O horizonte sombrio para a UEG em 2021

Professor Severo Professor Severo -

No contexto da ciência não há verdade absoluta. Tudo pode ser questionado a partir da análise de novas evidências. Por isso, sob esse prisma que a verdade é insofismável, a ciência administrativa busca compreender a realidade das organizações, sejam elas públicas ou privadas, mediante aplicação de conceitos e fundamentos gerenciais como forma de entender o universo organizacional em que se está inserido e encontrar soluções adequadas para resolução de problemas que afetam a eficiência e eficácia de seu desempenho gerencial. 

Por outro lado, cabe salientar que não há soluções mágicas para corrigir uma gestão ineficiente. Processo de intervenção para sanear disfunções administrativas e processuais nas organizações devem ser precedidos de estudos técnicos que possam diagnosticar e sistematizar seus aspectos estruturais, tecnológicos e culturais. 

Neste contexto, a lógica das reformas administrativas nas organizações públicas se diferem da lógica aplicada à iniciativa privada, face aos objetivos intrínsecos e abrangentes dessas organizações: o ente público se volta à aplicação de políticas públicas para o desenvolvimento e o bem estar da sociedade. A iniciativa privada almeja produzir valor societário para seus acionistas. 

Porém, cabe ressaltar que os princípios administrativos aplicados à gestão pública ou privada são universais. Neste contexto, as reformas administrativas em nível de Estado são construídas sob a perspectiva política e administrativa de ajustar a máquina pública às intenções de Governo, segundo suas premissas de campanha. 

Portanto, sempre vem acompanhado de um viés político ideológico em defesa da legalidade, impessoalidade e legitimidade. 

Porém, subjacente a esta perspectiva está a defesa e o empoderamento do agente público, visando o domínio da máquina estatal. 

A reforma administrativa da UEG, em face à crise fiscal do Estado, promove a ascensão e o empoderamento de gestores, concebido na proposta de estrutura orgânica da Universidade aprovada pela Lei nº 20.748, de 17 de janeiro de 2020.

Este empoderamento dos novos gestores, na Universidade Estadual de Goiás, é circunscrito ao processo de intervenção administrativa e de interinidade da Reitoria que já dura 24 meses, sem perspectiva de mudança no horizonte. 

Na concepção dos artífices da reforma administrativa da UEG, a Reitoria Interina Interventora e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, a reforma produziu uma imunização da Universidade em relação ao custeio administrativo e trouxe um antídoto à sua expansão geográfica. 

Entretanto, o que se pode avaliar de fato é que o desconhecimento desses atores sobre a realidade sócio, técnico e administrativa da Universidade trouxe uma série de disfunções quanto à estrutura e funcionamento dos Campus. 

Portanto, neste intervalo de tempo, o que se observou foi a tentativa de se implementar uma reestruturação administrativa eivada por visão distorcida da realidade organizacional multicampi da UEG. Sendo assim, esta reforma de dezembro de 2019 trouxe mais disfunções organizacionais e menos eficiência relacionada ao contexto gestão acadêmica e gerencial da Universidade. 

Cabe, todavia, esclarecer que as críticas que se faz à reforma administrativa da UEG é fruto de uma análise técnica das ações e práticas promovidas pela Reitoria Interventora e Interina nos últimos 24 meses, objeto de  investigação do projeto de pesquisa nº 4779, homologado pela PRP, A reforma administrativa do Governo do Estado de Goiás e seus reflexos na gestão da UEG : um estudo diagnóstico sobre o novo modelo de governança e gestão da Universidade, do qual sou o coordenador do estudo . 

Portanto, é uma análise baseada em evidências científicas sobre a realidade organizacional e administrativa da UEG, considerando a premissa do Estado em fazer uma redução de custeio da sua máquina administrativa, em decorrência da crise fiscal do Estado que gerou um forte impacto na Orçamentária Geral do Estado. 

Desta forma, pontua-se, a partir desse estudo, os resultados pífios em relação às decisões adotadas para promover a propalada eficiência do sistema de gestão acadêmica e administrativa da Universidade. 

Neste sentido, assinalo um decálogo de evidências,  a saber:1) grau de centralização das funções gerenciais, na administração central(Reitoria) em detrimento aos Campus Regionais e as Unidades Universitárias, antigos campus com autonomia de gestão administrativa e pedagógica, contribuiu com o aumento da burocracia interna da UEG, ao criar novos níveis de subordinação intermediários de tomada de decisões quanto a operacionalização dos cursos;2) a proposta de centralização da seleção de professores substitutos nos Institutos foi um fracasso. 

