Inauguração de memorial em Brumadinho é adiada, e famílias apontam divergência com a Vale

O rompimento da barragem B1 ocorreu às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019

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Rio Paraopeba, uma das áreas atingidas pela lama de barragem da Vale em Brumadinho (MG) (Foto: Eduardo Anizelli /Folhapress)

“O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível”. Os versos, escritos pela poeta mineira Adélia Prado, estarão na entrada de um memorial em homenagem às vítimas do rompimento da barragem B1 da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em Minas Gerais.

Inicialmente, a inauguração do espaço estava prevista para ocorrer neste 25 de janeiro, em alusão aos quatro anos da tragédia, que deixou 270 mortos na conta oficial –familiares contabilizam 272 vítimas por haver duas mulheres grávidas entre as vítimas. Agora, a abertura não tem data.

O comunicado de adiamento foi feito pela Avabrum, associação que reúne as famílias das vítimas e que alega falta de diálogo com a Vale em meio às definições sobre a gestão do espaço.

Segundo o grupo, o impasse ocorreu durante a elaboração de documentos jurídicos.

“Aguardamos a construção de documento que garante para nós, familiares das vítimas, o direito de governança, estabelecendo legalmente que o memorial seja nosso e dos nossos”, diz nota da Avabrum.

“Buscamos assim impedir a interferência da Vale na gestão do espaço. Como não foi possível finalizar, em virtude de várias divergências, e perante nossa responsabilidade de garantir nossos direitos enquanto idealizadores do projeto e representante legal da memória, a Avabrum aguarda finalização jurídica do acordo”, completa.

O rompimento da barragem B1 ocorreu às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019. Em poucos segundos, um tsunami carregado de 9,7 milhões de metros cúbicos de lama invadiu terminais de carga, um refeitório e outras estruturas onde estavam funcionários da Vale e terceirizados.

Em seguida, a lama atingiu ainda mais espaços, como uma pousada, áreas de mata e animais e o leito do rio
Paraopeba. Atualmente, a tragédia é considerada como o maior acidente de trabalho já registrado no Brasil, o qual vitimou também outros moradores e visitantes da região de Brumadinho.

A intenção de fazer o espaço foi divulgada oficialmente em 2020, mas as obras para construção do memorial começaram apenas no ano seguinte. O terreno, próximo ao local onde a barragem rompeu, foi cedido pela Vale, que custeou as obras. O valor não é revelado pela empresa.

O projeto, elaborado pelo escritório Gustavo Penna Arquiteto & Associados, inclui a construção de um pavilhão com áreas de exposição e homenagem, além do plantio de 272 ipês amarelos, em referência ao número de vítimas na tragédia. Ao todo, a obra envolve 1.200 m² de área construída.

Dentro do espaço, há uma fenda que aponta para o local onde a barragem se rompeu. Os nomes das 272 vítimas deve ser gravado nas paredes dos pavilhões de memória, cujo formato retorcido remete aos sonhos destruídos com o rompimento da barragem.

“Temos o desafio de moldar um espaço sólido que possa servir de abrigo, evitar o esquecimento da brutalidade da tragédia e ao mesmo tempo possibilitar um ambiente adequado ao luto privado e coletivo”, diz texto do grupo de Gustavo Penna em apresentação do projeto do memorial.

Atualmente, as obras já estão 95% finalizadas, de acordo com a Avabrum.

Segundo Maria Regina da Silva, 58, diretora da associação e mãe de Priscila Ellen, uma das vítimas do rompimento da barragem, a ideia do memorial surgiu com a necessidade de encontrar um local para colocar segmentos corpóreos que foram coletados pelos bombeiros e levados ao IML, mas que pertenciam a vítimas já identificadas e enterradas.

“Foi aí que se pensou que isso teria que ser trazido para perto, na forma de um memorial”, afirma ela, segundo quem a ideia veio de parte das famílias que souberam que havia risco de o material ser colocado em uma vala comum.

Ainda de acordo com Regina, a intenção das famílias é que seja criada uma fundação para fazer a gestão do memorial, com aporte financeiro da Vale, mas sem interferência da empresa. “Queremos que a gestão tenha o olhar da Avabrum. Esse não é o memorial da Vale, mas às vítimas que ela fez”, afirma.

Segundo ela, recentemente, a empresa sinalizou que poderia cumprir com o pedido.

“O que acontece é que todas as conversas da Vale com a gente são apenas conversas. Enquanto não tivermos uma documentação de que não estará dentro da gestão, não permitiremos a ida dos restos corpóreos e [a inserção dos] nomes”.

Além da homenagem às vítimas, o espaço deve ter referências ao trabalho de quem participou do resgate, como os bombeiros. Atualmente, o grupo mantém estações de buscas onde analisa material retirado da barragem, na tentativa de identificar remanescentes de três vítimas ainda não localizadas.

Procurada, a Vale informou que “mantém diálogo frequente com a Avabrum, com a participação do Ministério Público de Minas Gerais, sobre todos os aspectos necessários à gestão do Memorial, com o objetivo de garantir sua perenidade e sustentabilidade”.

“O Memorial é um espaço destinado a homenagear as vítimas, sendo fruto de escuta ativa junto aos familiares, representados pela associação”, informa.

Questionada sobre a previsão de inauguração, a empresa não respondeu. Em nota, a Avabrum diz ter a expectativa de que, finalizado o impasse, a inauguração ocorra ainda neste semestre.

Sobre o desastre, a Vale diz que a barragem era considerada segura por especialistas e em auditorias e que relatórios internacionais após a tragédia apontam que o rompimento ocorreu sem sinal prévio.

“A Vale reafirma o seu profundo respeito pelas famílias impactadas direta e indiretamente pelo rompimento da Barragem 1, em Brumadinho, e segue comprometida com a reparação e compensação dos danos”.

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