Essa é a forma que caminhoneiros encontraram para pressionar governo por vacinação

Como eles vivem rodando pelo país, muitas vezes descobrem na estrada, longe de casa, que contraíram o coronavírus

Folhapress Folhapress -
(Foto: reprodução)

Apesar de terem sido incluídos na lista de prioridades do Plano Nacional de Imunização, os caminhoneiros ainda não têm previsão de quando começarão a ser vacinados contra a Covid e, por isso, pressionam o governo. O Ministério da Saúde estima em mais de 1,2 milhão o número de caminhoneiros em todo o Brasil.

Como eles vivem rodando pelo país, muitas vezes descobrem na estrada, longe de casa, que contraíram o coronavírus. Como não podem se hospedar em hotéis de rodovia, seja por estarem doentes, seja por não terem dinheiro, acabam tendo que cumprir a quarentena na cabine do caminhão.

Em julho do ano passado, Jeferson Belomi, 53, descarregava seu caminhão em Vila Rica (MT), a 1.796 quilômetros de Bela Vista do Paraíso (PR), onde mora. Ele disse que, terminado o serviço, foi dormir e acordou mal.

“Cheguei de arrasto ao hospital. Estava com 39ºC de febre, a pressão alta. A médica tirou radiografia do pulmão, estava todo manchado. Pediu exames de sangue, deu remédio para baixar febre e disse que ia me internar”, disse à reportagem.

O exame de Covid ainda demoraria a ser feito porque o material para coleta tinha que ser solicitado em Cuiabá (MT), a 1.117 km de lá.

Os primeiros resultados dos testes realizados no hospital indicaram uma infeção urinária, mas depois veio também a confirmação de que o caminhoneiro havia contraído o coronavírus.

Belomi disse ter ficado 15 dias internado, mas ainda estava fraco para enfrentar as mais de 24 horas de estrada para casa. Sem poder continuar no hospital até se restabelecer completamente, foi para a cidade vizinha de Confresa (MT), a pouco mais de uma hora de distância.

Foram três dias morando na cabine de seu caminhão, encostado em um posto de gasolina. Mesmo sabendo que estava curado, o caminhoneiro e seus colegas ficaram receosos. Conversavam usando máscara, de longe, embora os parceiros sempre fossem até a cabine levar quentinhas para ele. Belomi só deixava o veículo para tomar banho nas instalações do posto.

“Eu estava sem condições de ir embora. [Estava a] 1.800 km da minha cidade. Meu caminhão é velho. Se colocasse uma outra pessoa que não tivesse noção de tocar devagarzinho, ele quebrava, porque é fraco. Além disso, eu estava sem óleo, sem dinheiro, estava fraco. Nem andar direito eu conseguia.”

Com a ajuda de colegas, carregou o caminhão e, lentamente, voltou para casa, em mais três dias de viagem. Apesar de ter chegado a Bela Vista do Paraíso em uma manhã de domingo, só teve coragem de voltar para casa na tarde de segunda, depois que o resultado de um novo teste de Covid saiu, atestando que ele não era uma ameaça para a saúde de seus parentes. Mesmo assim, disse que procurava ficar de máscara e afastado.

O caminhoneiro conta que outros colegas não tiveram a mesma sorte com a Covid.
“Já presenciei muita gente com sintomas. Um morreu, outros a família teve que buscar. Perdi muito amigo meu.”
Ele conversou com a reportagem, por telefone, no início da tarde de quarta-feira (12), no intervalo de um carregamento de soja em Primeiro de Maio (PR), prestes a viajar para Londrina, a 63 km dali.

“Tem uns 50 caminhões aqui. Carregar caminhão é como estar num baile, numa festa. Sempre fico reservado. Tem dois caras com suspeita [de Covid], que iam fazer exame hoje. Às vezes a pessoa está inocente e está passando [a doença] para o outro.”

A CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos) enviou um ofício ao Ministério da Saúde em 5 de abril solicitando que, “com a maior brevidade possível, seja definido o cronograma de imunização contra a Covid-19 dos transportadores rodoviários autônomos de cargas, em consequência, todos os profissionais do setor de transporte de cargas”.

No fim de janeiro, com ameaças pontuais de greve dos caminhoneiros, o governo federal cedeu a uma série de itens da pauta de reivindicações dos profissionais de transporte.

Uma das promessas foi a inclusão da categoria na lista de grupos prioritários de vacinação contra a Covid-19, o que de fato aconteceu, embora, sem previsão de data para início da imunização.

Os caminhoneiros são um dos 29 grupos prioritários, que totalizam 77,3 milhões de pessoas. Estão na lista também grupos por faixa etária, pessoas com comorbidades, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, pessoas em situação de rua e em privação de liberdade, por exemplo.

“Já passou da hora. Toda a humanidade está envolvida nisso, mas, nessa questão de serviços essenciais, estamos fazendo esse contraponto [de não ter parado durante a pandemia]. Precisamos ter uma contrapartida. O governo tem que, além de reconhecer a importância da categoria, agora, dar uma prova disso trazendo um benefício para os caminhoneiros, que é, no mínimo, a vacinação”, disse Marlon Maues, assessor-executivo da CNTA.

Para Maues, além da falta de previsão para a vacinação, os caminhoneiros nunca foram contemplados com um protocolo de atendimento para casos como o de Jeferson Belomi, quando a contaminação acontece longe de casa.

“O que nos deixa impotentes é que não há uma movimentação coordenada nem no tratamento nem na vacinação nem na informação. Foram feitos paliativos: distribuição de álcool em gel, máscaras e marmitas. O caminhoneiro autônomo precisa não apenas ter prioridade, mas antecipar a prioridade”, disse o representante da categoria.

Segundo Maues, não é possível saber quantos caminhoneiros foram infectados nem a quantidade de mortes, porque a segmentação profissional não é registrada no momento do óbito.

Ele disse que não há nenhuma previsão de paralisação da categoria no momento e que isso seria “um último recurso”.

Caminhoneiros de diversos estados estiveram no sábado (15) em Brasília, mas não para cobrar a atenção do governo. Participaram de uma manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios.

O Ministério da Saúde informou que trabalha para ofertar a vacina de Covid-19 a toda a população brasileira, a depender da produção e da disponibilização das vacinas.

De acordo com a pasta, à medida que a vacinação avança nos estados, mais grupos do Plano Nacional de Imunização vão sendo contemplados, mas é difícil prever uma data.

“Neste momento, é extremamente necessário o seguimento das prioridades elencadas”, informou o ministério em nota.

“Vale ressaltar que estados e municípios podem ampliar a imunização dos grupos prioritários de acordo com a realidade de cada região.”

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