Consumidor quer mais comida gostosa e menos delivery

"Estes três critérios -comida saborosa, preço justo e higiene e limpeza- sempre foram os principais atributos observados na busca por um restaurante", diz a presidente da Galunion, Simone Galante

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Vista de um prato executivo com arroz, feijão e contra filé, no restaurante Buteco da Carne, na República, em SP. (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

A bancária Cibelia Aparecida Poli, 50, nunca deixou de trabalhar presencialmente durante a pandemia. No primeiro ano e sempre que alguma nova onda de Covid-19 se instalava, se via obrigada a pedir delivery para consumir no trabalho. Mas agora, com a pandemia sob controle, a economista e administradora está decidida: quer um lugar que ofereça comida gostosa.

“Não gosto de delivery. A comida chega toda bagunçada, fria. Prefiro sair para algum restaurante perto do trabalho”, diz Cibelia. “Mas percebo que, em geral, a qualidade caiu muito. A melhor coisa é chegar em um restaurante em que a comida seja boa, caseira.”

A disposição de Cibelia em busca de uma comida com mais sabor não é um caso isolado. Segundo pesquisa da consultoria Galunion, especializada no mercado de alimentação fora do lar (food service), consumir uma comida gostosa é hoje o principal critério do brasileiro na hora de escolher um restaurante (resposta de 61%) -ficando à frente de preço justo (58%) e até de higiene e limpeza (56%).

“Estes três critérios -comida saborosa, preço justo e higiene e limpeza- sempre foram os principais atributos observados na busca por um restaurante”, diz a presidente da Galunion, Simone Galante. “Mas nos dois últimos anos, com a pandemia, higiene e limpeza assumiram a dianteira como principal critério de escolha. Agora, porém, mesmo com a forte alta no preço dos alimentos, o que mais se busca é comida gostosa.”

O levantamento da Galunion foi feito online em setembro, com 1.045 consumidores em todo o país, das classes A, B e C, com mais de 18 anos. De acordo com a pesquisa, houve um aumento no número de consumidores trabalhando este ano -de 76% em fevereiro para 82% em setembro.

Destes, 93% são da classe A, 87% da classe B e 73% da classe C. Quase a metade (44%) são contratados, enquanto pouco mais de um quarto (26%) são autônomos. Uma fatia de 12% trabalha tanto para empresas quanto de forma autônoma, para complementar a renda.

AUMENTO NOS PREÇOS DO CARDÁPIO FEZ 64% FREQUENTAREM MENOS RESTAURANTES

A pesquisa também apontou que 56% nunca ou raramente compram no delivery.

“Houve um momento da pandemia em que todos compravam no delivery”, diz Simone. Mas o fato de que 12% continuam encomendando comida a partir do trabalho “na maioria das vezes” e 32% “algumas vezes” é significativo, diz ela. “Até pouco tempo atrás, delivery era só para pizza à noite. Depois da pandemia, passou a estar presente em várias ocasiões de consumo.”

A disposição em colocar o paladar em primeiro lugar também pode estar relacionada à alta no preço dos alimentos. Ao ter que lidar com uma inflação galopante, de 9,54% no acumulado dos nove primeiros meses do ano, muitas vezes o restaurante muda ingredientes ou troca fornecedores, na tentativa de diminuir custos. O resultado final pode não agradar.

“O consumidor sempre percebe quando há uma piora na qualidade do prato ou do serviço”, diz Simone. De acordo com outra pesquisa da Galunion, junto a restaurantes, diante do aumento dos custos, a primeira opção dos estabelecimentos é reduzir o desperdício (resposta de 63%). Na sequência, vêm mudança de fornecedores (57%) e aumento de preço (47%).

“Os restaurantes tentam alternativas antes de aumentar os preços do cardápio, porque sabem que isso vai impactar diretamente a frequência do público”, diz Simone. O levantamento da Galunion apontou, por sinal, que quase dois terços (64%) dos brasileiros desistiram de consumir em restaurantes no dia a dia, ou diminuíram a frequência, por conta do aumento do preço do menu.

