grupos de interesse econômicos foram alugando as siglas que existiam, sem permitir espaços para a construção de projetos nesse campo também.”

Rosa Palacios aponta que, se as denúncias de corrupção contra Castillo se confirmarem, o ideal seria que o Congresso considerasse um processo formal de impeachment. Mas um fator a se levar em consideração para o futuro a curto prazo do líder esquerdista, ainda que sua popularidade seja baixa, são as ruas. “Não há movimentos pedindo a renúncia ou o afastamento, as coisas aos poucos estão melhorando na economia popular, com o retorno ao trabalho dos que eram informais”, diz.

“O medo mobiliza mais que a desilusão, e no momento vejo as pessoas mais desiludidas, principalmente no sul do país, onde Castillo era popular e fez grandes promessas -Lima não é um termômetro porque nunca o apoiou. Isso por ora, joga a favor do presidente.”

O cenário macro do Peru hoje também é melhor do que há dois anos. Economia sul-americana mais atingida pela pandemia, o país viu o PIB ter uma contração de 11% em 2020. No ano seguinte, recuperou-se e cresceu 10,3% para neste 2022, segundo projeção do Banco Mundial, avançar 4,8%. O desemprego também recuou, embora a taxa de informalidade ainda seja alta, em torno de 70%.

A situação da Covid também melhorou. O Peru foi dos países mais impactados -são mais de 210 mil mortos até aqui- e sofreu com crises terríveis no fornecimento de oxigênio, com colapsos dos sistemas de saúde. Hoje, porém, a média móvel de mortes diminui muito e a vacinação caminha a bom ritmo: 70,2% dos peruanos têm o primeiro ciclo vacinal completo.

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