A foto que horroriza o mundo por nos mostrar o que a humanidade se tornou

Da Redação Da Redação -

A seríssima questão dos refugiados que colocam suas vidas em risco na travessia do mar mediterrâneo para chegar à Europa ganhou um pavoroso ícone esta semana, que foi a foto do pequeno corpo sem vida de um menino de uns dois ou três anos de bruços em uma praia europeia.

Eu poderia falar aqui muitas coisas sobre o que leva as pessoas a se lançarem ao léu para fugir do horror que as cercam ou falar da atitude cínica dos líderes europeus que parecem simplesmente desconhecer a declaração universal dos direitos humanos e a noção de dívida histórica, mas não vou.  Quero falar da foto deste menino que não sai da minha mente.

Diante dos milhares de compartilhamentos da terrível foto nas redes sociais, junto com textos de solidariedade e de estarrecimento, eu vi pedidos de que a mesma não fosse compartilhada. Gente dizendo que excluiria de seus contatos quem compartilhasse tal horror. Gente pedindo que não se expusesse a imagem de uma criança morta. Gente se sentindo culpada com a felicidade dos próprios filhos.  Gente buscando explicações espirituais para tal tragédia.

Daí eu concluí que em um mundo onde a felicidade é uma imposição sine qua non para adequação e aceitação social e profissional – ainda que seja a custa de  fluoxetina –  esta foto nos mostra da pior maneira possível que, apesar de todos os avanços tecnológicos e todo o verniz social que a civilização tem, ainda somos como raça humana basicamente violentos  e egoístas no grau máximo.

O horror paralisante causado pela foto se dá por ela nos tirar do mundo das selfies perenemente felizes e nos mostrar que fora das redes sociais, do acesso a internet, do mundo de wifi e 4G, smartphone e aplicativos existe uma parcela da humanidade excluída, perseguida e que, como esta população não é economicamente viável, nenhuma grande potência se levanta em seu socorro.

A barbárie escancarada como um tapa na nossa cara é tão dolorosa que preferimos virar o rosto e fechar os olhos,  como se ver e compartilhar tal foto fosse admitir pra si que eu também tenho uma ínfima parcela de responsabilidade por esta e por todas as outras crianças que morrem nas piores situações possíveis porque o modelo de mundo em que vivemos opera dentro da lógica “farinha pouca meu pirão primeiro”.

Enquanto o mundo existir e funcionar dentro de uma engrenagem que segrega e que pensa que os pobres da Somália ou os fugitivos da Síria são um problema deles e não de todas as nações, a barbárie continuará. Aliás, um dos entraves a esta situação é justamente pensarmos como nação e não como raça humana pois enquanto o mundo pensar da forma “nós e eles” não haverá espaços para asilados na Alemanha ou em qualquer outro lugar.

A dor causada por esta foto nos mostra que não existe “nós e eles” ou pior, “nós X eles” mas o que existe na verdade somos “nós”. Apenas.

A solidariedade seletiva tem que acabar para que o mundo em que vivemos se torne um lugar decente. Muitos dos que choram vendo a foto do pequeno menino sírio morto são os mesmos que se revoltam com a chegada de levas e levas de haitianos a solo brasileiro .

Quero que esta foto seja vista não para expor a dor de uma família ou a morte de um inocente mas para ver se através do soco no estômago que ela causa possamos acordar da nossa sedação e vejamos que aquela criança está em todas as crianças pobres que vivem em condições de abuso, violência, miséria e injustiça não apenas entre os fugitivos sírios mas aqui, no nosso país, na nossa cidade, talvez dentro das nossas próprias famílias.

Que esta foto me desperte e me faça encarar toda a minha covardia. Que esta foto nos desperte deste sono profundo em que nos escondemos dentro da internet onde só existe felicidade e perfeição para olharmos a vida real com toda a sua avassaladora dor e todas as suas injustiças e que esta catarse nos leve a uma pergunta fundamental e necessária: O que eu posso fazer para que fotos como  esta que me assombra não aconteçam mais? Eu hoje amanheci me perguntando: Já que me sinto impotente e não sei como ajudar aquela gente que se joga ao mar, quem eu posso ajudar? Quem eu posso ajudar?

Que esta pergunta reverbere dentro da sua mente assim como tem sido comigo e que se transforme em prática solidária pois em um mundo egoísta a solidariedade é mais revolucionária de todas as práticas.

Eva Cordeiro é economista e professora universitária. Escreve todas as sextas-feiras!

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