Mãe e 7 filhos soterrados em Paraty moravam num único cômodo

Todos eles morreram, menos um garotinho, de 12 anos, que está internado em estado gravíssimo

Folhapress Folhapress -
Lucimar de Jesus Campos, 36 anos, e o filho caçula, João Jesus Campo, de 2 anos – Reprodução/Facebook

(FOLHAPRESS) – A casa que hoje virou terra era apenas quatro paredes e uma lona. No primeiro espaço dormiam Lucimar, 36, Lucimara, 17, Luciano, 15, Dorqueu, 12, Jasmin, 10, Iasmim, 8, Estevão, 6, e João, 2. No segundo, ao ar livre, ficava o fogão à lenha. Ao lado, o mato servia de banheiro.

O peixe não durava mais de um dia sem geladeira nem luz elétrica, então a mãe ia todo dia buscar mais na praia. A cultura caiçara ensina que, assim que se volta à costa com a rede cheia, se reserva uma parte àqueles que não têm como comprar.

Era o caso da família Campo, que morreu quase inteira, se protegendo da tempestade que caía no início da manhã de sábado (2). O morro que deslizou atrás do cômodo de pau a pique soterrou a mãe e sete filhos, deixando vivo apenas o de 12 anos, que está internado em estado gravíssimo.

Sete das cerca de 50 casas da vila foram destruídas, mas essa foi a única que deixou vítimas fatais durante a chuva forte que atingiu Paraty, na Costa Verde fluminense, por mais de dois dias. Outras 12 morreram e 4 estão desaparecidas na vizinha Angra dos Reis desde quinta (31).

Quatro horas de trilha ou 25 minutos num barco “voadeira” separam a praia de Ponta Negra dos pontos habitados mais próximos, mas só se o vento não soprar forte do Sul ou do Sudoeste, porque o mar ali é aberto. Os únicos meios de sobrevivência são o turismo e a pesca, hoje ameaçada por grandes barcos.

A vila cercada de morros e cachoeiras fica incrustada na sobreposição de duas reservas ambientais: a APA (Área de Proteção Ambiental) de Cairuçu, federal, e a Reserva Ecológica da Juatinga, estadual. Tem uma escola, que vai até o quinto ano, e um posto de saúde.

Por isso o menino foi levado ao Hospital Municipal Hugo Miranda, o único de Paraty, depois ao Hospital de Praia Brava, em Angra, e por último transferido de helicóptero ao Hospital de Saracuruna, referência em casos de traumas em Duque de Caxias (região metropolitana do Rio).

Ele apresentou arritmia e sofreu uma parada cardiorrespiratória, revertida pela equipe médica. Chegou a passar por uma cirurgia que durou cinco horas e agora está na UTI (unidade de terapia intensiva), respirando por meio de ventilação mecânica.

Segue acompanhado do pai, segundo o amigo e parente distante Adenício dos Remédios, 51, mais conhecido como Teteco. Analfabeta, Lucimar era mãe solteira e alternava o cuidado das crianças com os bicos: fazia faxina, trabalhava por diária em restaurantes, pescava lula e peixe.

“Crescemos todos juntos. Ela era muito raçuda, não largava os filhos”, conta ele. Completava a renda com programas de assistência social, como o Bolsa Família, e doações, como os R$ 500 que uma mulher de São Paulo que lhe transferia todo mês.

Há alguns meses, conseguiu começar a tirar uma quantia como condutora ambiental local depois de fazer um curso do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), guiando turistas por seis horas de trilha até a cachoeira do Saco Bravo. “Isso foi lindo”, lembra Teteco.

Recentemente também liderou um mutirão para limpar um bambuzal que rodeava a escola: “Você não é filho de caiçara, não? Seu pai trabalha na roça, rapaz. Que tipo de homem são esses, que vão trabalhar no enxadão ali e vão fazer calo na mão? Então não chega aos pés da mulher da comunidade”, enquadrou um deles numa mensagem de áudio, descontraída.

Quando não estavam na escola -a maioria na vila não termina nem o ensino fundamental–, os filhos passavam o tempo brincando na praia. O amigo sente falta da simplicidade e meiguice dos pequenos Jasmin, Iasmim (a única que ainda não foi encontrada) e Estevão, o mais comunicativo do grupo.

Antes de a luz elétrica chegar, em 2017, o esquema na comunidade era vela e gelo, conservado pelas 33 placas solares que a associação de moradores conseguiu através da Fundação Botânica Margaret Mee. Com as chuvas, Ponta Negra agora voltou a esses tempos.

A rede foi destruída e a casa do presidente da associação, Cauê Villela, é a única das 50 com internet, porque ele conseguiu instalar um gerador. Enquanto ele acompanha as buscas, Teteco, o vice, tem levantado doações no centro de Paraty.

Os bombeiros seguem tentando achar Iasmim com a ajuda de cães farejadores. Como o barro está secando, deve chegar nesta terça (5) à praia uma moto-bomba, equipamento da Defesa Civil que vai jogar jatos de água para escorrer a lama no local do soterramento.

A comunidade caiçara tem ajudado a abrigar as famílias atingidas, e até veranistas doaram espaço nas casas para que alguns fiquem até que possam reconstruir o próprio lar com segurança. No colégio, mães cozinham refeições coletivas.

“Está todo mundo sem saber entender, porque nunca teve algo assim. Nasci em 1971, já teve muita chuva, mas é sempre muito seguro, nunca nem entrou água em nenhuma casa”, ele lamenta.

Em toda a cidade de Paraty, a prefeitura contabiliza 127 pessoas abrigadas em escolas municipais e outras 400 desalojadas, que perderam tudo. No total, 3.651 casas foram danificadas por alagamentos e 76 foram destruídas. Além da família morta, dez ficaram feridos.

Já em Angra, há 314 pessoas se abrigando nos 38 pontos de apoio criados. O presidente Jair Bolsonaro e o governador Cláudio Castro (ambos do PL) foram até as áreas atingidas na cidade nesta segunda-feira (4).

Como ajudar

Ponta Negra Associação de Moradores Nativos e Amigos da Praia Negra
Banco Bradesco
Agência: 1645
Conta corrente: 6220-0
CNPJ: 02.973.496/0001-05

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