‘Fizeram meu filho e minha esposa chorar’, diz Celsinho sobre caso de racismo

Brusque divulgou um texto no qual chamava a acusação de "artifício esportivo" e insinuava que o jogador se promovia com queixas desse tipo

Folhapress Folhapress -
O meia Celsinho, do Londrina, relatou ter sido vítima de injúria racial em partida contra o Brusque (Foto: Gustavo Oliveira/Londrina Esporte Clube)

João Gabriel e Klaus Richmond, de SP – Celso Luís Honorato Júnior, 33, o Celsinho, diz que vai ficar marcada a cena que presenciou ao chegar ao apartamento em que vive em Londrina, no interior do Paraná, no último domingo (29). Sua esposa, Carolina, e seu filho de 14 anos estavam chorando.

De acordo com o jogador, eles haviam acabado de ler o posicionamento oficial publicado pelo Brusque. O texto falava em “falsa imputação de crime” e “oportunismo” por parte do meia, que havia relatado insultos raciais em partida contra os catarinenses.

O incidente foi registrado na súmula do empate por 0 a 0 entre Brusque e Londrina, time de Celsinho, no sábado (28), pela Série B do Campeonato Brasileiro. Segundo o texto do árbitro Fábio Augusto dos Santos Sá Júnior, o atleta disse ter ouvido de um integrante do clube adversário: “Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha”.

O Brusque divulgou um texto no qual chamava a acusação de “artifício esportivo” e insinuava que o jogador se promovia com queixas desse tipo. A repercussão foi péssima, e a agremiação publicou outra nota, na segunda (30), pedindo desculpas pelo “posicionamento equivocado”.

“O meu filho mais novo tem cinco anos, não entende, tem só que brincar e ser criança mesmo. Mas o meu mais velho e a minha esposa sentiram muito, principalmente com a nota do Brusque. Ele e a minha esposa começaram a chorar. Fizeram a gente chorar”, diz Celsinho à Folha.

“Isso não vai ficar impune de maneira nenhuma. Se é cansativo para mim, exaustivo psicologicamente, se terei desgaste, eles terão o triplo disso tudo. Vou até o final, em todas as ações”, acrescentou.

Além do episódio do fim de semana, o jogador já sofreu com outras duas situações semelhantes nesta temporada, sempre com menções ao cabelo black power.

Dois profissionais da Rádio Bandeirantes de Goiânia e um locutor da Rádio Clube de Belém usaram falas racistas como “cabelo pesado”, “bandeira de feijão” e “negócio imundo” para se referir ao jogador. Eles pediram desculpas públicas e foram afastados pelas emissoras.

LEIA A ENTREVISTA:

PERGUNTA – Quais medidas você vai tomar pelo fato?

CELSINHO – Quanto mais repercussão, mais força temos. Conversei com meus advogados e vou tomar todas as medidas possíveis, mas ainda não consigo precisar quais serão. Só tive uma reunião com os advogados para eles entenderem o caso, saberem o que de fato aconteceu.

PERGUNTA – Nos outros dois casos recentes, quais medidas você tomou?

CELSINHO – Nos dois entramos com uma queixa criminal. A de Goiânia foi despachada, os envolvidos não sei se foram ou se serão chamados para depor. A de Belém não sei se já foi despachada.

PERGUNTA – Até onde você está disposto a ir?

CELSINHO – Isso não vai ficar impune, de maneira nenhuma. Se é cansativo para mim, exaustivo psicologicamente, se terei desgaste, eles terão o triplo disso tudo. Vou até o final, em todas as ações.

PERGUNTA – O que você achou da primeira nota do Brusque?

CELSINHO – Isso é impressionante, não acontece só comigo. É aquela situação clichê em que a mulher apanha do marido e ele diz que ela apanhou porque estava com roupa curta. É uma inversão de valores absurda. É chocante. Eu não vou para um estádio de futebol olhar para a arquibancada, para os radialistas, e pedir que me xinguem. Vou para ser feliz. O que eu ganho com isso? É revoltante, mostra o despreparo das pessoas que soltaram aquela nota.

PERGUNTA – Como você recebeu a segunda nota, o pedido de desculpas?

CELSINHO – Não muda nada, o Brusque teve a oportunidade de logo na primeira nota fazer o certo. Não fizeram. Muito pelo contrário, fizeram a pior burrada que poderiam ter feito. Automaticamente por toda a repercussão, eles viram que fizeram o errado e que teriam que se retratar. Não enxergo como um pedido de desculpas natural, verdadeiro. A primeira nota é muito clara sobre o que eles pensam.

PERGUNTA – Como foi o momento da ofensa? Passou pela sua cabeça deixar a partida?

