Estou vacinado. O que muda com a chegada da variante delta do coronavírus?

Nova multação continua sendo o mesmo vírus que causou a pandemia, com a mesma capacidade de infectar e invadir as células do hospedeiro, diz a imunologista Cristina Bonorino

Folhapress Folhapress -
(Foto: Divulgação / Peter Ilicciev)

Ana Bottallo e Samuel Fernandes de SP e MA – A vacinação no Brasil avança a passos largos, com centenas de milhares de brasileiros recebendo a primeira ou a segunda dose das injeções contra a Covid-19 todos os dias. Com a chegada da variante delta ao país, porém, especialistas afirmam que é preciso cuidado, principalmente com indivíduos não imunizados ou imunizados de forma parcial.

O aumento recente de casos em países que já viam a flexibilização total no horizonte, como Estados Unidos e Inglaterra, acende um alerta para o afrouxamento de regras no Brasil.

Os temores em relação à delta foram confirmados em um relatório interno do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) norte-americano, divulgado recentemente, que compara a transmissão dessa variante à da catapora.
Um outro estudo, ainda sem revisão por pares, indica que a delta gera uma carga viral 1.260 vezes maior do que a cepa original.

Além disso, a proteção contra a delta só é desenvolvida após 15 dias da aplicação da segunda dose das vacinas em uso hoje no Brasil.

Veja abaixo o que os especialistas dizem sobre como se proteger, quais medidas tomar e o que é possível fazer ou não, mesmo após as duas doses da vacina, frente ao risco de infecção pela variante.

Se estou vacinado, por que devo me preocupar com a variante delta?

As vacinas não garantem 100% de eficácia contra o coronavírus Sars-CoV-2 –nenhum imunizante ou medicamento tem esse poder. Assim, a alta circulação do vírus no Brasil e as novas variantes fazem o risco de infecção crescer.
Em países com mais de 60% da população imunizada, como é o caso da Inglaterra, de Israel e dos EUA, os casos voltaram a subir em julho após meses de queda. Essa alta é atribuída à variante delta.

A maioria dos novos casos foi registrada em indivíduos não vacinados. Nos EUA, por exemplo, os estados que tiveram maior alta são também os que apresentam a menor taxa de indivíduos completamente imunizados, e mais de 97% dos novos casos surgiram em pessoas não vacinadas.

Infecção em indivíduos totalmente imunizados, apesar de rara, ainda pode ocorrer. Isso porque a maioria das vacinas desenvolvidas até agora protege contra os sintomas, o agravamento do quadro ou o óbito pela doença, mas não tem o poder de conter totalmente o contágio em si.

Qual é o risco real de contrair Covid mesmo após a imunização completa? Esse risco aumenta com a variante delta?

Segundo Esper Kallás, infectologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, as vacinas contra a Covid-19 oferecem alto grau de proteção, que é mantida para quadros graves da doença e mortes, mas há um leve escape na proteção oferecida contra contágio pela variante delta.

Um estudo recente publicado na revista científica Nature mostrou que a efetividade das vacinas para bloquear a entrada do vírus nas células é reduzida, mas ainda fica acima de 60% após duas doses da Pfizer/BioNTech e da Oxford/AstraZeneca.

Já um artigo recente publicado no periódico The New England Journal of Medicine indica que, após apenas uma dose da vacina dessas fabricantes, a proteção por resposta humoral (de anticorpos) cai de 49% para 30,7% e, com as duas doses, de 93,7% para 88%, no caso da Pfizer, e de 74,5% para 67% com a Oxford/AstraZeneca.

Esses dados mostram que, apesar de ser menos frequente, a infecção após imunização completa, conhecida como escape vacinal, ainda pode ocorrer. Em geral, contudo, os sintomas tendem a ser mais brandos.

“A pessoa pode ter uma infecção por Covid com nariz escorrendo, um pouquinho de febre que vai embora. O fundamental é pensar que a vacinação é uma estratégia coletiva, não individual, e quanto mais pessoas tivermos vacinadas na comunidade, maior será o grau de proteção geral”, diz Kallás.

A máscara é útil contra a variante delta?

Especialistas afirmam que, independentemente do tipo de variante em circulação, as medidas de proteção devem permanecer as mesmas, isto é, distanciamento social, uso correto de máscaras, higiene das mãos e vacinação.

