Mostra de Leonilson tem de experiência gay a diagnóstico de Aids em Portugal
Exposição reúne mais de 250 obras em diferentes estilos e materiais, oferecendo um panorama das várias fases de sua trajetória
GIULIANA MIRANDA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Um dos principais expoentes do movimento Geração 80, o artista plástico brasileiro Leonilson (1957-1993) acaba de ganhar sua primeira grande retrospectiva em Portugal.
A exposição “Drawn – 1975 1993” reúne mais de 250 obras em diferentes estilos e materiais, oferecendo um panorama das várias fases de sua trajetória: dos trabalhos vibrantes e coloridos do início da carreira aos célebres bordados introspectivos de seus anos finais.
“Leonilson é realmente um artista muito proeminente no cenário do Brasil e da América Latina, mas, se você cruzar o oceano, quase ninguém sabe quem ele é. Meu objetivo é mudar isso e apresentar [à audiência internacional] este incrível conjunto de trabalhos”, diz o curador, o holandês Krist Gruijthuijsenz.
A mostra desembarcou no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, após passar por Berlim e Malmo (Suécia).
Para chegar ao conjunto final de trabalhos que compõem a exposição, Krist Gruijthuijsenz recorreu a peças de outros museus, a colecionadores particulares e, principalmente, ao acervo da Fundação Leonilson, mantida pela família do artista.
Irmã de Leonilson e uma das responsáveis pela entidade, Ana Lenice, a Nicinha, viajou a Portugal para acompanhar o lançamento. Quase 30 anos após a morte do irmão, ela avalia que as obras ainda mantêm a atualidade.
“A parte sobre a corrupção e a política no Brasil continua a mesma, só mudaram os nomes. A parte autobiográfica do Leonilson também mantém essa atualidade, as questões que ele levantava ainda permanecem relevantes”, diz.
Morto precocemente aos 36 anos em decorrência da Aids, Leonilson alterou profundamente as características de seu trabalho após receber o diagnóstico da doença.
“O elemento autobiográfico é algo extremamente entrelaçado à maneira como o trabalho do Leonilson é construído. Suas obras são intimamente relacionadas com seu próprio corpo e com sua própria biografia”, diz Krist Gruijthuijsenz, curador da exposição.
Na avaliação do especialista, Leonilson transmitiu intensamente para suas obras as experiências de discriminação e preconceito pelas quais passou sendo um homem homossexual e nordestino. Várias das peças incorporam críticas a estereótipos de gênero, a padrões comportamentais e ao abismo social entre ricos e pobres no Brasil.
É o caso de “Vogue Ideal” (1976): um fanzine que apresenta uma edição alternativa da famosa revista homônima. Na edição ilustrada por Leonilson, repleta de cores e de visuais extravagantes, há críticas ao conteúdo normalmente apresentado nas publicações sobre o mundo da moda.
Diretor do Museu de Serralves, o francês Philippe Vergne diz que os valores expressos no trabalho do brasileiro são particularmente relevantes no contexto atual do mundo. “Leonilson é uma lenda absoluta, uma referência para gerações que o seguiram. Esta é uma exposição que também traz valores de empatia e humanidade. Esses são valores que o Leonilson espalha através do seu trabalho”, afirmou.
Nascido em Fortaleza, José Leonilson Bezerra Dias mudou-se com a família para São Paulo ainda na infância, em 1961. Na capital paulista, ingressou na faculdade de artes e começou a experimentar a prática artística com vários materiais, mas não chegou a concluir o curso.
Ainda no começo da carreira, passa a adotar apenas Leonilson como nome artístico. Em 1981, começa uma intensa temporada viagens à Europa, onde conheceu e se aproximou de diversos artistas que se tornaram também referências para seus trabalhos, como Eva Hesse e Blinky Palermo.
A grande influência nesta altura foi a transavanguardia italiana: um movimento do fim dos anos 1970 que se destacava pelo retorno à figuração, à mitologia e ao uso intensivo de cores.
“Esse movimento teve uma importância muito grande para o Leonilson. Então, ele não tinha medo de ser muito colorido e muito figurativo nessa altura”, avalia o curador.
Em uma viagem a Nova York em 1986, o artista visita uma exposição das obras têxteis produzidas pelos shakers –seita cristã norte-americana centrada na produção artesanal e com vasta confecção de mapas estilizados de seus territórios.
Esse contato, reforçado pela aproximação com a obra do também brasileiro Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), viria a intensificar o trabalho têxtil autorreflexivo de Leonilson.
O diagnóstico de Aids, em 1991, marca um ponto de transformação nas obras do artista. Os trabalhos ganham contornos bem mais sóbrios, com reflexões sobre a vida e a morte.
Um dos destaques deste período são os sete desenhos da série “O Perigoso” (1992). Na primeira ilustração, Leonilson incluiu uma gota de deu sangue HIV positivo: uma declaração pública de sua luta pessoal contra a doença.
“É um trabalho muito forte, feito depois de uma ida ao hospital. Ele se sentiu muito contaminado, em muitos níveis”, explica Krist Gruijthuijsenz.
A mostra dá ainda especial destaque às ilustrações feitas por Leonilson para a coluna da jornalista Barbara Gancia no jornal Folha de S.Paulo, entre 1991 e 1993.
Em preto e branco, as reflexões satíricas abordam a situação política do Brasil da altura: um país em convulsão social e política que assistia ao impeachment de seu primeiro presidente escolhido em eleições diretas após a ditadura militar.
Seu último ano de vida é marcado pela deterioração das condições de saúde. Nesta fase, Leonilson só conseguia trabalhar com tecido, agulha e linhas.
Ex-aluno de uma escola católica, ele incorpora ainda elementos da iconografia cristã, como cruzes e referências bíblicas. Esses elementos ficam bastante explícitos nas peças feitas para sua última exposição, realizada na capela do Morumbi em São Paulo e reproduzida na mostra europeia. A retrospectiva fica em cartaz no Porto até 18 de setembro.
No Brasil
Em São Paulo, a galeria Superfície inaugurou, em 3 de abril, uma mostra também dedicada ao artista e que fica em cartaz até 4 de junho. A curadoria ficou a cargo da crítica de arte Lisette Lagnado, autora da primeira retrospectiva de Leonilson, em 1995.
São cerca de 20 trabalhos, em diferentes materiais, que buscam evidenciar a afinidade de Leonilson com a obra do poeta grego Konstantinos Kavafís (1863-1933).
O paralelo entre ambos foi abordado na última entrevista concedida pelo brasileiro.
Para marcar os 30 anos da morte do artista, assinalados em maio de 2023, a Fundação Leonilson realizará uma série de pequenas exposições temáticas, ainda sem data para começar. Os responsáveis analisam ainda a promoção de uma grande mostra comemorativa na capital paulista.
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QUE SEJAM MUITAS AS MANHÃS DE VERÃO
Quando De terça a sexta, das 10h às 19h, e sábados, das 11h às 17h; até 4/6
Onde Na galeria Superfície (r. Oscar Freire, 240)
Autor José Leonilson
Curadoria Lisette Lagnado