Quase 1 ano após explosão, Beirute afunda em catástrofe econômica
PIB (produto interno bruto) deve encolher 9,5% neste ano, segundo o Banco Mundial
Diego Bercito, dos EUA – Quando o porto de Beirute explodiu, em agosto de 2020, o mundo todo se virou para a cidade e lamentou sua destruição. Depois, esqueceu-se daquele pobre lugar. No meio-tempo, porém, o Líbano tem vivido uma crise de proporções ainda maiores do que a explosão: a catástrofe de sua economia.
O PIB (produto interno bruto) deve encolher 9,5% neste ano, segundo o Banco Mundial. Em 2020, já tinha diminuído 20%. A libra libanesa perdeu 90% de seu valor em relação ao dólar em menos de dois anos. Os preços subiram, e os salários estagnaram –como consequência, mais de metade da população vive agora abaixo da linha da pobreza e com a perspectiva de a situação piorar ainda mais.
No início de junho, o Banco Mundial publicou um relatório alertando para o risco de, no ritmo atual, o país viver uma das piores crises econômicas do mundo desde meados do século 19. Entre outros fatores, a previsão leva em conta a velocidade da redução do PIB per capita –que foi de 40% entre 2018 e 2020.
Os postos de gasolina são um exemplo do drama vivido pelos libaneses. A inflação e o corte de subsídios têm feito motoristas se amontoarem para conseguir abastecer seus carros após horas de espera.
Os vídeos que circulam nas redes sociais causam desalento. Em um deles, um homem defende seu veículo segurando uma cobra na mão. Em outro, um ancião empurra seu carro sem combustível até a bomba em um posto.
“O futuro parece bastante sombrio”, diz Mohanad Hage Ali, pesquisador do centro de estudos Carnegie. “Chegamos a uma estrada sem saída. Vamos ter de mudar, de um jeito ou de outro, e vivemos em uma região do mundo em que as coisas às vezes terminam de um modo violento.”
Há notícias, nesse sentido, de que o Exército libanês também pena para abastecer seus veículos. Um colapso das forças de segurança, em um país repleto de armamentos, teria um efeito catastrófico.
Não há apenas uma explicação para a crise libanesa. Um dos principais fatores é a dívida pública que seus líderes têm empurrado com a barriga desde o fim da guerra civil, que durou de 1975 a 1990.
O país basicamente toma empréstimos para pagar empréstimos. O Líbano deve atualmente o equivalente a 174% de seu PIB, ou seja, bem mais do que produz em um ano.
Somam-se a isso duas tragédias inesperadas, pioradas por um governo frágil: a pandemia da Covid-19, que paralisou a economia, e a explosão do porto de Beirute, que deixou 207 mortos e um dano de bilhões de dólares.
A situação é agravada, ainda, por uma classe política que parece incapaz –ou desinteressada– em sujar os sapatos. O gabinete do primeiro-ministro Hassan Diab renunciou logo após a explosão, e até agora não houve consenso entre partidos para formar um novo governo definitivo. “Estão se recusando a agir”, diz Hage.
Para o analista, uma das razões para a letargia política é o fato de que os líderes de diferentes facções estão de olho nas eleições do ano que vem. Temem formar um governo, tomar decisões impopulares e prejudicar, assim, as chances nas urnas. “Há um entrave político enquanto a população morre por falta de comida, remédio e gasolina.”
Essa crise afeta os milhares de brasileiros de origem libanesa que vivem no país, em especial na região do vale do Beqaa. É o caso de Saosan Hussein Saleh, 41, que nasceu no Brasil e migrou para o vilarejo de Sultan Yacoub em 2000.
Ela faz parte de uma cooperativa de 12 mulheres que vendem salgadinhos brasileiros congelados. As sócias têm pelejado para não fechar.
Os ingredientes que usam são quase todos importados, como leite e frango. Com o colapso da libra libanesa, ficaram impagáveis. O vilarejo tem eletricidade apenas quatro horas ao dia. No restante, depende de geradores –que, por sua vez, dependem de combustível, também em falta.
Hoje, a Cooperativa de Sultan Yacoub –nome da empresa– produz apenas 10% de sua capacidade. Sobrevive da engenhosidade das sócias e da ajuda de ONGs. “Estamos desesperadas”, diz ela.
“O que está acontecendo não é apenas uma crise econômica, mas também social”, afirma Fadi Ahmar, professor da Universidade Libanesa.
“Nós estamos à beira de um colapso total do país.” Ele afirma que, nos últimos anos, a infraestrutura do Estado e suas indústrias desmoronaram.
Ahmar culpa a corrupção pela situação à qual o Líbano chegou. O dinheiro que a comunidade internacional entregou para o país, para ajudá-lo, acabou no bolso dos políticos –até o ponto em que os credores não quiseram mais emprestar. O professor culpa ainda a milícia radical Hizbullah, que levou o Líbano a conflitos com Israel e com insurgentes na vizinha Síria.
Também devido à influência política dessa organização –considerada terrorista pelos Estados Unidos–, o Líbano tem penado em conseguir negociar algum auxílio econômico na beira do precipício, afirma o especialista.
“Não vejo uma saída”, diz Hage, o pesquisador do centro Carnegie. “A julgar pelas ações que a classe política libanesa tomou no passado, imagino que eles vão esperar sentados até a economia entrar em choque, forçando a comunidade internacional a tomar uma atitude.”