Banir viajantes da África é racista e ineficaz contra a ômicron, apontam especialistas dos EUA

Há registros de que a variante circulava na Europa antes mesmo do anúncio feito pela África do Sul

Folhapress Folhapress -
. (Foto: Reprodução).

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O fechamento de fronteiras para conter a propagação da nova variante ômicron do coronavírus é ineficaz e pode ser considerado racista, avaliam especialistas dos EUA ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo.

A nova cepa foi considerada como de risco muito elevado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), pois pode ser mais contagiosa que as anteriores, mas os dados para comprovar isso ainda estão sendo obtidos e analisados.

“O veto a viagens da África é uma reação racista, que não se baseia em ciência ou em biologia. É moralmente repugnante”, diz Mark Schleiss, pesquisador do Instituto de Virologia Molecular da Universidade de Minnesota.

Países como Brasil e Estados Unidos adotaram vetos a viajantes vindos de nações africanas que relataram casos da nova variante. A proibição começou a valer nesta semana, e novas medidas de restrição estão em debate por vários governos.

Scheiss aponta que não há evidências de que a variante ômicron surgiu na África e que já há registros de que ela circulava na Europa antes mesmo do anúncio feito pela África do Sul, na semana passada. “Vemos se repetir o caso da gripe de 1918, que ficou conhecida como ‘espanhola’ porque a Espanha foi o primeiro país a ser transparente sobre ela”, compara. Pesquisadores consideram hoje que aquela infecção surgiu nos EUA.

“Fechar fronteiras raramente funciona do modo como as pessoas imaginam e geralmente traz consequências negativas para os países que relataram os casos, então a medida deveria ser usada de modo muito cuidadoso”, avalia Andy Pekosz, virologista na Universidade Johns Hopkins.

“Temos de ter mais foco em testar, rastrear contatos, sequenciar [o material genético] dos vírus, identificar pessoas infectadas e colocá-las em quarentena. São caminhos muito mais efetivos do que fechar fronteiras”, sugere Pekosz.

“Queremos que os países monitorem variantes e compartilhem informações o mais rápido possível. E gestos como banir viagens realmente desencorajam isso e não são efetivas ao prevenir a transmissão já em andamento”, aponta Aubree Gordon, professora de epidemiologia na Universidade de Michigan. “Está claro que a variante já se espalhou por muitas partes do mundo.”

Os especialistas consideram que os governos de países desenvolvidos deveriam ajudar a ampliar a vacinação em países africanos, de modo a conter a circulação do vírus e, assim, reduzir a chance do surgimento de novas variantes.

A taxa de imunização na África está em torno de 7% da população, enquanto a média global é de 42,7%. No Brasil, 63% estão plenamente vacinados.

“É simplesmente biologia. Para novas variantes surgirem, o vírus precisa circular. A melhor maneira de impedir a criação de novas variantes é, em primeiro lugar, conter as infecções. Se todo mundo estiver completamente imunizado, haverá uma queda na circulação do vírus e na geração de variantes”, explica Schleiss.

“Havia um monte de especialistas falando em desigualdade de vacinas desde o começo do ano, e o que os países fizeram?” questiona o pesquisador. “O que acontece com uma criança em Botsuana tem impacto no que pode acontecer com meus filhos”.

“Não podemos dar apenas 100 mil doses para um país com 5 milhões de pessoas. Temos que dar vacinas em quantidade suficiente para fazer a diferença”, defende Pekosz. Também é necessário ajudar os países mais pobres a criarem estruturas para distribuir os imunizantes. Vacinas de RNA, como a da Pfizer, precisam ser mantidas sob refrigeração, o que gera dificuldades extras.

Os especialistas explicam que ainda é preciso esperar dados mais claros para ter certeza se esta variante será de fato mais perigosa e que estas informações deverão ser obtidas em um prazo entre uma e três semanas. “O dado mais importante será o quão rápido o vírus é capaz de se espalhar. Se ele se transmitir pouco, nos gerará menos preocupação”, considera Pekosz.

“Há dois tipos de dados em análise: os vindos dos humanos e os de laboratório. Na parte humana, precisamos ver se o vírus se transmite de forma rápida entre as pessoas, se consegue atingir pessoas que já foram imunizadas ou que tiveram a doença antes, e em que intensidade. E, no laboratório, serão feitos testes com o vírus para ver se as vacinas e os remédios atuais conseguem neutralizá-lo, e em que nível”, explica Gordon.

Mesmo que as vacinas tenham efetividade menor contra o vírus, elas poderão ser modificadas para serem usadas contra a nova variante: pode-se manter a mesma estrutura, e trocar o modelo de vírus em uso.

“Será muito fácil mudar as vacinas para focá-las na variante ômicron e produzi-las em massa. A questão é que os países e as agências reguladoras precisam entender que já fazemos isso com outros vírus, como o da gripe, e que não será preciso passar por todo um processo de testes clínicos desde o começo”, aponta Pekosz.

Scheiss, que também é pediatra, aponta que ainda não há dados que mostrem se a ômicron pode atingir as crianças de modo mais intenso. A vacinação para menores de 12 anos ainda não foi liberada na maioria dos países, incluindo o Brasil.

A Anvisa analisa um pedido de autorização da Pfizer para aplicar o imunizante em crianças maiores de cinco anos, como foi liberado nos EUA. A empresa pretende também pedir autorização para vacinar crianças com idade a partir de seis meses.

Enquanto as respostas estão sendo buscadas, os cientistas consideram que a medida mais importante é avançar a vacinação para as pessoas que ainda não a tomaram. “Usar máscara também continua altamente recomendado. E é preciso prestar atenção às condições locais. Se o número de casos subir muito, você deveria reduzir as interações que tem, especialmente as interações de risco, como se reunir em espaços abertos em vez de espaços fechados, por exemplo. Pequenas mudanças no comportamento das pessoas podem fazer uma grande diferença no curso da pandemia”, sugere Gordon.

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