Debate sobre descriminalização da posse de drogas pode voltar ao STF nesta quinta (1º)

Caso, no entanto, é apenas o terceiro item da pauta do plenário, o que significa que pode não ser apreciado no dia

Folhapress Folhapress -
Plenário do STF. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

MARCELO ROCHA E CONSTANÇA REZENDE

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na expectativa da retomada do julgamento sobre a descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, que pode ocorrer nesta quinta (1º), Ministério Público de São Paulo e partes interessadas no processo enviaram manifestações ao STF (Supremo Tribunal Federal) para reforçar argumentos favoráveis ou contrários à tese.

A Promotoria afirmou que “a criminalização da posse de drogas para consumo pessoal é, no Brasil, no momento atual, um imperativo, se realmente se quiser enfrentar os graves problemas de saúde e de segurança públicas”.

O julgamento do recurso que pede a descriminalização da posse individual de drogas está previsto para ser retomado pelo Supremo após quase oito anos desde que foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar) apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes. O caso, no entanto, é apenas o terceiro item da pauta do plenário, o que significa que pode não ser apreciado no dia.

No documento endereçado ao relator do processo, ministro Gilmar Mendes, a Promotoria diz ainda que “a ausência de criminalização da última etapa da cadeia de comércio traria virtual desproteção” de direitos fundamentais e sociais. O documento é assinado pelo procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo.

A Promotoria é parte no processo do STF porque o debate gira em torno de um caso originário de São Paulo. A decisão final da corte terá repercussão geral -vai balizar a análise dos processos relativos ao tema em toda a Justiça.
A Promotoria disse ainda que a aquisição de substâncias psicoativas ilícitas pelo usuário é apenas o ato final de uma longa cadeia de delitos.

Se a repressão ao comércio ilegal é um imperativo constitucional, afirmou o órgão, “não se compreende como o Estado poderia cumpri-lo, se na outra ponta do tráfico estará o usuário, sem estar sujeito a limites impostos pela lei”.

A Defensoria Pública de São Paulo, a Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Conectas Direitos Humanos, a ABGTL (Associação Brasileira de Lésbicas Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo) e a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, por sua vez, enviaram manifestação conjunta ao STF para defender a descriminalização da posse de drogas para consumo.

Seus representantes afirmam que a escolha da via penal “não é legítima” nem “a mais eficaz” e, portanto, inconstitucional para tutelar o consumo pessoal de drogas.

“Embora a Lei nº 11.343/06 tenha sido criada na intenção de quebrar o paradigma repressivo e como tentativa de responsabilização proporcional das condutas, seus 17 anos de vigência tem demonstrado que, na prática, têm contribuiu para o encarceramento em massa, sobremodo, de pessoas negras e periféricas”, destacam.

“Apesar do abrandamento das consequências penais do porte de drogas para consumo pessoal, a qualificação dessa conduta como infração de natureza penal permite que o aparato estatal seja utilizado na vigilância e marginalização de grupos socialmente subalternizados, os quais são alvo de operações policiais, que resultam em violência, encarceramento e morte de uma população majoritariamente negra.”

A ação pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343 de 2006 (Lei de Drogas). O texto considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal, mas não esclarece quanto à quantidade a ser considerada ilícita.

Assim, sem uma definição precisa que diferencie usuários e traficantes, qualquer pessoa em posse de quantidade irrisória de droga pode, teoricamente, ser enquadrada como traficante.

Pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) feita com base em mais de 5.000 processos em tribunais de Justiça do país aponta que, se fossem adotados critérios quantitativos para definir o uso pessoal –até 25 g de maconha e 10 g de cocaína–, cerca de 30% dos réus seriam presumidos usuários.

A análise na corte começou em 2015 e foi interrompida no mesmo ano, após pedido de vista do ministro Teori Zavascki, morto em 2017 em um acidente aéreo.

A corte avalia recurso apresentado pela defesa do mecânico Francisco Benedito de Souza. Ele cumpria pena por porte de arma de fogo no Centro de Detenção Provisória de Diadema, em São Paulo, mas sofreu nova condenação depois que foram encontrados 3 gramas de maconha na cela dele.

O processo foi liberado em 2018 por Moraes, que assumiu a vaga de Zavascki no Supremo, e a inclusão do julgamento na pauta dependia de decisão do presidente da corte. Em 2019, o então presidente Dias Toffoli chegou a marcar a retomada da análise, mas a retirou da pauta.

Em 2015, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso se manifestaram a favor da descriminalização da posse de maconha para uso pessoal.

O relator, contudo, defendeu que a medida seja estendida para todas as drogas. O entendimento foi parcialmente seguido pelos ministros Fachin e Barroso, que votaram pela absolvição do mecânico flagrado com 3 gramas de maconha, mas restringiram sua interpretação à maconha.

Barroso, contudo, foi além em seu voto, e propôs definir uma quantidade de Cannabis que o usuário pode portar sem que seja enquadrado como traficante: “Vinte e cinco gramas e até seis plantas fêmeas de maconha por pessoa”, disse o ministro, em seu voto.

Em contraponto ao placar de 3 a 0 pela descriminalização, a PGR (Procuradoria-Geral da República) se pronunciou pela criminalização do porte de todas as drogas para consumo próprio.

O julgamento deve ser retomado com o voto de Alexandre de Moraes. Também faltam votar os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

O advogado criminalista Pierpaolo Bottini, autor do livro “Porte de Drogas para Uso Próprio e o STF”, defende que o julgamento seja abrangente e não se limite à maconha. “Em segundo lugar, é fundamental estabelecer parâmetro objetivo para tudo, ou pelo menos para as drogas mais comuns. Não estamos discutindo a legalização, mas afastando o uso [pessoal] do direito penal. É um passo modesto, mas que precisa ser dado”, afirma advogado.

Para Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a eventual descriminalização pelo STF poderá provocar o Congresso Nacional a legislar sobre o tema.

“Seja para maconha ou para outras drogas, precisamos de uma política que respeite o direito das pessoas de usarem as substâncias que bem entenderem, desde que não ofendam a saúde pública”, afirma.

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