Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas, aponta retrato inédito do Censo 2022

Divulgação tem caráter histórico porque é a primeira vez que uma edição do Censo identifica os quilombolas e as suas características no Brasil, incluindo quantos são e onde vivem

Folhapress Folhapress -
São Jorge (GO) – O Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que começou no último fim de semana termina no domingo (28), tem uma agenda política reivindicada pelos povos tradicionais. Está previsto na programação, o 2º Encontro de Lideranças Quilombolas de Goiás (GO) (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

LEONARDO VIECELI E TAYGURA RIBEIRO
RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas. É o que aponta um retrato inédito do Censo 2022 divulgado nesta quinta-feira (27) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O contingente equivale a 0,65% do total de habitantes no país (203,1 milhões). A divulgação tem caráter histórico porque é a primeira vez que uma edição do Censo identifica os quilombolas e as suas características no Brasil, incluindo quantos são e onde vivem.

O levantamento mostrou que 68,2% dessa população vive Nordeste, o que equivale a 905,4 mil pessoas.

O IBGE levou em conta na pesquisa o autorreconhecimento e contou com a ajuda da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) no processo de elaboração da pesquisa.

Os quilombos surgiram na época da colonização brasileira como resposta à violência praticada pelos portugueses e por seus descendentes contra os negros que foram trazidos à força para o Brasil, vindos da África. Os primeiros registros desse tipo de formação datam da década de 1570.

Cerca de 5 milhões de pessoas entraram no país e foram escravizadas, ao longo de mais de 300 anos do regime, que só terminou em 1888.

Os cativos fugiam e formavam comunidades em busca de liberdade, entre outros motivos. Os quilombos atuais são formados, em grande medida, pelos descendentes desses cativos e ex-escravizados.

“Este momento é o marco zero, o ponto de partida enquanto estatística oficial”, disse Marta Antunes, coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE.

O primeiro recenseamento do Brasil ocorreu 150 anos antes, em 1872. Porém, até o Censo 2022, os quilombolas eram contabilizados somente no resultado geral da população.

Para mapear o grupo, o IBGE incluiu a seguinte pergunta nos questionários da pesquisa: “Você se considera quilombola?”.
Em caso positivo, o entrevistado poderia responder, na sequência, qual era a sua comunidade. Na prática, a autodeclaração serviu como critério para a produção das estatísticas.

A data de referência do Censo é 31 de julho de 2022 –ou seja, a contagem abrange a população até esse dia.
Segundo o levantamento, o número exato de quilombolas no Brasil foi de 1.327.802, semelhante a população total de capitais como Porto Alegre e Belém.

No Brasil, os quilombolas viraram símbolo da resistência negra contra a escravidão. A falta de um retrato mais detalhado sobre essa camada da população, contudo, era motivo de preocupação entre lideranças e especialistas.

Sem esses dados, não existiam parâmetros confiáveis para a aplicação de políticas públicas em áreas como saúde e educação. Além disso, a falta de informações dificultava as reivindicações das comunidades.

De acordo com o IBGE, a ausência de uma série histórica com a mesma metodologia do Censo impede a comparação dos dados com estatísticas de períodos anteriores a 2022.

Em 2021, por exemplo, o próprio instituto divulgou um trabalho experimental que estimou em 1,13 milhão o número de pessoas residentes em localidades quilombolas no Brasil.

O IBGE fez a projeção à época para auxiliar no plano de vacinação contra a Covid-19. O órgão, contudo, já havia ponderado na ocasião que só o Censo seria capaz de produzir um retrato aprofundado e específico sobre os quilombolas.

“Se comparar com os registros administrativos, você vê que é um quantitativo superior [no Censo], mas não temos como dizer que aumentou a população, porque a gente sabe das limitações dos registros administrativos”, ponderou Antunes. O Censo é uma pesquisa domiciliar, que se propõe a visitar todos os lares brasileiros.

