STF derruba lei que libera venda de quatro remédios para emagrecer

Apesar dos medicamentos estarem há décadas no mercado, não possuem comprovação de eficácia

Folhapress Folhapress -
Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF)(Foto: Agência Brasil)

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (14) derrubar a lei de 2017 que autorizava a produção e comercialização de quatro susbstâncias usadas em remédios para emagrecer.

Por sete votos a três, os ministros declararam inconstitucional a legislação que liberou a venda dos medicamentos feitos à base de anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina.

Antes da norma aprovada pelo Congresso, as três primeiras substâncias haviam sido proibidas em 2011 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), enquanto a última tinha uma série de restrições para ser comercializada.
Seis anos depois, o Legislativo aprovou uma lei e reverteu as decisões da agência reguladora sobre esses medicamentos.

Na época, a Anvisa afirmou que, apesar de serem vendidos por décadas, não havia comprovação de eficácia desses remédios, além de seus riscos à saúde serem maiores que os supostos benefícios.

A maioria do Supremo entendeu que o Legislativo não poderia ter se sobreposto às decisões tomadas pela agência responsável por autorizar ou proibir a venda de medicamentos.

O relator, ministro Kassio Nunes Marques, votou para manter a legislação e foi acompanhado por Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. O ministro Edson Fachin, porém, abriu divergência e foi seguido por Ricardo Lewadowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Luiz Fux.

Os magistrados analisaram uma ação apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde, que afirmou ao STF que os efeitos colaterais que podem ser gerados pelas substâncias não compensam os benefícios que elas trazem.

Gilmar defendeu a derrubada da legislação e mencionou a situação desses remédios em outros países.

“A sibutramina foi proibida na Europa por decisão da agência europeia de medicamentos em janeiro de 2010, oportunidade em que o órgão afirmou que o remédio aumenta risco de derrame cerebral e enfarte. Nos Estados Unidos, a comercialização é feita com restrições”, disse.

Ele também citou que o femproporex e o mazidol não têm autorização para ser vendidos nos EUA e foram proibidos na Europa, enquanto a anfepramona é proibida em países europeus e liberada nos Estados Unidos.

Responsável por dar o primeiro voto a favor da ação, Fachin afirmou que a “relativização do controle” feito pela Anvisa neste caso viola a Constituição.

“O teor da lei impugnada conduz precisamente ao resultado oposto, isto é, à indevida dispensa do registro sanitário”, afirmou.

Segundo Fachin, a atuação do Congresso “não poderia, sem elevadíssimo ônus de inércia indevida ou dano por omissão à proteção da saúde por parte da agência reguladora, autorizar a liberação de substâncias sem a observância mínima dos padrões de controle previstos em lei e veiculados por meio das resoluções da Anvisa”.

Kassio Nunes Marques ficou vencido ao defender a constitucionalidade da lei. O magistrado afirmou a Anvisa ainda teria poder para reanalisar o medicamento e eventualmente retirá-lo do mercado, mas que o Legislativo agiu de maneira correta.

“Parece-me que o Congresso agiu em estrita obediência constitucional, em nome de pessoas que passam por uma pandemia contínua em suas vidas, que é a obesidade”, disse.

O ministro disse ainda que os medicamentos liberados pela legislação tornavam mais baratos os tratamentos de combate à obesidade.

“Estamos tratando de medicamentos que eram acessíveis à população pobre e obesa e que sem nenhuma fundamentação científica, porque há controvérsia internacional, foram retirados da comercialização do brasil, ficando permitido apenas o mais caro deles”.

Luiz Fux, por sua vez, também recorreu à situação dessas substâncias fora do país para embasar seu voto.
“Temos que nos dobrar à ciência e a literatura científica estrangeira veda no mundo inteiro a utilização desses medicamentos”.

O presidente do STF ponderou que recentemente a cirurgia bariátrica, que também serve para enfrentar a obesidade, foi liberada pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Kassio, porém, divergiu do argumento do colega. “A fila do sistema único de saúde para cirurgia bariátrica pelo SUS é kilométrica e é a última opção, é muito mais invasiva”, disse.

Cármen Lúcia, por sua vez, afirmou que o problema da população carente do país não é obesidade.
“Estamos numa área que torna mais rígida a garantia do direito à saúde. Na verdade, eu acho que o grande problema dos pobres é a fome”, disse.

Gilmar afirmou ainda que uma decisão a favor da lei aprovada pelo Congresso seria perigosa porque poderia “animar” o Legislativo a superar outras decisões da Anvisa.

Ele aproveitou para citar a pandemia do novo coronavírus e os remédios sem eficácia comprovada que são defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Vamos dizer que para tratamento da Covid o Congresso tivesse votado uma lei que mandasse prescrever da invermectina, a hidroxicloroquina e coisa do tipo e vedasse a Anvisa de fazer os devidos acompanhamentos”, disse.
Moraes, que votou no sentido oposto e ficou vencido, porém, reagiu e rebateu o colega.

“Não é ivermectina, algo que todos são contrários. A maioria dos endocrinologistas entendem que é importantíssimo manter essa possibilidade, desde que tenha prescrição médica”, afirmou.

O magistrado disse que pode haver controle judicial tanto de decisões desta natureza da Anvisa quanto do Congresso.

“O que me parece é que não poderíamos afirmar de forma absoluta que o Congresso não pode nunca exercer fiscalização em relação à Anvisa”, afirmou.

Após o julgamento, a agência emitiu uma nota para afirmar que “deverá dar encaminhamento para retomar a vedação sobre o uso e comercialização” da anfepramona, do femproporex e do mazindol no país.

“A Agência vai tomar conhecimento do inteiro teor da decisão a partir de sua publicação para avaliar a repercussão do resultado do julgamento e verificar a regulamentação vigente e adequações necessárias nas normas”, diz a nota.
Em relação à sibutramina, o texto lembra apenas que em 2011 a agência verificou que há maior benefício do que risco em relação ao uso da substância, “desde que utilizada adequadamente e para determinados perfis de pacientes”.

​”Diante disso [em 2011] a Anvisa estabeleceu dose máxima diária, limitação no tempo do tratamento, assinatura de Termo de Responsabilidade pelo médico prescritor e Termo de Ciência do paciente para o uso da substância”, diz o texto.

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