Há uma semana de completar 18 anos, adolescente negra é adotada em Goiás
Durantes anos ela viu várias crianças serem adotadas e só ela ia ficando sem família e um lar
Mariana tem 17 anos e, nesta quinta-feira (12), completa a maioridade. Como presente de aniversário, ela ganhou o que não imaginava mais ser possível: uma família amorosa e a perspectiva de futuro. A menina, que desde pequena morava em um abrigo à espera de adoção, encontrou, enfim, na cabeleireira Lucília Rocha e no pintor Laurentino Rocha o que não imaginava mais ser possível. O casal, que junto às suas três filhas acolheu a adolescente, oficializou a adoção durante audiência no último dia 03, no fórum da Cidade Ocidental, realizada pelo juiz André Nacagami, titular da 1ª Vara, que abrange Infância e Juventude.
Foram, ao todo, 11 anos vividos no Orfanato Rebecca Jenkins, a 192 quilômetros de Goiânia e 46 quilômetros de Brasília – antes foram quatro anos em outro abrigo em Luziânia. Mariana chegou por negligência dos pais, que não detinham de condições econômicas de cuidar dela e dos outros três irmãos. O que era para ser uma situação provisória se tornou permanente e a criança perdeu o vínculo afetivo com a família biológica. Nos anos que se passaram, não recebeu visitas de parentes e as tentativas judiciais de resgatar laços foram frustradas. Viu várias crianças chegarem e saírem adotadas ou realocadas junto a familiares. Só Mariana permaneceu.
A menina não teve mais notícia dos irmãos, que acredita serem, hoje, nove ou dez. O único familiar que manteve contato é Maiara, sua irmã de 20 anos, que também morou numa unidade anexa do Rebecca Jenkins. É exatamente nesse ponto que a história começa e se entrelaçar com a da família adotante: diferentemente de Mariana, a mais velha, ao completar a maioridade se viu obrigada a deixar o abrigo e, de mochila nas costas tentou ganhar o mundo sozinha, mas acabou morando nas ruas por dois anos. O relato comoveu Lucília e Laurentino, que resolveram mudar a trajetória pré-escrita da garota.
18 anos
No Brasil, há 4.888 crianças registradas no Cadastro Nacional de Adoção. À medida que a idade aumenta, sobe exponencialmente o número de menores registrados. Meninos e meninas de até 10 anos de idade representam, apenas, 22,79% do total. A maioria encontra-se na faixa entre 13 e 17 anos, com 61,98%. Assim como Mariana, há outros 610 adolescentes que vão completar os 18 anos em 2018 e deverão deixar as casas de acolhimento e os abrigos. Segundo o magistrado André Nacagami, diretor do foro de Cidade Ocidental, “em tese, com a maioridade esse público sai da proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que tange à parte civil”.
Preocupado, o juiz articulava com prefeitura e organizações sociais formas para amparar Mariana, com o oferecimento de alguma vaga de trabalho, por exemplo. Contudo, felizmente, ela conheceu a família a tempo de mudar sua situação e, principalmente, lhe acolher com amor e carinho. Lucélia, que trabalha como cabeleireira e é formada em teologia, fazia serviços sociais cortando cabelos das crianças do orfanato e conhecia o ex-diretor do local, pastor Izac Costa, que havia lhe alertado sobre a situação preocupante das duas irmãs.
Nova família
Lucélia e Laurentino moram numa chácara de quatro hectares, no Núcleo Rural Jardim, Distrito Federal. No local, eles se dedicam à agricultura familiar, produzindo quiabo, banana e criando galinhas. O casal tem tradição, também, de cuidadores. “Somos casados há 22 anos e nesse tempo já recebemos em nossa casa 16 adolescentes em situação vulnerável. Filhos de pais alcoólatras ou em situação financeira difícil. Acolhemos, provemos estudos e encaminhamos para faculdades. Nossa casa sempre foi cheia. Por isso mesmo, o pastor Izac acreditou que nós tivéssemos o perfil para ajudar Mariana e Maiara”, conta a mulher.
Em novembro do ano passado, Lucélia foi procurar Maiara nas ruas de Cidade Ocidental. Ao encontrar e acolher a jovem, a cabeleireira foi em busca de contato com Mariana. “Nosso primeiro encontro não foi muito animador. Mariana atravessou um pirulito na boca, para não falar nada, apenas murmurar”, conta a mulher entre risos.
Primeiro, a família solicitou ao juízo um pedido de fim de semana com Mariana. Aos poucos, o gelo que envolvia a adolescente se rompeu. A jovem foi se mostrando carinhosa e alegre. O fim do ano estava perto e a família pediu, judicialmente, para que garota passasse o recesso escolar com ela. Em seguida, veio a guarda provisória e já se completam seis meses de união. “Parece que nos conhecemos desde sempre. Mariana se integrou à nossa família. Ela nos escolheu. Ela nos deu a chance de amá-la”, fala Lucélia.
Mariana prefere mostrar fotos no celular da nova fase da vida. Apresenta as três novas irmãs – Stefany, Júlia e Vitória – filhas biológicas de Lucélia e Laurentino, o bode de estimação Dominique, os gatos e os cachorros da casa, fala dos primos e tios que ganhou e é enfática quanto ao futuro: “quero seguir carreira na aviação civil”, a exemplo da mais velha Stefany, que fez curso de comissária. Quando questionada sobre o que pensa das mudanças positivas, Mariana suspira e não esconde o sorriso. “Quase não acreditei, só depois que vi acontecendo”.
A incredulidade da garota frente as benesses foi o que mais comoveu o casal. “Enquanto passávamos as férias juntos, perguntei para Mariana, ‘qual seu sonho?’. Ela me respondeu: ‘nenhum. Nunca parei para pensar nisso, vivo só um dia de cada vez’. Essa resposta cortou meu coração, como pode alguém não sonhar?”, indaga Laurentino.