Pesquisa indica que Ciência sem Fronteiras não atingiu objetivos entre alunos de 13 universidades

Estudantes que receberam bolsas no exterior não tiveram melhores resultados na pós-graduação ou no mercado de trabalho; órgãos financiadores contestam amostra

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A presidente Dilma Rousseff participa da cerimônia de lançamento da segunda etapa do Programa Ciência sem Fronteiras, no Palácio do Planalto – Foto: Alan Marques/Folhapress

STEFHANIE PIOVEZAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa de doutorado realizada na FGV (Fundação Getulio Vargas) e publicada pelo Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas (UNU-Wider, em inglês) indica que o programa Ciência sem Fronteiras não atingiu seus objetivos entre alunos de 13 universidades federais.

Criado em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e encerrado em 2017, o CsF concedeu mais de 90 mil bolsas para graduandos e pós-graduandos estudarem no exterior e teve um custo estimado de R$ 13,2 bilhões.

No grupo de instituições analisado, a probabilidade de ingressar em programas de pós-graduação brasileiros nos primeiros três anos após o intercâmbio foi 12,5% menor e, entre quatro e seis anos, 7,1% menor do que entre aqueles não aprovados na iniciativa, criada em 2011 na gestão Dilma Rousseff (PT).

Os pesquisadores também verificaram que a iniciativa não surtiu efeito na probabilidade de ter um emprego formal nem em ser proprietário ou sócio de uma empresa.

Questionados, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), financiadores da iniciativa, afirmaram que o estudo possui limitações e não é possível avaliar o impacto do programa apenas com base nele.

Como foi realizada a pesquisa?

A pesquisa começou a ser delineada em 2018, quando Otavio Canozzi Conceição ingressou no doutorado em economia na FGV. Ele já havia estudado o CsF durante o mestrado na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e seguiu analisando o programa, dessa vez sob orientação de André Portela Souza.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, os pesquisadores requisitaram às 63 universidades federais os dados dos estudantes de graduação que se inscreveram no programa de intercâmbio, incluindo tanto os aprovados para as viagens quanto os não selecionados. Solicitaram: nome completo do estudante, gênero, idade, raça, seis dígitos intermediários do CPF, campus, ano e semestre de admissão e nota no vestibular.

“Os pedidos se concentraram nas universidades federais porque elas correspondem a 26 das 30 universidades com maior número de candidatos na modalidade graduação-sanduíche”, diz Souza.

Além disso, explica o orientador, existe um sistema eletrônico e unificado do governo que permite a solicitação de dados de todas as universidades federais do país. No caso das universidades estaduais, haveria a necessidade de fazer o pedido em diferentes sistemas, o que aumentaria o tempo de coleta de dados e poderia comprometer o cronograma do doutorado, segundo Souza.

Das 63 federais, 13 forneceram dados: UFBA (Bahia), UFS (Sergipe), UFV (Viçosa, MG), UFMT (Mato Grosso), UFCG (Campina Grande, PB), UFSCar (São Carlos, SP), UFPA (Pará), UFSC (Santa Catarina), UFPB (Paraíba), UFRA (Rural da Amazônia), UFGD (Grande Dourados, MS), UFPE (Pernambuco) e Ufes (Espírito Santo). “Nossa base de dados corresponde a 13,6% do total de alunos que se inscreveram na modalidade graduação-sanduíche e a 13% dos beneficiados pela política”, diz o professor.

O segundo passo foi cruzar as respostas com bases de dados do governo. Eles checaram a presença dos alunos na Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que lista todos os trabalhadores com registro formal; na Plataforma Sucupira, que agrupa as informações dos programas de pós-graduação; e nos registros de empresas na Receita Federal.

Por fim, foi feita a comparação entre os alunos que receberam bolsa do CsF e aqueles das mesmas universidades e cursos que se inscreveram, mas não foram aprovados.

O que dizem os pesquisadores?

Uma das hipóteses para o resultado negativo nesse grupo de alunos é o atraso na entrada no mercado de trabalho. Com o intercâmbio, os estágios e a formatura foram adiados, o que pode ter repercutido na empregabilidade.

A meta de enviar 100 mil estudantes para o exterior em apenas quatro anos e o foco em alunos de graduação, contrariando o que outros países fazem para ampliar seu conhecimento em áreas prioritárias, também podem ter pesado negativamente.

“Contudo, não sabemos o impacto entre os alunos das demais universidades. Além disso, existem outras dimensões que não conseguimos avaliar neste estudo. Por exemplo, ganhos em termos de cultura e habilidades socioemocionais”, observa o professor.

Para Souza, a lição que fica é que não se deve criar um programa em larga escala, de uma só vez. “Fazer pilotos, experimentar, iniciar em menor escala, aprender com o processo e ir ajustando à medida que vai se ampliando nos parece um caminho mais sensato”, argumenta.

Ele sugere que medidas como criar uma mentoria, aprimorar o aproveitamento das disciplinas cursadas no exterior e selecionar universidades internacionais de atestada qualidade seriam medidas relevantes em um novo programa.

O que afirmam o CNPq e a Capes?

Para o atual presidente do CNPq, Ricardo Galvão, o Ciência Sem Fronteiras foi uma grande inovação na política brasileira de estímulo à internacionalização da educação superior, apesar de eventuais problemas.

Galvão elogia a forma como os pesquisadores obtiveram, organizaram e analisaram os dados, mas questiona a representatividade da amostra para avaliar o programa como um todo.

Ele argumenta ainda que um trabalho anterior concluiu ter havido impacto positivo dos bolsistas na pós-graduação e que seria relevante, na avaliação de desempenho do CsF, considerar também outras modalidades, como pós-doutorado.

“Certamente, isso não significa que não tenha havido falhas na implantação, execução, acompanhamento e avaliação do programa CsF, que justifiquem estudos mais aprofundados para futuros aprimoramentos, caso programa semelhante seja reimplantado”, pondera.

A Capes tem parecer semelhante. A entidade elogia o esforço de avaliação da política pública e as informações contidas no estudo, porém defende que suas conclusões de caráter mais amplo sobre o programa e sua eficácia precisam ser considerados em conjunto com outras pesquisas e abordagens.

Segundo o orientador do estudo, há a intenção de ampliar a pesquisa para uma base maior. “Nos colocamos à disposição do CNPq e do Ministério da Ciência e Tecnologia para expandir o estudo. Eles podem facilitar a obtenção dos dados junto ao MEC [Ministério da Educação] ou diretamente junto às demais instituições de ensino.”

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