Para Vitor Mori, físico e pós-doutorando da Universidade de Vermont e membro do Observatório Covid-19 BR, o foco não deveria ser a variante em si, mas o possível aumento no número de novos casos e hospitalizações.

“Com relação à delta, é fundamental entender que as medidas de prevenção não mudam e que tudo o que fazíamos antes continua funcionando. Temos que redobrar o cuidado de prevenção dentro do que é factível”, diz.

Mesmo pessoas vacinadas com as duas doses devem continuar usando as máscaras até que toda a população esteja vacinada, afirma a imunologista Cristina Bonorino. Além disso, ela lembra que já há um consenso na comunidade científica que as máscaras do tipo PFF2 são as que oferecem a melhor proteção e devem ser priorizadas, sobretudo em espaços fechados.

A variante delta interfere nos planos de voltar a frequentar espaços fechados, como bares, restaurantes, academia e salas de aula?

Espaços fechados ampliam o risco de contágio porque uma pessoa infectada que esteja no ambiente pode liberar o coronavírus em partículas menores que ficam suspensas o ar.

“Em ambientes fechados e sem ventilação, é possível ter essas partículas como nuvens no ar, o que favorece a transmissão, principalmente quando se tem máscaras de baixo poder de filtração”, afirma Raquel Stucchi, infectologista e professora da Unicamp.

Recentemente, o CDC reorientou a população a utilizar máscaras de proteção em locais públicos e fechados devido ao aumento no número de infecções pela delta.

A recomendação é preferir espaços abertos, bem ventilados, com distanciamento social e uso de máscaras de qualidade, coo as do tipo PFF2.

Em locais em que é preciso tirar a máscara para se alimentar, como restaurantes e bares, é recomendado ficar em local aberto. Também é importante manter distanciamento social de outras pessoas e pôr de volta a máscara sempre que possível para evitar exposição desnecessária.

Como me proteger da delta em ambientes abertos?

Espaços abertos criam risco bem menor se comparados a locais fechados, mas a alta capacidade de propagação da delta altera esse cenário. “Nós já temos várias descrições sobre transmissões [pela delta] em ambientes abertos, algo que antes era desprezível para outras variantes”, diz Stucchi.

A recomendação, então, é sempre utilizar máscaras, manter o distanciamento social e higienizar as mãos mesmo em locais abertos e bem ventilados. Nesses casos, além das máscaras de alto poder de filtração, é possível utilizar duas máscaras, sendo uma cirúrgica por baixo de uma de pano, para evitar infecções ao ar livre.

É seguro viajar de avião? Devo evitar o lanche oferecido e ficar de máscara durante todo o voo?

Segundo Stucchi, mesmo que os aviões contem com sistemas de renovação de ar que diminuem o risco de transmissão, desde o início da pandemia existem casos de infecção em viagens aéreas.

É importante sempre utilizar máscaras com alta capacidade de filtragem e retirá-la somente em situações de extrema necessidade.

Tendo em vista que a variante delta pode levar somente alguns segundos para entrar no organismo, é necessário considerar o comportamento de outros passageiros ao redor para avaliar o risco.

Quão seguros são ônibus, trens e metrôs para pessoas vacinadas?

Pessoas completamente vacinadas podem ser reinfectadas, mas raramente desenvolvem formas críticas da doença. Segundo o CDC, somente 0,1 a cada 100 mil pessoas imunizadas que são infectadas devem desenvolver um quadro que demande hospitalização.

No caso de ônibus, metrôs e trens, os principais pontos que devem ser levados em consideração são a vacinação dos passageiros, máscaras adequadas, ventilação do ambiente, o tempo nesses meios de transporte e a quantidade de pessoas.

Para Stucchi, um ônibus com as janelas abertas é mais seguro que um metrô com pouca circulação de ar. “No entanto, se você utiliza o metrô, mas por um período curto de tempo, como de uma estação para outra, o risco vai ser pequeno”, afirma.

Posso encontrar meus amigos e familiares? Qual a forma mais segura? Posso abraçá-los?

Caso seja indispensável, o ideal é encontrar outras pessoas em ambientes abertos, bem ventilados, com todos utilizando máscaras de boa qualidade e mantendo distanciamento social.

