Parada LGBT, Marcha pra Jesus e o preconceito nosso de cada dia

Carlos Henrique Carlos Henrique -

Neste fim de semana, com feriado prolongado, aconteceram dois eventos que reuniram milhares de pessoas em São Paulo, e servem para nos mostrar como o Brasil está dividido e recheado de preconceito. Na quinta-feira, feriado de Corpus Christi, Acontece a Marcha para Jesus, que bate de frente com as celebrações católicas, que realizam procissões, neste dia, desde o século XIV, em várias partes do mundo, tendo bastante força no Brasil, onde quase 70% da população é católica. No domingo, acontece a Parada LGBT que reúne milhares de pessoas em busca de direitos básicos.

A Marcha pra Jesus, aconteceu na Av. Paulista, na manhã de quinta-feira, e reuniu 500 denominações protestantes diferentes. No ano passado a PM estimou em 340 mil participantes, e a organização em 3 milhões. Este ano a organização afirmou que reuniu o mesmo número de pessoas. A marcha contou com 10 trios elétricos.

No domingo, dia 29, aconteceu a 20ª parada gay, também na Av. Paulista, que este ano teve como tema a questão do nome social para transexuais e travestis. O evento contou com 17 trios elétricos, mais de 200 mil pessoas de acordo com a PM, no horário da contagem, e 3 milhões de pessoas, entre 10h da manhã e 18h, de acordo com os organizadores.

Antes de criticar um evento, é interessante saber suas origens. A Marcha pra Jesus surgiu em 1987 na Inglaterra, para celebrar a união entre católicos e protestantes, em nome de Jesus. No Brasil, a primeira aconteceu em 1993, com os Bispos da igreja Renascer à frente, justamente batendo de frente com um evento católico, não tendo o mesmo ecumenismo que as outras Marchas pelo mundo. A passagem usada como justificativa faz referência de marchas de guerra do povo Hebreu. A guerra seria contra os católicos que fazem procissão no mesmo dia, ou contra os gays, que fazem a Parada três dias depois?

Já, a parada LGBT, surgiu em Nova Iorque, em 1969, depois de uma batida policial em um famoso bar gay, da cidade. A truculência da polícia resultando no espancamento e prisão de diversos homossexuais, foi o estopim na busca por direitos, levando 2.000 pessoas às ruas no dia 28 de junho daquele ano, protestando contra a homofobia, e mostrando que eles não se envergonhavam de ser gays, por isso o nome: Parada do Orgulho Gay, que mais tarde virou parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais).

O Evento levou quase quarenta anos para chegar no Brasil, mas veio com o mesmo objetivo. Protestar contra a homofobia e mostrar que gays não precisam se envergonhar por serem gays, e por terem nascido assim. A Parada brasileira começou pequena e hoje reúne milhões de pessoas, sendo a maior do mundo. Tanto que um seriado do Netflix veio gravar cenas de sua próxima temporada, no evento.

O interessante é que a Parada sempre teve como objetivo mostrar que gays não deviam se envergonhar por serem quem são, e reforçar a luta por direitos e respeito. A causa em si, já seria nobre no Brasil, onde um homossexual é morto a cada 28 horas em crimes motivados por homofobia. O problema é que Muitos fundamentalistas acusam a comunidade gay de querer privilégios e forçar a sociedade a fazer coisas que não “são aceitas por Deus”. O mais grave é que muitos não percebem o quanto estimulam a violência contra gays, com seus discursos de ódios, e o quanto é ridículo negar direitos básicos a casais homossexuais.

Já recebi em meu consultório jovens confusos com sua sexualidade, e pais ignorantes, exigindo que eu os curasse da “boiolagem”. Já ouvi pai dizer que preferiria filho bandido a filho gay. Pense, apenas por um segundo, o quanto deve ser difícil crescer em uma condição que você não escolheu e não pode mudar, e que te leva a ser condenado e perseguido por todos os lados. O fundamentalismo já é sozinho o motivo de muitos casos de suicídios de adolescentes gays.

Sim, não é possível mudar um gay ou “curá-lo”! Muitos grupos protestantes americanos têm vindo à público justamente se desculpar por estragos causados em tantas famílias, alegando que podiam curar gays, e ao invés disso só levaram dor, sofrimento e em muitos casos, suicídios a jovens. Não existe, hoje, nenhuma pesquisa científica que prove que é possível mudar a sexualidade de alguém. Só pastores fundamentalistas gritam isso aos quatro ventos.

