Sumiço de cápsulas de Césio-137 em MG traz à tona tragédia radioativa em Goiânia

Diferença é que em Minas Gerais o elemento está duplamente encapsulado - constatando risco grau cinco, considerado baixo

Gabriella Pinheiro Gabriella Pinheiro -
Césio-137
Local que aconteceu o acidente do Césio-137, em Goiânia. (Foto: Reprodução)

O desaparecimento de duas fontes de Césio-137 em uma mineradora em Nazareno (MG) no dia 29 de junho, trouxe à tona cicatrizes ainda abertas para muitos goianienses e que marcou os anos de 1980. Foi ali, em um edifício abandonado, que uma vez abrigara o Instituto Radiológico de Goiânia, na região Central, que ocorreu uma das maiores tragédias radioativas já registradas no mundo.

A diferença é que em Minas Gerais o elemento está duplamente encapsulado – constatando risco grau cinco, considerado baixo. Aqui, o cenário foi completamente diferente.

No dia 13 de junho de 1987, dois catadores de materiais recicláveis avistaram o terreno vazio e enxergaram no espaço uma oportunidade de encontrar itens para vender como sucata.

Os homens encontraram um equipamento médico, já desativado, com cerca de 100 kg, que abrigava no interior uma cápsula contendo Césio-137, isótopo extremamente radioativo.

Ignorando totalmente o efeito do produto e de olho em reverte-lo em dinheiro,  os trabalhadores venderam  a estrutura ao dono de um ferro velho no Setor Central, chamado Devair Ferreira.

Na prática, para aproveitar todo o material, o proprietário não pensou duas vezes antes de abrir o aparelho e explorar o conteúdo. Foi neste momento que o dono encontrou um pó que emitia luz azulada.

Fascinado pelo material, Devair levou um pouco da substância para casa para mostrar à esposa dele, Maria Gabriela. Dias depois, os efeitos da radiação – como diarreia, náusea, tontura e vômito – começaram a ser sentidos pelo casal.

Para piorar a situação, o irmão do empresário, Ivo Ferreira, decidiu visitar o parente durante esse tempo e também ficou encantado pelo pó – levando um pouco para casa.

A curiosidade era tamanha que Ivo e os filhos chegavam a apagar as luzes do quarto para admirar o brilho azul que saía da peça. Mas não demorou muito até que os sintomas se repetissem e todos adoecessem. A primeira a sentir os efeitos foi a caçula, Leide das Neves, de 06 anos.

Inicialmente, as pessoas expostas ao Césio-137 foram medicadas nos postos de saúde e hospitais de Goiânia, acreditando se tratar apenas de uma doença convencional.

No entanto, após notar que todas as pessoas que tiveram contato com a peça adoeciam, a esposa do dono do ferro-velho decidiu levar a peça até a sede da Vigilância Sanitária Estadual, onde descobriu a verdade por trás dos fatos.

Ao todo, foi constatado a contaminação pelo Césio-137 em 249 pessoas. Desses, 129 tinham rastros da substância nas partes internas e externas do organismo. Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), 49 vítimas foram hospitalizadas e 20 delas precisaram de cuidados médicos intensivos.

Mesmo com a descoberta, o resultado ainda foi fatal na vida dos familiares do proprietário do ferro-velho. No mesmo ano, em 23 de outubro, Maria Gabriela, de 37 anos, foi a primeira das vítimas a ter o óbito confirmado pela contaminação.

Horas depois, foi a vez da pequena Leide. Naquela mesma semana, ainda morreram Israel Batista dos Santos, de 22 anos, e Admilson Alves de Souza, de 18, que eram funcionários de Devair.

Após o acidente, cinco pessoas foram condenadas a 3 anos e 2 meses de prisão em regime aberto pelo crime de homicídio culposo pela forma como o equipamento foi deixado no edifício. Contudo a pena foi transformada em prestação de serviços comunitários e, em 1999, a ação penal foi arquivada.

Ao todo, cerca de 6 mil toneladas de lixo radioativo foram recolhidas na capital goiana depois da tragédia e encaminhadas a unidade do Cnen em Abadia de Goiás, onde duas caixas de concreto foram enterradas.

Vale lembrar que Devair e Ivo sobreviveram aos efeitos da radiação, mas anos depois por cirrose hepática e enfisema pulmonar, respectivamente.

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