Lira quer regulamentar Reforma Tributária até fim de 2024, mas eleição municipal pode ser entrave

Projeto teve aprovação histórica na Câmara dos Deputados e agora vai ao Senado

Folhapress Folhapress -
Arthur Lira é o principal cacique do PP. (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

IDIANA TOMAZELLI, THIAGO RESENDE E JULIA CHAIB, DF – Após obter uma aprovação histórica da Reforma Tributária, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tenta manter influência sobre os próximos passos da proposta no Senado e almeja garantir tempo hábil para que os congressistas concluam a regulamentação do novo sistema até o fim de 2024 —ainda sob sua gestão à frente da Casa.

A regulamentação só pode ser feita após a promulgação da PEC (proposta de emenda à Constituição) e engloba assuntos espinhosos, como a forma de cálculo das alíquotas dos novos tributos e o detalhamento de regras aplicáveis a setores e atividades que ganharam tratamento específico, como serviços financeiros, ou favorecido (com menor tributação), como saúde, educação, transporte, entre outros.

A sensibilidade do tema é justamente o que inspira em uma ala no Congresso Nacional certo ceticismo quanto à capacidade de Lira em atingir seu objetivo. Em 2024, os parlamentares já estarão focados nas eleições municipais, e tratar de tópicos tão polêmicos pode provocar desgastes.

Há dúvida se os legisladores estarão dispostos a votar matérias que podem causar estrago em suas bases eleitorais.

A previsão para o segundo semestre desse ano é que o Senado faça ajustes no texto da PEC, que precisará voltar à Câmara por causa disso. Lira, segundo pessoas a par do tema, busca controlar as mudanças na proposta durante as discussões na Casa vizinha e quer manter a narrativa de ser o padrinho da Reforma Tributária.

Diante da atuação de Lira, senadores envolvidos no debate da proposta pretendem “jogar junto” com o presidente da Câmara. A ideia é encerrar a tramitação da PEC no Congresso ainda neste ano.

Mas, antes mesmo de a PEC ser votada no Senado, a discussão do valor futuro das alíquotas já mobiliza diferentes grupos de interesse, que tentam fugir de uma cobrança mais elevada. Perto das eleições, o embate pode ficar ainda mais duro.

Desde já, cálculos que simulam o patamar da tributação sob o novo sistema geram incômodo político. Como mostrou a Folha de S.Paulo, uma nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) estimou que a alíquota efetiva do novo tributo brasileiro para taxar o consumo de bens e serviços ficaria em 28,04% —a maior do mundo para um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

O Ministério da Fazenda divulgou uma nota para dizer que o estudo desconsiderava alguns fatores, como o efeito da redução da sonegação. Na quarta-feira (19), a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) levou a presidente do Ipea, Luciana Servo, a uma reunião com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para esclarecer a projeção do órgão.

Na condução da votação da Reforma Tributária na Câmara, Lira se colocou como uma espécie de fiador da proposta, empenhado seu capital político para obter apoio expressivo e assegurar a aprovação de uma matéria que há anos patina no Legislativo.

O presidente da Câmara chamou reuniões com governadores para resolver impasses envolvendo o FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional), que bancará incentivos futuros a empresas em substituição ao mecanismo atual de benefícios fiscais, e o Conselho Federativo, órgão que vai centralizar a arrecadação e a distribuição dos recursos do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) a estados e municípios.

Lira também negociou o avanço das propostas econômicas diretamente com Haddad. Em nome de cumprir sua promessa de votar a PEC ainda na primeira semana de julho, ele inverteu a pauta da Câmara, deixando para depois os projetos prioritários do governo —incluindo a conclusão da apreciação do novo arcabouço fiscal.

Por isso, aprovar a regulamentação da Reforma Tributária ainda em 2024 seria, para Lira, o desfecho ideal para seu mandato, com a conquista de uma espécie de selo de qualidade por ter comandado a Casa na aprovação da maior mudança no sistema tributário em quase 60 anos.

O tema, porém, não é nada trivial. Além dos complicadores políticos, o governo tem pela frente uma série de pontos a serem negociados e discutidos —na própria PEC, que ainda tramita no Senado, e na regulamentação que virá depois.

A especialista Melina Rocha, consultora internacional de IVA, vê quatro assuntos principais com necessidade de serem endereçados via projetos de lei complementar (que precisam do apoio de 257 deputados e 41 senadores para serem aprovados).

Segundo ela, eles podem ser enviados separadamente ou em conjunto para facilitar a tramitação. “Alguns desses projetos podem ser agrupados, nada impede. Não precisa ter leis separadas”, afirma.

Interlocutores do governo também veem quatro principais temas, mas dizem que a decisão de reuni-los ou não em um menor número de projetos é uma decisão política “que ainda não foi tomada”.

O primeiro tema da regulamentação, segundo Melina Rocha, é a criação efetiva do IBS, de estados e municípios, e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal. Os dois tributos vão substituir os atuais PIS/Cofins e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), todos federais, além do estadual ICMS e do municipal ISS.

Segundo ela, essa primeira regulamentação precisará estabelecer as regras gerais dos dois tributos, com critérios como fato gerador, base de cálculo e situações em que a tributação não é feita (como exportações). Também será preciso detalhar as normas aplicáveis aos bens e serviços que receberam tratamento específico na PEC, como combustíveis e serviços financeiros, entre outros.

Outra etapa da regulamentação precisará pormenorizar o funcionamento do Conselho Federativo, cujas regras de votação já estão na PEC, mas podem sofrer mudanças. “Deve ter um maior detalhamento com relação ao funcionamento da assembleia geral do Conselho. Provavelmente vai ter diretoria-executiva responsável por administrar essa entidade. Como vai se dar escolha dessa função mais de gestão?”, questiona Rocha.

A especialista elenca também a necessidade de prever nessa legislação como se dará o processo administrativo fiscal dos novos tributos e qual será o papel do Conselho na coordenação da atuação dos órgãos de arrecadação na fiscalização.

Um terceiro eixo da regulamentação deve tratar dos critérios de distribuição do FDR —mesmo que o Senado decida incluir na própria PEC a descrição do rateio das verbas entre estados. Segundo Rocha, a lei deve prever questões mais específicas, como momentos de repasse e critérios de aferição dos objetivos do fundo de desenvolvimento.

O quarto item seria a previsão das regras de devolução dos créditos tributários acumulados no ICMS. “Já tem a diretriz na PEC, para que o abatimento seja feito em 240 meses, mas obviamente o detalhamento será feito por lei”, afirma Rocha.

Ela ainda vê outras duas leis ordinárias, cuja aprovação requer um quórum menor (maioria simples, desde que presentes na sessão 257 deputados ou 41 senadores): restituição de créditos acumulados por empresas no PIS/Cofins e o sistema de cashback da CBS —mecanismo de devolução às famílias de baixa renda parte do valor pago em tributos sobre consumo.

Segundo interlocutores do governo, há ainda um projeto de lei que deve tratar do Imposto Seletivo, que incidirá sobre atividades consideradas prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

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