Tanto que, em muitas igrejas, a postura tem sido mais de acolhimento e respeito do que condenação. A Igreja Católica, por exemplo, reconhece em seu catecismo que gays não podem deixar de ser gays. E o Papa Francisco tem falado muito sobre não excluir “essas pessoas” de suas comunidades. Muitas igrejas protestantes têm seguido por esse caminho, pelo mundo. Exceto no Brasil, em que líderes religiosos perseguem gays com voracidade, mas não se comovem quando uma adolescente é estuprada por 30 homens diferentes.

Veja bem, gays não querem se casar na igreja, ou forçar padres e pastores a celebrarem casamentos gays. Eles querem o direito de serem considerados família, pelo Estado, que é laico, e que constitucionalmente, deve cuidar de todos, sem discriminação. É sempre importante lembrar que ao se liberar o casamento civil gay, por exemplo, essa medida não proibirá o casamento hetero, muito menos obrigará você a se casar com alguém do mesmo sexo que o seu. Se você não aceita casamento gay, não se case com um! Simples assim! Se é ou não pecado, deixe que o outro acerte as contas com Deus. Você não é promotor Divino na Terra, ou embaixador de Cristo, com uma cantora aí se denomina.

Desde o início, o evento sempre atingiu diretamente uma parcela específica da população de qualquer cidade em que é realizada: Os cristãos fundamentalistas. Estes acusam os gays de serem a escória da humanidade, servos do diabo, transmissores de doenças, e a até mesmo culpados por eventos climáticos e sísmicos. Sim, já ouvi um padre falando que um tsunami era culpa da podridão dos gays. Imagine você, que um beijo gay aqui no Brasil pode desencadear um terremoto na Ásia. Engraçado é que não se vê esse empenho em condenar outros “pecados”.

Este ano a polêmica continuou forte com relação à Parada. A atriz Viviany Beleboni, de 27 anos, que é transexual, desfilou fantasiada de Têmis, uma divindade grega que simboliza a Justiça, que geralmente aparece vendada, justamente para ilustrar sua imparcialidade. O grande destaque de sua fantasia é que ao invés da venda, ela usava uma mordaça e segurava nas mãos um livro escrito “Bíblia” e bancada evangélica.

De acordo com a atriz, o objetivo era mostrar como a bancada tem interferido em direitos básicos da população LGBT, e impondo suas crenças a todos, mesmo a quem não as segue. A justiça estaria amordaçada pelos fundamentalistas cristãos. O Estado deixou de ser laico, e passou a atender os interesses de apenas um grupo, que sequer representa a maioria da população brasileira.

O protesto da atriz faz todo sentido, se considerarmos que um deputado, da bancada evangélica, chegou a dar entrada em um projeto de lei criando o crime de Cristofobia, que seria, inclusive hediondo. Creio que realmente seja um projeto necessário ao Brasil, afinal todos os dias milhares de cristãos são mortos ou agredidos no país, apenas por seguirem a Cristo. Imagine o sofrimento de tantos cristãos que têm medo de sair na rua usando um crucifixo correndo o risco de serem agredidos pelos gays diabólicos.

Resta saber se esse projeto vai se aplicar aos “cristãos” que quebraram imagens de santos católicos e depois urinaram em cima delas, como aconteceu no Amazonas, ou ao pastor que chutou uma imagem em um programa de TV, por não concordar com a fé católica. Principalmente precisamos saber se essa lei vai defender os adeptos de religiões de origem espírita ou africana que são perseguidos todos os dias no Brasil, pelos cristãos defensores das famílias e dos bons costumes, que acham que tudo que não é da sua religião pertence ao diabo.

Enquanto a bancada evangélica no Congresso se preocupa em criar o crime de cristofobia, eles ignoram crimes de ódio que realmente acontecem no Brasil. A expectativa média de vida de um travesti não chega a 40 anos. Gays apanham nas escolas, ruas e até mesmo em casa, todos os dias, justamente por serem diferentes do que alguns querem. E apanham em nome de Deus, afinal Ele não aceita gays, e vai curá-los nem que seja pela dor.

O que aprendemos com essa situação toda é que muitos ainda não entenderam que ser contra o casamento civil gay não te dá o direito de impedir que o Estado permita tal união. Além do mais, basta não se casar com um gay, que está tudo certo. Ao contrário de separar direitos civis de crenças religiosas, temos muitos cristãos gritando que gays devem morrer ou arder no inferno, por terem a ousadia de quererem protestar, escancarando seus sofrimentos.

Na marcha pra Jesus, três dias antes, estava liberado gritar palavras de ordem contra gays e não cristãos. Agora, gritar contra a tirania e ignorância de alguns cristãos brasileiros, isso, meus amigos, é motivo para pena de morte, seja física ou mesmo moral.

Bruno Rodrigues Ferreira é jornalista, psicólogo, especialista em Tecnologia e Educação e Gestão em Saúde. Siga- o no Twitter: @ferreirabrod

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