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Ivan Finotti, de SP – Enfurnado em sua casa em Los Angeles, o músico Moby aproveitou o tempo de quarentena para revisitar seu passado. E o resultado chega agora, em dois formatos -o álbum “Reprises” e o documentário “Moby Doc”. São duas obras ambiciosas, algo que pode ser constatado pelos detalhes que as cercam.
O disco “Reprise” nada mais é que um “greatest hits” com orquestra. O detalhe é que as canções foram reimaginadas pela Budapest Art Orchestra e serão lançadas em disco pela Deutsche Grammophon, o lendário selo alemão de música erudita. Nas plataformas digitais, o álbum sobe no fim da semana que vem.
O documentário “Moby Doc”, do diretor Rob Gordon Bralver, faz um apanhado surrealista da carreira e da vida do artista, com imagens de arquivo e encenações humorísticas. O detalhe aqui é que foram convocados para falar sobre Moby gente do quilate de David Lynch e David Bowie. O filme estreia nos cinemas americanos nesta sexta, mas não tem previsão para chegar ao Brasil.
“Eu amo o passado”, diz Moby, de 55 anos, justificando a razão de lançar duas obras com olhar retroativo. “Amo o paradoxo fascinante de ser quem sou hoje, e ao mesmo tempo ter sido incontáveis pessoas no passado. Quando você pensa em quem foi aos dez anos de idade, você ainda é aquela pessoa, mas paradoxalmente, você não é. É incrivelmente educativo ver quem você era há dez, 20, 30 anos e aprender com isso.”
“Reprise” é o 19º álbum de sua carreira e traz 14 canções antigas, com diversas participações especiais nos vocais. “Minha ideia foi ter metade de canções que eu amo e o público também, como ‘Natural Blues”, ‘Porcelain’ ou ‘We Are All Made of Stars’. A outra metade tem canções que poucas pessoas conhecem. A que me vem à mente é ‘The Lonely Night’, que nessa nova versão tem vocais de Kris Kristofferson e Mark Lanegan [ex-líder dos Screaming Trees]. Então foi algo como metade objetivo e metade subjetivo”, conta ele, em entrevista a este repórter.
Os convites para algumas dessas participações aconteceram após encontros fortuitos com os artistas. “Uma coisa que sempre faço é me apresentar aos meus heróis e perguntar se eles gostariam de tocar comigo. Então eu toquei ‘Walk on the Wild Side’ com Lou Reed, ‘Heroes’ com David Bowie na sala da minha casa, uma vez toquei ‘Knockin’ on Heaven’s Door’ com Bono [do U2] e Michael Stipe [do R.E.M.] e, em outra, uma canção do Joy Division com o New Order para 20 mil pessoas.”
“Então, há uns 20 anos eu estava nos bastidores de um show beneficente em Nova York e Kris Kristofferson estava lá, ele estava ensaiando e eu me aproximei. Ele ficou muito feliz com meu pedido e nós tocamos ‘Me and Bobby McGee’ [composição de Kristofferson imortalizada por Janis Joplin]. Mantivemos contato e eu sei que ele, assim como Mark Lanegan e eu, teve uma parte da vida lutando pela sobriedade, contra vícios e essa ‘The Lonely Night’ é sobre isso. Mandei a sugestão e ele aceitou quase imediatamente.”
O fato de o disco ser lançado pela Deutsche Grammophon é motivo de grande orgulho para o artista, que conta como aconteceu o convite. “Há uns quatro ou cinco anos toquei num show com a Filarmônica de Los Angeles e Gustavo Dudamel. No final, uma mulher da Deutsche Grammophon me perguntou se eu estaria interessado em fazer um ‘greatest hits’ orquestrado para eles. Eu mal pude acreditar que eu faria não apenas um álbum orquestrado, como ainda teria aquele logotipo amarelo.”
“Minha mãe era pianista e adorava música clássica, mas também rock, jazz, John Coltrane, Stravinski, Crosby, Stills Nash & Young e Dvorak. Aos nove, eu estudei música erudita e, aos 19, desempacotava discos numa loja. Me lembro de manusear esses discos da Deutsche Grammophon quase como se fossem sagrados. Eram tão sofisticados, vinham da Europa, com aquele enorme e lindo logotipo.”
