Filho de imigrantes, campeão da NBA não era cidadão de nenhum país até os 19 anos

Nascido na Grécia, filho de um casal de nigerianos, ele foi batizado com um nome grego e um sobrenome que costuma ser dado a crianças da África Ocidental que nascem no estrangeiro

Folhapress Folhapress -
(Foto: Reprodução/Twitter @bucks)

“Oito anos e meio atrás, quando vim para a liga, eu não sabia de onde minha próxima refeição viria. Minha mãe vendia coisas nas ruas. Agora estou aqui, sentado no topo do topo.”

Na entrevista após o jogo que tornou seu time campeão da NBA na noite desta terça (20), Giannis Antetokounmpo, estrela do Milwaukee Bucks, fez referências a seu passado de luta, enquanto abraçava o cobiçado troféu. Ele também dedicou a vitória a suas origens: “Eu represento dois países, Nigéria e Grécia. Um monte de garotos de lá, mas não só: de toda a África e de toda a Europa”.

O próprio nome do jogador de 26 anos, duas vezes eleito o melhor da NBA, é uma referência à sua trajetória como filho de imigrantes.

Nascido na Grécia, filho de um casal de nigerianos, ele foi batizado com um nome grego e um sobrenome que costuma ser dado a crianças da África Ocidental que nascem no estrangeiro. De origem iorubá, Adétòkunbo (como é escrito na grafia original) significa “rei que voltou do além-mar”.

Até poucos anos atrás, porém, o rei não tinha pátria nem passaporte. Sem documentos migratórios, seus pais criavam com dificuldade os quatro filhos em um bairro pobre de Atenas.

Mesmo tendo nascido no país, Antetokounmpo e seus irmãos, que vendiam quinquilharias nas ruas para ajudar a família, não tinham a cidadania grega –pela lei local, filhos de imigrantes não ganham a nacionalidade automaticamente, mesmo nascendo no país. Com exceção do mais velho, que nasceu antes da mudança de país da família, eles também não tinham documentos nigerianos.

Atualmente, há ao menos 3,9 milhões de pessoas sem pátria em quase 80 países, número que a ONU considera extremamente subestimado.

Além de crescerem com medo da deportação, esses apátridas enfrentam dificuldade de ter acesso à educação, à saúde e a todo tipo de serviço básico.

Antetokounmpo viveu tudo isso e mais a xenofobia e o racismo enfrentados por tantos imigrantes na Grécia. Mais ainda sendo negro e de origem africana, o que o fazia dormir no ginásio onde treinava durante a adolescência para não voltar para casa à noite e correr o risco de ser agredido por membros do Amanhecer Dourado –partido neonazista responsável por vários ataques contra imigrantes.

Quando foi chamado para jogar na NBA, seu técnico e seu agente se depararam com um problema: o jovem não tinha passaporte. Com muito custo, conseguiram convencer o governo grego a lhe conceder a cidadania –que aceitou inclusive por constrangimento de que a futura estrela do esporte fosse para os Estados Unidos como nigeriano, mesmo tendo vivido a vida toda na Grécia. Antetokounmpo tinha 19 anos.

Na época, Nikolaos Michaloliakos, líder do Amanhecer Dourado, questionou a decisão com uma declaração cheia de ressentimento neonazista: “Se você dá a um chimpanzé em um zoológico uma banana e uma bandeira, ele se torna grego?”.

O jogador, porém, acabou se tornando um herói nacional na Grécia, foi condecorado como embaixador do turismo pelo governo em 2018 e continua divulgando a cultura do país, que faz parte inclusive do apelido pelo qual ele ficou conhecido: “Greek Freak” (Aberração Grega).

Alguns ativistas o criticam por isso e por não o considerarem suficientemente combativo em relação ao racismo e à xenofobia por parte dos gregos. Em uma entrevista ao New York Times em 2019, uma filha de africanos nascida na Grécia apontou a contradição: “As mesmas pessoas que aplaudem Giannis me xingam nas ruas”, disse.

Nas entrevistas que dá, porém, Antetokounmpo sempre faz referências a seu passado difícil. Conta que ganhava US$ 200 por mês quando foi chamado para jogar profissionalmente, que pagava US$ 1 para ver jogos de basquete por 30 minutos em um cibercafé, já que não tinha TV a cabo, e que dividia o mesmo par de tênis desgastados com o irmão para treinar. “Na NBA tenho 15 pares de tênis todo mês”, contou uma vez, perplexo.

Ele também fala constantemente da família, à qual é muito ligado. No começo da carreira, quase desistiu de ficar nos Estados Unidos porque seus pais tiveram o visto negado duas vezes –na terceira, não teriam mais direito a tentar. Acabaram conseguindo o documento. “Eu morreria pela minha família”, costuma dizer. “O que eu sou hoje é por causa deles.”

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