Secretarias de Tarcísio disputam espaço, e troca de acusações chega à polícia
Motivações incluem compartilhamento de salas de reunião e de vagas de estacionamento até boletim de ocorrência de funcionário
CAROLINA LINHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A falta de estrutura na Secretaria de Políticas para a Mulher, reduto bolsonarista no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, atinge até o espaço físico da pasta, que funciona em um andar do prédio que abriga a Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência, no Memorial da América Latina.
A convivência entre as duas secretarias não ocorre sem conflitos.
As motivações incluem o compartilhamento de salas de reunião e de vagas de estacionamento e um boletim de ocorrência registrado por uma funcionária terceirizada ligada à Secretaria da Mulher que acusa uma integrante da secretaria vizinha de assédio moral.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, bolsonaristas culpam Tarcísio pelo esvaziamento da Secretaria de Políticas para a Mulher, comandada pela conservadora e evangélica Sonaira Fernandes (Republicanos).
Funcionários da pasta afirmam que faltam cargos, orçamento, espaço e até boa vontade da gestão estadual para a realização de projetos. A leitura é a de que os bolsonaristas são relegados no governo.
Aliados de Tarcísio negam haver relação entre as demandas da secretaria e questões políticas, algo que veem como ilação.
Os embates entre aliados de Jair Bolsonaro (PL) e o Palácio dos Bandeirantes ficaram evidentes na aprovação da Reforma Tributária, com o ex-presidente e o governador em lados opostos. Nesta semana, Bolsonaro foi recebido como hóspede na sede do governo paulista, como forma de mostrar que os aliados retomaram a boa relação.
Prometida por Tarcísio em sua campanha eleitoral, a Secretaria de Políticas para a Mulher foi criada com o CNPJ da antiga Secretaria de Logística e Transportes do governo PSDB. A pasta tampouco tem prédio próprio e divide espaço com a Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência (PcD), que nega que exista uma relação de atritos.
Coube à Secretaria da Mulher indicar uma pessoa para ser contratada pela empresa terceirizada que presta serviços de portaria e segurança no prédio. Sonaira, então, sugeriu a contratação de uma pessoa que conheceu por meio da igreja e que passou a atender a recepção do andar da pasta.
É a Secretaria da Pessoa com Deficiência, porém, que fiscaliza o trabalho da empresa terceirizada e de seus funcionários. Segundo registrou em junho no boletim de ocorrência a que a reportagem teve acesso, a funcionária passou a sofrer assédio de uma das servidoras da pasta vizinha.
“Tenho sido vítima de maus-tratos e assédio moral, de maneira reiterada e sistemática, no meu ambiente de trabalho”, diz o relato no documento. Ela afirma ser constrangida e vigiada e relata preocupação por ter que trabalhar na recepção até tarde da noite, quando o prédio fica vazio.
O caso chamou a atenção de aliados de Sonaira, que afirmam ser inadmissível que uma mulher seja vítima dentro das dependências da secretaria destinada a protegê-las. Assessores da pasta dizem que a situação se insere no contexto de falta de estrutura da secretaria.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, parte dos funcionários da Secretaria da Mulher, inclusive a própria Sonaira, são formalmente lotados na Secretaria da Pessoa com Deficiência, segundo o portal de transparência do governo.
Auxiliares da secretária dizem que as nomeações acabaram sendo feitas em outra secretaria enquanto a burocracia com o CNPJ da pasta da Mulher impedia contratações. O órgão comandado por Sonaira tem 24 integrantes no total, enquanto a secretaria vizinha soma 58.
A vigilância por parte de funcionários da Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência não se restringe aos terceirizados, segundo relatos colhidos pela reportagem de forma reservada.
Membros da pasta da Mulher chegaram a levar um puxão de orelha do órgão vizinho por email por supostamente terem excedido a capacidade de uma sala usada para reuniões de ambas as secretarias.
Durante uma reunião de um grupo de trabalho da Secretaria da Mulher em junho, um bombeiro que trabalha no prédio contou mais de 22 pessoas na sala, o que foi reportado à Secretaria da Pessoa com Deficiência.
Um assessor da pasta da Mulher questionou então, também por email, qual o critério para definir o número máximo de pessoas naquele local, visto que a sala tinha 26 cadeiras. Aliados de Sonaira afirmam que a reunião tinha cerca de 25 participantes.
Até o uso do estacionamento já gerou desgaste entre os funcionários. Em 15 de junho, um integrante da pasta da Mulher registrou em fotos o fato de ter sido impedido de entrar com seu carro no local, que estava abarrotado de veículos por causa de um evento da secretaria PcD.
Em um texto endereçado ao secretário Marcos da Costa, que chefia a pasta PcD, um assessor de Sonaira diz que “os funcionários da Secretaria de Políticas para a Mulher não tiveram vagas reservadas, sequer foram informados acerca do evento e foram constrangidos pelos seguranças de que não poderiam parar o carro em nenhum lugar, enquanto inúmeros carros estavam parados de forma irregular e fora das vagas, inclusive na área de autoridades”.
O documento afirma que, embora a Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência seja titular do imóvel, os trabalhos da pasta da Mulher não podem ser prejudicados pelo “impedimento do acesso de seus servidores”. O texto pede ainda “uma comunicação eficiente entre os órgãos de modo a evitar desconforto”.
A Secretaria da Mulher é uma das poucas concessões de Tarcísio, eleito com a bênção de Bolsonaro, aos aliados do ex-presidente, que cobram mais espaço e prestígio na administração. Vereadora licenciada, Sonaira costuma publicar em suas redes sociais conteúdos evangélicos, antiaborto e críticos ao presidente Lula (PT), contrariando a orientação de manter sua comunicação institucional.
Questionada pela reportagem, a Secretaria da Pessoa com Deficiência, por meio de sua assessoria, disse que não há conflitos entre as pastas e que houve “total colaboração” para a instalação da nova secretaria no prédio.
Sobre o caso registrado em boletim de ocorrência, a secretaria disse que foi aberta uma apuração e constatou que a funcionária “foi afastada por decisão da empresa terceirizada por divergências com a gestora”.
Em relação à reunião, afirmou que houve apenas a “sinalização de um bombeiro com relação à capacidade máxima do local”.
Sobre o uso do estacionamento, a assessoria afirma que havia um evento externo acontecendo no memorial e que “os carros das duas secretarias estavam sendo orientados a se dirigir ao portão ao lado, que contava com vagas disponíveis”.