ESTABELECIMENTOS MUDAM MENU E APOSTAM EM PROGRAMA DE FIDELIDADE

Dona das redes Pizza Hut, KFC, Frango Assado, Viena e Oliver Garden, a IMC aponta a alta do preço das matérias-primas como o custo mais crítico da operação neste ano. “Os primeiros seis meses do ano foram muito intensos pela alta da inflação, o que acabou melhorando um pouco mais nos três últimos meses”, diz Alex B. X. Pinto, diretor de marcas e vendas da IMC.

A empresa, segundo ele, vem tentando diminuir o desperdício, com a melhora no fluxo operacional e a revisão de processos internos. “Um segundo caminho está na busca de fornecedores alternativos para minimizar possíveis impactos para o consumidor”, diz o executivo.

A IMC adota estratégias diferentes para cada marca, de acordo com o principal canal de vendas. Na Pizza Hut, por exemplo, os canais balcão e digital (delivery) representam cada um 50% das vendas. Já no KFC só 25% das vendas são digitais.

“No Frango Assado, onde a venda é 100% presencial, criamos um programa de fidelidade, o Fran-GO, com descontos, vantagens e promoções exclusivas”, diz Alex Pinto. “Já no KFC lançamos um sanduíche mais econômico com um bom preço de entrada e ótima qualidade, o Chicken Coronel, por R$ 9,90.”

Os restaurantes menores também buscaram alternativas para lidar com a alta expressiva no preço dos alimentos. “Tivemos que repassar algo para o menu, mas ainda assim abaixo dos reajustes que chegam até nós”, diz Gustavo Iglesias, dono do BEC Bar, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. O estabelecimento era focado em cerveja artesanal e churrasco, mas com a alta dos custos, mudou o cardápio.

“Trouxemos mais opções de petiscos e hambúrgueres, investimos em coquetelaria, e isso contribuiu para aumentarmos nossas margens, conquistando uma clientela nova”, diz Iglesias. O BEC Bar, no entanto, que funcionava seis dias por semana, no almoço e jantar, passou a trabalhar só de quinta a domingo à noite.

“Os escritórios da região não voltaram, por isso parei de vender almoço executivo”, afirma. “Passei a trabalhar com uma equipe bem menor, focada nos fins de semana.”

Outra medida foi mudar o padrão de carnes -só trabalhar com cortes premium. “Como tivemos que aumentar o preço, quisemos aumentar também a qualidade”, afirma. “É claro que o consumo de carnes caiu no geral, mas quem acaba gastando sai mais satisfeito”, diz Iglesias, que afirmar ter registrado queda no faturamento em relação ao pré-pandemia, mas agora tem lucratividade maior.

ABRASEL PREVÊ ALTA REAL DE 5% NO FATURAMENTO DESTE ANO, PARA R$ 396 BILHÕES

Na opinião de Paulo Solmucci Jr., presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), o setor está se recuperando muito bem da pandemia. “O dado da Galunion, de que quase dois terços dos consumidores diminuíram a frequência nos restaurantes por conta do preço, faz pouco sentido para mim”, diz o executivo. “Nosso setor tem crescido acima da média do Brasil.”

Antes da pandemia, em 2019, o setor de bares e restaurantes faturou cerca de R$ 235 bilhões. “Para este ano, a previsão é atingir R$ 396 bilhões, um crescimento real de 5% sobre 2021”, diz.

Solmucci reconhece, no entanto, que o brasileiro está “buscando consumir o que cabe no bolso”. “Os restaurantes têm feito esta ginástica, de reajustar os preços abaixo da inflação de alimentos.”

Em setembro, a inflação acumulada pelo IPCA no ano registrou alta de 4,09%, enquanto a alimentação fora do domicílio avançou 6,01%. Já a inflação de alimentos atingiu 9,54% no período, o maior índice até setembro desde o lançamento do Plano Real.

De acordo com a pesquisa da Galunion, a maioria da classe A (53%) e da classe B (51%) pretende manter os gastos com alimentação fora do lar nos próximos seis meses. Já 58% da classe C querem diminuir este gasto.
“Controlar o desperdício é uma luta permanente, há um grande esforço para ganhar em produtividade”, diz Solmucci. “Sempre lutamos para não repassar o aumento do preço dos alimentos para o cardápio.”

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