Há dois anos, Moby se envolveu em numa confusão com a atriz Natalie Portman. Em seu segundo livro de memórias, ele escreveu que namorou a atriz no final dos anos 1990, mas ela veio a público dizer que o relacionamento não existiu e que Moby “era um homem muito mais velho que estava sendo assustador quando terminei o ensino médio”. Moby pediu desculpas à atriz.
“Apesar de eu não ter sido totalmente arrebatado pela fúria das mídias sociais, isso me lembrou que minha felicidade, meu bem-estar e minha saúde não podem ser determinados por estranhos”, diz ele. “Se um jornal aí no Brasil escreve uma reportagem horrível sobre mim, ou uma crítica péssima, eu não devo deixar isso me afetar, porque meus sentimentos devem ser influenciados por minha família, amigos, espiritualidade, criatividade, natureza, por coisas que estão na minha frente e não por opiniões de pessoas que eu nunca encontrei. Ter passado por isso foi bom para eu me lembrar disso novamente.”
O que nos leva a questionar como andam os relacionamentos e namoros de Moby. “Bem, eu não tenho conflitos com namoradas agora porque eu simplesmente não namoro. A última vez que tive vida romântica foi há cinco anos. Estou mais feliz trabalhando, fazendo caminhadas, vendo amigos, fazendo coisas espirituais. Eu não sei por que isso acontece, mas talvez eu namore de novo em algum ponto da minha vida, mas tem sido legal viver esse hiato. Cinco anos vivendo basicamente como um monge”, afirma.
O artista diz ter sido sempre heterossexual, mas que ficava frustrado por não ser gay quando era mais jovem. “Quando eu tinha 18 ou 19, eu tinha muitos amigos gays e a gente ia muito a clubes gays em Nova York. Eu pensava ‘será que posso aprender a ser gay?’. Sentia que me conectava muito mais com a cultura gay, apesar de ser hétero. Acho que muita gente se sente assim, especialmente nos Estados Unidos. Quando você olha Donald Trump e pessoas colecionando armas, assistindo corridas Nascar e vendo a Fox News, se isso é a cultura hétero, a cultura gay começa a parecer muito atraente.”
Será que, se fosse gay, Moby seria mais feliz? “Veja, não há solução fácil para a condição humana. É muito perigoso olhar para outro lugar ou outro grupo de pessoas e achar que eles estão melhores que você. Não. Todo lugar é complicado e qualquer grupo de pessoas tem de batalhar. A gente olha para o Brad Pitt e pensa ‘uau, não seria ótimo ser ele?’. Mas aí lemos notícias sobre ele lutando conta o alcoolismo e pedindo divórcio da mulher. Então, claramente, ele luta com a condição humana como qualquer outro.”
O músico americano Richard Melville Hall, mais conhecido como Moby Travis Schneider/Divulgação ** Com tatuagens nos braços, pescoço e rosto, todas relacionadas aos direitos animais, Moby, que é vegetariano desde os 19 anos e vegano a partir dos 21, considera essa a sua grande frente de batalha. “É a parte mais importante da minha vida. Amo fazer música, amo escrever livros, amo gravar vídeos e uma série de outras coisas, mas nada disso é mais importante do que trabalhar a favor dos animais e tentar criar um mundo no qual animais não sofram mais nas mãos dos humanos.”
Suas preocupações com a causa incluem, é claro, o ambiente e a Amazônia. “Tudo que posso dizer sobre o presidente Bolsonaro é ‘sinto muito’. Em termos mundiais, é aterrorizante o que está acontecendo. Tantos líderes eleitos sem interesse em democracia, mas em tirania. Erdogan [Turquia], Duterte [Filipinas], Putin [Rússia], Bolsonaro. Trump se foi, ou seria incluído nessa lista também. Nos anos 1990 a gente achava que a democracia havia ganhado. E hoje a maioria dos países é não democrática ou em vias de se tornar. Brasil ainda é uma democracia, mas você pode facilmente dizer que Bolsonaro gostaria de ser presidente para o resto da vida.”
Mas Moby, veja só, não é de todo pessimista. E deixa, ao fim da conversa, um recado de esperança para o Brasil. “Eu sei que os brasileiros estão lutando como nós lutamos aqui [para tirar Trump da Casa Branca]. Então, boa sorte com o resto do seu apocalipse.”