Licença paternidade ajuda mulher a seguir carreira, mas engatinha no Brasil

Enquanto a lei brasileira prevê que as mulheres tirem uma licença de 120 dias quando se tornam mães, os homens que se tornam pais têm cinco dias corridos

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Licença parental estendida vai permitir que a mãe retorne antes ao trabalho. (Foto: Karime Xavier/ Folhapress)

DANIELE MADUREIRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu imaginei que tivesse que acordar sozinha à noite para amamentar, porque precisaria poupá-lo, já que ele iria trabalhar no dia seguinte”, diz a empresária Andreza Almeida Dyonisio, 37, se referindo ao marido, Felipe Rocha, 36, gerente de vendas e marketing da Rhodia Brasil. “Mas ele levanta junto comigo sempre que ela chora e parte das vezes ele dá a mamadeira, para que eu possa descansar um pouco”, diz.

A pequena Cecília chegou ao mundo há cerca de 20 dias, causando uma “revolução” não só na vida da mãe, como é o costume entre os bebês. A vida do pai também foi transformada, para além dos cinco tradicionais dias de licença remunerada previstos pela lei brasileira. A empresa de Rocha adota a licença paternidade estendida, que concede aos pais uma pausa remunerada de até quatro meses para cuidados com o recém-nascido.

É isso que vai permitir com que Andreza, dona de uma loja de roupas, volte antes do previsto para o trabalho. “Desde que a gente decidiu ter um filho, eu sabia que o Felipe seria um pai presente, porque era o sonho dele”, afirma. “Eu pensava, porém, que o meu maternar fosse mais solitário, talvez com ajuda da minha mãe. Mas ele está participando de tudo, vendo o desenvolvimento dela, dividindo os perrengues do dia e da noite, vivendo a paternidade por inteiro.”

Enquanto a lei brasileira prevê que as mulheres tirem uma licença de 120 dias quando se tornam mães, os homens que se tornam pais têm cinco dias corridos. Desde 2021, a companhia que optar pelo programa Empresa Cidadã pode estender a licença maternidade para 180 dias, e a paternidade, para 20, com o abatimento dessa extensão no Imposto de Renda.

A prorrogação do período de licença maternidade (que passou a ser chamada de licença parental) pode ser dividida entre mães e pais, desde que ambos trabalhem em companhias que participem do Empresa Cidadã.

Apesar do incentivo governamental, o número de empresas cidadãs ainda é pouco significativo: cerca de 26 mil, segundo o levantamento mais recente da Receita Federal, de julho de 2022. Quase nada diante das 20,2 milhões de empresas cadastradas no país ao final do ano passado, de acordo com o Ministério da Economia.

Algumas filiais brasileiras de grandes multinacionais como Rhodia (controlada pelo grupo Solvay), Haleon (fabricante do antiácido Eno), Sanofi (dona da marca Medley de medicamentos) e Corteva (produtora de sementes e defensivos) vêm investindo na licença parental remunerada estendida, bancando o benefício por conta. Elas seguem as premissas das respectivas matrizes, que consideram a licença remunerada para os pais uma ferramenta para promover a igualdade de gênero.

“É claro que as empresas precisam fazer com que a conta feche”, diz Edna Bedani, professora da área de liderança e carreiras da ESPM e vice-presidente do conselho deliberativo da ABRH-SP (Associação Brasileira de Recursos Humanos de São Paulo). Segundo ela, é possível que em alguns casos a remuneração comece em 100%, e depois seja negociada a 90% ou 80% do salário nos meses seguintes.

“Mas, em geral, essas companhias têm consciência de que o benefício contribui para aumentar a diversidade e a consequente riqueza de ideias, uma vez que mais gente de licença exige um rearranjo interno -e os lugares passam a ser ocupados por mulheres ou profissionais mais velhos, por exemplo”, afirma. “De quebra, elas conquistam maior engajamento dos funcionários, aumentam a retenção de talentos e melhoram a sua reputação na sociedade.”

Um levantamento realizado pelo centro de estudos americano Peterson Institute for International Economics aponta que a licença parental igualitária é capaz de aumentar a participação das mulheres em cargos de liderança.

De acordo com o estudo “Women scaling the corporate ladder: Progress steady but slow globally” (Mulheres subindo a escada corporativa: Progresso constante, mas lento globalmente), divulgado em 2020, ao ritmo atual de mudança, levaria mais de uma geração para as mulheres alcançarem a paridade de gênero -25 anos para mulheres na mesma proporção de cargos de diretoria e 31 anos para a mesma proporção de cargos executivos.

Mulheres CEOs, porém, continuariam extremamente raras nos próximos anos e só chegariam perto da igualdade com homens em 2063.
Segundo o levantamento, existem dois grandes fatores que levam a essa desigualdade. Em primeiro lugar está a formação: as meninas precisam ser encorajadas a seguirem carreira em áreas como negócios, economia e contabilidade, para que possam atingir posições de liderança nas empresas e mesmo na vida pública.

Em segundo lugar, está a divergência na carreira de homens e mulheres depois que chegam os filhos. O levantamento mostra que a licença de paternidade, ao lado de uma rede de apoio voltada aos cuidados infantis, é capaz de encurtar o período em que as mães deixam a força de trabalho e facilitam sua reinserção no mercado. Com necessidade de uma pausa menor na carreira por parte delas, a licença paternidade contribui ainda para reduzir a disparidade salarial entre homens e mulheres.

“É o meu presente de Dia das Mães”, brinca a fonoaudióloga Ana Luíza Ferraz, 35, casada com o gerente de marketing da Haleon no Brasil, Otávio Queiroz Ferraz, que está tirando a licença remunerada de seis meses depois do nascimento de Pedro, há dois meses. Os dois já são pais de Rafael, 5.

“Está sendo uma experiência muito diferente da primeira gravidez. O Otávio está junto, pode dividir a responsabilidade da criação desde o comecinho. É incrível, especialmente pelo fato de ele poder participar mais das atividades do mais velho”, diz ela, que, como profissional liberal, se sente mais à vontade para voltar a trabalhar assim que possível. “A presença dele me ajuda muito, eu não me sinto tão sobrecarregada nesses primeiros meses, quando a gente acorda demais.”

Para Otávio Ferraz também está sendo transformador. “Como gestor, eu não entendia muito bem certa insegurança das colaboradoras quando saíam de licença maternidade, em relação a como seria a sua volta. Agora eu estou vivendo essa ansiedade, mas sei que eu volto melhor do que fui”, diz ele.

Já Felipe Rocha fez questão de mudar sua identificação na rede de relacionamentos profissionais LinkedIn: agora a sua primeira e mais importante função é ser “pai da Cecília”. “A Cecília é a minha cliente de mais difícil negociação. Quando ela quer, é pra já”, diz ele, que se apavorou com o primeiro banho, se surpreendeu com a quantidade de soluços e discutiu com a mulher sobre o melhor jeito de trocar as fraldas. “Mas tudo vale para garantir que este vínculo seja eterno.”

Um relatório publicado em março deste ano pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), intitulado “Unindo forças para a igualdade de gênero: o que está nos impedindo?”, revela que muitos países membros do grupo melhoraram suas políticas de licença remunerada para pais nos últimos anos -embora o único que tenha igualado o benefício para homens e mulheres tenha sido a Espanha.

Em alguns, como a Dinamarca, a experiência não foi tão inspiradora: os homens começaram a usar o tempo livre para cursar um MBA.

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