Municípios buscam se adaptar após redução no repasse de doses da vacina BCG

O Ministério da Saúde diz que a readequação do número de doses repassadas aos governos locais ocorreu por causa da tramitação do processo de aquisição antes da distribuição aos estados

Folhapress Folhapress -
(Rivaldo Gomes/Folhapress)

STEFHANIE PIOVEZAN (SÃO PAULO, SP) – Estados e municípios estão adotando estratégias para se adaptar à redução no repasse de doses da vacina BCG, aplicada idealmente nos primeiros dias de vida e fundamental na prevenção de casos graves de tuberculose em crianças.

O Ministério da Saúde diz que a readequação do número de doses repassadas aos governos locais ocorreu por causa da tramitação do processo de aquisição antes da distribuição aos estados.

Esse processo envolve compra, desembaraço alfandegário, autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a entrada do produto no país e envio para análise no INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde).

A pasta afirma que não há desabastecimento, que as doses distribuídas mensalmente variam de acordo com a demanda das secretarias de saúde e que a situação deve ser normalizada até setembro.

Em Cuiabá, onde a imunização ficou interrompida de 19 de junho a 7 de agosto devido à falta de doses, a vacinação foi retomada com dias e horários limitados. A cidade recebeu 40 frascos, o equivalente a 800 doses, e distribuiu os imunizantes em quatro unidades básicas de saúde. Na última terça (16), um dos postos já não tinha mais vacina e outros locais contavam com dois, cinco e sete frascos, cenário bem diferente de alguns meses atrás.

Até o fim de junho, crianças nascidas no Hospital Geral e Maternidade de Cuiabá recebiam a BCG antes da alta, conforme o esquema sugerido na portaria nº 1.533/2016 do Ministério da Saúde. Agora, a instituição orienta os pais a procurarem os postos de saúde. A mesma recomendação é dada no Hospital Santa Helena. Juntos, os dois hospitais efetuam cerca de mil partos por mês, número superior às doses recebidas pelo município.

No Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Saúde tem reforçado o pedido para que os municípios organizem a logística de forma a evitar a perda de doses.

No Espírito Santo, onde a cota foi reduzida para 60% (8.630 doses mensais), uma das orientações repassadas às cidades é a vacinação dos recém-nascidos em dias alternados nas maternidades.

Cidades na Bahia também sentiram a redução. De acordo com a Secretaria da Saúde estadual, desde maio o repasse mensal é de 45 mil doses, abaixo da necessidade de 150 mil a 200 mil doses.

“Em 29 de abril, o Ministério da Saúde emitiu, por ofício, a informação de que a partir de maio, e por 9 meses, iria reduzir a quantidade de doses de vacina BCG aos estados e que estes deveriam fazer uso racional das quantidades enviadas”, afirma a pasta.

Para gerenciar a situação, a secretaria tem orientado os municípios a otimizarem a abertura das ampolas, uma vez que cada frasco de BCG tem validade de seis horas após aberto.

Essa também é a sugestão que o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) dá aos gestores. “É claro que com isso acabamos perdendo algumas janelas de oportunidade para vacinar. Se em um momento eu tinha essa vacina à vontade, sem risco de desabastecimento, eu abria o frasco quando a mãe procurava. Quando há esse risco, não faço mais isso. Começo a organizar por dia, fazer agendamento e pode ser que no dia agendado a população não procure”, afirma Hisham Hamida, diretor da entidade.

O risco de os pais desistirem de vacinar os filhos depois de irem aos postos e não encontrarem o imunizante é uma preocupação compartilhada por médicos ouvidos pela reportagem, ainda mais considerando a queda geral na cobertura vacinal.

“Meu maior receio é perderem a oportunidade de vacinar e não conseguirem ir atrás dessas crianças depois, não haver uma estratégia de busca ativada daquelas que não receberam a vacina”, diz Mônica Levi, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).

Ela e o pediatra Renato Kfouri, também diretor da SBIm, explicam que o propósito da vacina é proteger as crianças antes da exposição ao bacilo de Koch, evitando tipos graves como a tuberculose miliar, em que a doença se dissemina pelo corpo, e a meníngea, com comprometimento cerebral.

“Sem a vacinação, podemos voltar a ter casos que há anos não vemos nos consultórios”, afirma Kfouri.

Por isso, os dois recomendam aos pais que procurem as unidades de saúde para a aplicação da BCG o quanto antes.
“Se ainda não vacinou, é preciso ir ao posto e perguntar sobre a abertura do próximo frasco. Não há uma comunicação efetiva do Ministério da Saúde, então os pais têm de se informar por conta própria”, diz Kfouri.

Produção de BCG Até 2016, as doses de BCG distribuídas pelo Ministério da Saúde eram provenientes da FAP (Fundação Ataulpho de Paiva), no Rio de Janeiro. De lá para cá, porém, a produção na unidade de São Cristóvão foi interrompida algumas vezes após inspeções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e a nova planta fabril, em Duque de Caxias, continuou atrasada.

Por conta disso, o governo recorreu ao Fundo Rotatório da Opas/OMS (Organização Pan-Americana da Saúde) para adquirir o imunizante, ficando sujeito a variações da oferta internacional.

“Passamos por isso na pandemia com outros insumos, com medicamentos, e agora estamos vivendo isso com vacinas. Enquanto não estruturarmos o complexo industrial da saúde, fortalecendo a produção nacional, vamos sempre correr risco de desabastecimento”, argumenta o diretor do Conasems.

A instabilidade na oferta da BCG também é sentida por pacientes com câncer na bexiga, que utilizam a Onco BCG em seu tratamento. A ONG Oncoguia, de apoio a pacientes com câncer, afirma que começou a receber relatos de falta do produto em fevereiro, dois meses após uma nova inspeção da Anvisa na FAP determinar a suspensão da produção. A entidade procurou o Ministério Público de São Paulo para informar sobre o problema e aguarda a tramitação do processo.

Em posicionamento sobre o desabastecimento de BCG, a SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica) oferece algumas alternativas, como a importação direta de países como Índia e Alemanha, mas ressalta o alto custo dessa opção.

Questionado se está investindo na FAP ou na abertura de uma nova fábrica para voltar a contar com a produção nacional da vacina, o Ministério da Saúde não se posicionou. Procurada por telefone e email, a Fundação Ataulpho de Paiva não respondeu aos contatos da reportagem.

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