BAHIA E MARANHÃO TÊM MAIS DA METADE DOS QUILOMBOLAS

Segundo o recenseamento, a Bahia é a unidade da federação com o maior número de quilombolas: quase 397,1 mil. O contingente equivale a 29,9% do grupo no país. O segundo lugar no ranking é o Maranhão, com quase 269,1 mil (ou 20,3% do total). Juntos, os dois estados respondem por metade da população quilombola no Brasil.
Minas Gerais (135,3 mil), Pará (135 mil) e Pernambuco (78,8 mil) vêm na sequência da lista dos estados. Roraima e Acre, por outro lado, foram as únicas unidades da federação onde o IBGE não encontrou quilombolas.

QUILOMBOLAS ESTÃO EM 1.696 MUNICÍPIOS

O Censo também traz um detalhamento por municípios. Dos 5.570 existentes do Brasil, 1.696 (cerca de 30%) têm moradores quilombolas.

De novo, o Nordeste chama atenção. Senhor do Bonfim (a 384 km de Salvador), na Bahia, é o município com o maior número de quilombolas no país: quase 16 mil. O contingente exato foi de 15.999.

Salvador, a capital baiana, aparece na sequência. O número de quilombolas no município, reconhecido pela identidade negra, foi de quase 15,9 mil.

Alcântara (a 90 km de São Luís), no Maranhão, é a terceira cidade do ranking. O número local de quilombolas chegou a 15,6 mil.

Essas 15,6 mil pessoas correspondem a 84,6% da população total que reside no município, de 18,5 mil. Trata-se da maior proporção de quilombolas nos municípios brasileiros.

O quilombola maranhense Inaldo Faustino Silva Diniz, 63, morador de Alcântara, relembra que participar do Censo é uma luta antiga do movimento quilombola.

“Essa é uma demanda porque existe dificuldade de estabelecer políticas específicas. E a gente vem reivindicando [participar do Censo] há décadas. Temos demandas específicas, por conta disso, buscamos conseguir junto aos órgãos de governo uma reparação”, diz.

Givânia Silva, doutora em sociologia pela UnB (Universidade de Brasília) e uma das diretoras da Conaq, diz que a expectativa pelos dados era grande.

“A gente trabalhou muito para que o Censo acontecesse, emprestou muito nossas vozes para tentar melhorar as perguntas. A gente sabe que ainda não está a altura do que a gente gostaria, mas estamos numa expectativa muito grande de finalmente o Estado brasileiro se posicionar [a partir do levantamento]”.

O Censo 2022 identificou 494 territórios quilombolas com alguma delimitação formal no país. Esses locais abrigavam 167,2 mil quilombolas.

Ou seja, apenas 12,6% dessa população no país residia em territórios oficialmente delimitados. O restante (quase 1,2 milhão ou 87,4%) estava fora das áreas formalmente reconhecidas.

Em termos absolutos, o maior destaque é o território de Alcântara, no Maranhão, com a maior população quilombola residente no país (9.344). Os territórios de Alto Itacuruçá, Baixo Itacuruçá e Bom Remédio (5.638), no Pará, e Lagoas (5.042), no Piauí, vêm em seguida.

Dividido em várias etapas, o processo de regularização fundiária quilombola é bastante complexo e se inicia com a autoidentificação de uma comunidade. Depois, é submetido às fases de certificação, delimitação, demarcação e, em alguns casos, de desapropriação de terrenos.

Quem emite a certificação das comunidades é a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. Já as demais etapas são de responsabilidade do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ou dos institutos de terras estaduais e municipais.

O retrato sobre os quilombolas faz parte da série de divulgações do Censo 2022. A próxima publicação, prevista para agosto, trará informações sobre os indígenas.

CENSO 2022 É MARCADO POR ATRASOS

O Censo costuma ser realizado de dez em dez anos. A edição referente a 2022 enfrentou uma sequência de atrasos.

Inicialmente, a contagem estava agendada para 2020, mas foi adiada para 2021 em razão das restrições da pandemia de coronavírus.

Em 2021, houve novo adiamento, dessa vez motivado pelo corte de orçamento para a pesquisa no governo Jair Bolsonaro (PL). Assim, o início da coleta das informações ficou para agosto de 2022.

O trabalho de campo só terminou no primeiro semestre de 2023. A previsão inicial do IBGE era encerrá-la em três meses, até outubro do ano passado.

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