Contatos próximos, como abraços e beijos, com pessoas que não moram na mesma casa não são recomendados. Segundo Stucchi, evitar essa aproximação é mais necessário entre pessoas de grupo de risco ou que já tenham sido imunizadas há mais de seis meses.

Após ter tomado as duas doses, posso encontrar pessoas não vacinadas ou não totalmente imunizadas?

As recomendações de proteção são as mesmas: preferir espaços abertos e ventilados, usar máscaras de boa qualidade, manter distanciamento e sempre higienizar as mãos.

Pessoas vacinadas podem se infectar novamente por qualquer variante e transmitir o vírus para quem não se vacinou. Como a delta tem uma taxa de transmissão mais alta, a chance de uma pessoa vacinada se infectar e contaminar alguém ainda não imunizado existe e preocupa.

Estudos preliminares em alguns países, como Canadá e Escócia, indicam que a delta pode ser responsável por quadros mais graves da Covid-19 em pessoas ainda não vacinadas.

Mas, segundo o infectologista Esper Kallás, é difícil avaliar esses dados considerando populações como um todo. “O que sabemos é que há uma aceleração na cadeia de transmissão das pessoas infectadas com delta em relação às outras variantes”, diz.

E se eu perder o prazo para tomar a segunda dose, perco o efeito da vacina?

A maioria das vacinas contra Covid-19 disponíveis foram desenvolvidas para garantir proteção total com duas doses e apresentam intervalos diferentes para aplicação entre elas. Porém, devido à escassez de doses em algumas cidades, algumas pessoas podem tomar a segunda dose fora do prazo.

Segundo Kallás, a perda do prazo da segunda dose não elimina o efeito da vacina, pois sempre haverá algum grau de proteção. Ele ressalva, porém, que o grau de proteção com apenas uma dose é menor contra a variante delta.

“Quão menor vai ser essa proteção ou qual o risco inerente não temos como calcular, porque não é um fator único, depende de quanto risco aquele indivíduo tem. É claro que uma pessoa mais idosa, com maior predisposição a desenvolver doença grave, com algum tipo de imunodeficiência, vai ter um maior risco. Isso vai depender também [do nível da] taxa de transmissão naquela comunidade”, diz.

Kallás defende que haja uma avaliação por parte dos gestores sobre evetual antecipação do calendário das pessoas que receberam apenas uma dose, permitindo que sejam imunizadas totalmente.

Se a delta é tão contagiosa, faz diferença eu me vacinar?

A variante delta continua sendo o mesmo vírus que causou a pandemia, com a mesma capacidade de infectar e invadir as células do hospedeiro, diz a imunologista Cristina Bonorino. A diferença é que a delta consegue driblar a proteção conferida pelos anticorpos, seja por infecção natural, seja por vacinação.

“Em uma pessoa que se infecta com a variante delta, ela consegue burlar a resposta imune muito mais rapidamente, o que faz com que mais cópias do vírus sejam produzidas no organismo, aumentando a chance de aquele indivíduo transmitir o vírus”, diz.

No entanto, apesar de haver maior probabilidade de pessoas vacinadas transmitirem o vírus, Bonorino reforça que as vacinas protegem contra quadros graves da Covid. Dados recentes divulgados pelo CDC mostram que a incidência de mortes em vacinados nos Estados Unidos é de 0,04 a cada 100 mil indivíduos, enquanto a mesma taxa é de 0,96 para cada 100 mil nas pessoas não vacinadas (ou 25 vezes maior).

Como eu sei se estou infectado com a delta?

A variante delta já está com transmissão comunitária em diversos estados do país, embora a falta de sequenciamento genômico em massa e uma ação coordenada nacional dificultem saber qual a sua participação nos novos casos. Na última quarta-feira (4), a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro afirmou que a delta corresponde a 45% das amostras analisadas na capital e 26% das do estado. Em São Paulo, um boletim divulgado pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL) apontou a delta em 23,5% das amostras sequenciadas no instituto.

Segundo Kallás, da USP, essas porcentagens não devem balizar estratégias de diagnóstico individual. Até o momento, a identificação da delta e de outras variantes é feita em laboratório por sequenciamento genético ou com a utilização de testes específicos.

De todo modo, quanto mais aumenta a frequência de uma variante na população, maiores são as chances de os novos casos confirmados decorrerem dela.

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