CELSINHO – Estava no banco de reservas me aquecendo no fim do primeiro tempo com meus companheiros. Começou uma discussão entre nós e o pessoal que estava na arquibancada. E, no momento que esse senhor com camisa vermelha fala sobre meu cabelo, em seguida digo ao quarto árbitro que precisavam relatar o racismo, aí eu aponto quem que falou. Foi muito rápido, e logo em seguida foi o intervalo.

Tínhamos 15 minutos para ajeitar tudo, para tentar melhorar para o segundo tempo. Ali no vestiário, o único pensamento era na melhora da equipe para sair de lá com a vitória. Preferi abafar para não influenciar no meu rendimento. Os que estavam jogando não entenderam o que estava acontecendo, mas os que estavam comigo no aquecimento sentiram, sim. Falaram: “Tio [apelido do Celsinho], nós ouvimos, e na hora em que voltarmos, ele não vai estar mais na arquibancada”. Para a nossa surpresa, ele se encontrava lá. Saiu da arquibancada e foi para um camarote superior, com janelas de vidro.

PERGUNTA – Você queria que os responsáveis pela partida tivessem tomado alguma atitude?

CELSINHO – No meu ponto de vista, a arbitragem agiu corretamente, até porque, quando ele fala essas palavras, logo em seguida acaba o primeiro tempo. No intervalo, a arbitragem agiu como se pede para ser feito. O que acho é que ele deveria ter sido retirado do estádio, o delegado da partida deveria tê-lo tirado. Não sei se é o correto, é a minha maneira de pensar. O início das punições deveria ter acontecido no próprio jogo, com a retirada dele.

PERGUNTA – Já sofreu outros casos de racismo dentro de campo?

CELSINHO – Nunca havia acontecido anteriormente, e infelizmente aconteceram essas três situações em menos de dois meses, mas o racismo não é novidade. O mais revoltante é que o clube colocou como se eu fosse o culpado, como se eu quisesse que isso estivesse acontecendo, como se estivesse mentindo. Eles me tiraram de vítima como se eu fosse o culpado. Ainda existem pessoas que acabam compactuando com respostas como a que o Brusque colocou na nota. “Como é possível três vezes com o mesmo jogador?” É horripilante.

PERGUNTA – E fora de campo?

CELSINHO – Essa situação acontece diariamente. Esse preconceito, o crime racial, qualquer tipo de preconceito, está na sociedade diariamente. Nada apontado e dito como agora. Mas você sente no olhar, um desconforto nos diversos lugares em que você se apresenta. Teve uma vez, em um shopping em Santa Bárbara d’Oeste, assim que voltei da Rússia. Estava com a minha esposa, então namorada, e comecei a olhar joias, correntes, para ver se gostava de uma ou outra. Aí peço para ver uma. Quando a pessoa me entrega, ela diz: “Essa é muito cara”. Eu deixo lá e saio. Depois fiquei pensando naquilo: “Por que ela falou isso?”. Decidi voltar lá e pedi que a mesma pessoa buscasse aquela mesma peça. Paguei à vista. Não falei nada, deixei que a consciência dela falasse.

PERGUNTA – O que o motiva a se posicionar sobre esses casos?

CELSINHO – Sempre fui a favor de que as pessoas que sofriam algum tipo de abuso, de crime, pudessem se expressar. Quando acontece com você, tudo o que você pensava quando criança, jovem, vem à tona. Eu não posso me calar. Eu represento milhares de pessoas que não têm condições de se expor. Não luto só por mim, luto para as que sofrem diariamente. E pelos meus filhos. Eles não podem me ver como uma figura que sofreu esses fatos e se calou. É isso o que vou passar para eles: tem que colocar a cara mesmo, porque a nossa cor, cara, sexo ou religião não justifica uma discriminação.

PERGUNTA – Como sua família recebeu esse último caso?

CELSINHO – O meu filho mais novo ainda não entende. O meu filho mais velho sentiu muito. Principalmente na nota do Brusque, o meu filho e minha esposa, Carolina, começaram a chorar. Você é a vítima, e te colocam como oportunista? É isso o que me revolta e o que me dá força também. Eu vou até onde conseguir ir atrás. Ele [o homem de camisa vermelha] não pensou na minha família, nos meus filhos. Por que vou pensar, então? Não adianta vir me pedir desculpas, “Ah, foi sem querer”.

PERGUNTA – Nos três casos, as ofensas citavam de alguma maneira o seu cabelo. Qual a importância dele pra você?

CELSINHO – Esse black representa resistência, força, você pode tomar rédea da sua vida, ter o cabelo da maneira que você quiser, não precisa ser mais um na sociedade. Desde os anos 1960 tem muita representatividade. O cabelo dessa maneira representa essa força black power, é importantíssimo. Não é por isso [ofensas] que vou cortar, sempre fez parte da minha família. Meu filho de cinco anos também tem. Vou continuar com o cabelo.

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