EUA veem crescimento recorde de assassinatos, e país regride 2 décadas
Com 21,5 mil assassinatos em 2020, último ano do governo de Donald Trump, a taxa de mortes nos EUA foi de 6,5 homicídios para cada 100 mil habitantes
Rafael Balago e Thiago Amâncio, de SP e EUA – O total de homicídios disparou nos Estados Unidos no ano passado, primeiro ano da pandemia de Covid-19, e regrediu a níveis de mais de duas décadas atrás, segundo dados divulgados pelo FBI, a polícia federal americana, nesta segunda-feira (27).
Com 21,5 mil assassinatos em 2020, último ano do governo de Donald Trump, a taxa de mortes nos EUA foi de 6,5 homicídios para cada 100 mil habitantes. Desde 1998 o país não registrava um número tão alto, de acordo com dados da agência americana, e de 1999 em diante essa cifra sempre ficou abaixo de 6.
Ainda que em alta, os números estão bem abaixo dos registrados no Brasil, um dos países mais violentos do mundo. Por aqui, os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam para 23,6 assassinatos a cada 100 mil habitantes no mesmo ano de 2020, e o número de homicídios também subiu no primeiro ano da pandemia após dois anos em queda.
Os dados do governo americano mostram também que este é o maior aumento entre um ano e outro na série histórica do FBI. Houve crescimento de 27,4% em relação ao dado de 2019, quando os EUA registraram taxa de 5,1 homicídios por 100 mil pessoas.
O número real, no entanto, pode ser ainda maior, já que o FBI coleta dados de órgãos locais responsáveis por lidar com dados da violência e, das 18.619 entidades cadastradas, 15.897 (85%) enviaram estatísticas à agência.
Ao longo do tempo, a distribuição geográfica da violência mudou. Segundo o jornal americano The New York Times, as cidades de Los Angeles e de Nova York sozinhas contabilizavam 13,8% dos assassinatos nos Estados Unidos em 1990. Em 2020, as duas somaram 3,8% das mortes no país.
O número divulgado nesta segunda foi puxado pelo aumento da violência em cidades como Albuquerque (Novo México), Memphis (Tennessee), Milwaukee (Winsconsin) e Tulsa (Oklahoma), que bateram recordes históricos de assassinato. No entanto, todo o país registrou aumento da violência, com o estado da Louisiana com os níveis mais altos proporcionalmente à população.
“A maioria da alta de homicídios ocorreu em comunidades que sofrem com alta concentração de pobreza, em lugares onde a violência já prevalecia. Há poucos dados que mostram que a violência esteja se espalhando dessas comunidades para outras áreas”, disse à reportagem Thomas Abt, membro sênior do think tank Council on Criminal Justice.
Os especialistas e a polícia buscam razões para explicar a alta, embora ainda não tenham respostas definitivas. As principais causas apontadas são o maior acesso a armas, cuja compra teve alta em 2020, mudanças trazidas pela pandemia e alterações no policiamento.
Os dados do FBI mostram que armas de fogo foram usadas em 77% dos homicídios. No início da crise sanitária, houve alta na venda de armas no pais (64% a mais do que em 2019), o que pode ter relação com a alta de mortes. No entanto, pesquisas recentes mostram que armas compradas de modo regular levam de cinco a sete anos para serem usadas em crimes.
Abt aponta que um aumento no uso de armas nas ruas pode ter tido mais impacto. “Em Chicago e em outros lugares, a polícia encontrou mais armas irregulares mesmo tendo feito menos prisões, o que sugere que mais indivíduos estão portando armas de fogo mesmo não tendo autorização para isso”.
O acesso às armas é uma questão politizada nos EUA. De modo geral, republicanos defendem que haja restrições mínimas à compra e à posse delas, enquanto democratas apoiam mais controles, como uma checagem cuidadosa dos antecedentes na hora da venda. No entanto, o governo de Joe Biden não tomou nenhuma medida de peso para mudar a situação desde que tomou posse, em janeiro.
Em 2020, as atividades de policiamento tiveram dificuldades. Com a Covid, muitos agentes tiveram de faltar no trabalho. Além disso, alguns analistas apontam que o assassinato de George Floyd também levou a reduções no patrulhamento. Policiais de diversas cidades foram deslocados para as manifestações e reduziram a vigilância em áreas inseguras, o que reduziu a proteção contra assaltos e brigas de gangues
Em maio de 2020, Floyd morreu após ser sufocado por um policial branco. As imagens da ação rodaram o mundo e geraram uma onda de protestos contra o racismo e a truculência policial. Assim, diversas cidades mudaram protocolos e reduziram o número de abordagens . Pesquisadores apontam que isso fez com que algumas pessoas se sentissem mais à vontade para andar armadas e a tentar resolver desavenças por conta própria.
Com a pandemia, muitos homens jovens, que costumam agir de modo mais agressivo, ficaram com mais tempo livre, ao mesmo tempo em que houve alta na compra de bebidas alcoólicas (25% acima da média anual). Escolas, igrejas e centros comunitários, que costumam ajudar a evitar e a resolver conflitos, ficaram inoperantes por meses. Esses fatores somados favorecem a ocorrência de crimes.
Além disso, os protestos fizeram com que parte dos agentes de segurança se sentisse desmotivada para desempenhar suas funções. E as críticas feitas à polícia teriam diminuído o interesse da população em fazer denúncias, o que dificulta a resolução de casos.
O Council on Criminal Justice defende que as ações de combate ao crime sejam concentradas em áreas com alto índice de homicídios, mas com uma abordagem que inclua outros profissionais, como assistentes sociais, para que as comunidades tenham uma relação de maior confiança com os agentes públicos. E que policiais deixem de ir a ocorrências não criminais, como conflitos com moradores de rua e casos de overdose, para que eles possam se concentrar no combate a crimes, como os homicídios.
“As cidades precisam focar em soluções baseadas em evidências, que envolvam agentes de segurança e líderes comunitários. A redução do crime precisa ser um esforço unificado, e as lideranças políticas precisam se comprometer com isso no longo prazo”, indica Abt.