Houve muita desistência por parte dos classificados em assumir disciplinas em localidades distantes de seu domicílio de residência e trabalho. 

Portanto, foi preciso realizar novos processos seletivos de forma descentralizada para solucionar parcialmente a falta de professores em vários cursos; 3) o fracasso do vestibular de 2020/1 unificado com a redução de 2661 novas vagas , ou melhor, oportunidades para estudantes egressos do ensino médio ascenderem seus estudos em uma Universidade Pública e gratuita.

Por outro lado, com a mudança de metodologia de classificação do vestibular vários campus foram alijados do processo com cursos que tinham um bom índice de candidato por vaga nos vestibulares passados; 4) o poder decisório centralizado e personalíssimo  marcado pelo uso de instrumentos excepcionais via Resoluções ad referendum, à revelia do Conselho Universitário, conduzido por meio de decisões típicas de gestores de carreiras burocráticas, ou seja, sob a ótica da formalidade, impessoalidade e legalidade veio moldar o perfil de uma gestão autocrática; 5) a composição de 1/3 dos membros do Conselho Universitário como Conselheiros Biônicos: os atuais representantes da Administração Central (Reitoria). 

Não foram eleitos, mas nomeados no processo de intervenção administrativa editado pelo pacote de dezembro de 2019; 6) a criação dos Campus Regionais e os Institutos Acadêmicos por área de conhecimento, cujos resultados não estão sendo bem avaliados e trouxe mais conflitos de gestão do que soluções, conforme atesta 72% dos respondentes sobre pesquisa referente a reestruturação administrativa; 7) o fim da gratificação de função para os 160 docentes que exercem a função de coordenadores adjuntos de cursos nas Unidades Universitárias e a concentração dessa função comissionada na Administração Central ( Reitoria), bem como as improvisações normativas oriundas, principalmente, dos Institutos recém implementados e, também, pela inércia da administração central(reitoria interina) em dar soluções adequadas aos diversos problemas de gestão advindos da nova estrutura orgânica ; 8) a incompetência administrativa da Reitoria interina, “administração central”, que não conseguiu realizar a gestão de um recurso orçamentário disponível e oriundos das emendas parlamentares na ordem de R$ 1,572 milhões, o equivalente a 49,65%; 9) a inserção pelo decreto 9767 , de 17.12.2020, do § 3,no  artigo 30 do Estatuto da UEG, que posterga “sine die” a eleição direta de Reitor ,sob o argumento instado pela Secretaria de Desenvolvimento e Inovação, a pedido da Reitoria Interina, processo nº 202014304002095, na qual alega  “não haver condições reais de concluir toda a reforma pedagógica/reestruturação antes das eleições gerais previstas para serem realizadas no corrente ano”, uma referência a novembro 2020. Puro sofisma! Reforma pedagógica é uma ação de gestão contínua de longo e médio prazo, não pode e não deve ser arrancada a “fórceps” em prazo determinado, pois precisa ser construída de forma dialogada com os diversos atores acadêmicos envolvidos no processo de ensino; 10) por fim, a impossibilidade de 19 Unidades Universitárias de ofertar vagas no vestibular 2021/1, devido ao Inciso I, do artigo 108 do Estatuto da UEG, “jabuti”  inserido pela  reforma administrativa que condiciona a abertura de vagas para os cursos de graduação existentes, desde que haja a comprovação mínima de 75% de docentes e técnicos administrativos efetivos.

O universo dessas Unidades Universitárias, todas fora do eixo Anápolis e Goiânia, representa a supressão em torno de mais de 2000 vagas para o vestibular 2021/1. Neste contexto, temos aqui o ápice da ineficiência e ineficácia desta medida: a) por um lado eleva o custeio médio aluno/professor em R$ 1,96 milhão/ano; b) por outro lado, cria o “apartheid regional “da educação superior pública em Goiás. 

Portanto, esses são os fatores que espelham o fracasso da reforma administrativa da UEG e, também, apontam evidências do empoderamento da técnico burocracia alçada pela Reitoria Interina (administração central) na busca de se perpetuar como gestores biônicos da UEG. 

Finalizo este artigo profetizando: o obscurantismo gerencial mediado por uma gestão de uma Reitoria biônica interventora é o marco de um horizonte sombrio para UEG em 2021.

Francisco Alberto Severo de Almeida é professor da UEG, doutor em Administração pela FEA/USP e pós-doutor em Gestão da Informação pela Universidade do Porto- Portugal. Membro eleito do Conselho Universitário da UEG

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