Kim faz 10 anos como ditador mão de ferro em uma Coreia do Norte ainda mais isolada
No poder, acelerou o programa nuclear e terminou por cerrar ainda mais as sólidas fronteiras do país
THIAGO AMÂNCIO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Mundo sabe pouco sobre filho escolhido para suceder Kim”, dizia a primeira menção a Kim Jong-un no jornal Folha de S.Paulo, em 2009, ocasião em que ele foi apontado como herdeiro do comando da ditadura da Coreia do Norte quando Kim Jong-il morresse. “Maior parte das informações vem de um sushiman que trabalhou para o governo”, ressaltava o texto.
Pouco mais de dois anos depois, o homem que até então pouco havia aparecido em público guiava o caixão do pai, morto em 17 de dezembro de 2011, e se preparava para virar o novo líder do país.
Aquela primeira reportagem ouviu analistas políticos que diziam que “independentemente de quem venha a ser a figura de fachada” à frente da Coreia do Norte, as “decisões realmente importantes” provavelmente seriam tomadas não por ele, mas por homens fortes do regime.
Nesses dez anos que se passaram, o Respeitado Líder Supremo Camarada Kim Jong-un –como a mídia estatal costuma se referir a ele–, mostrou-se um líder poderoso. No poder, acelerou o programa nuclear e ensaiou uma saída do isolamento ao se reunir com o então presidente americano Donald Trump, mas terminou por cerrar ainda mais as sólidas fronteiras do país.
“Em geral, a principal conquista de Kim foi ter sobrevivido”, diz à reportagem Clark Sorensen, professor emérito da Universidade de Washington e diretor do Centro de Estudos da Coreia da instituição, que vê como grande mérito do ditador sua consolidação no poder.
Tido como um fantoche dos generais do país nos primeiros anos no posto, Kim galgou legitimidade por vezes com uso de violência, chegando a determinar a execução por traição do tio e principal conselheiro político, Jang Song-thaek –que era considerado o líder de fato do país nos últimos anos de Kim Jong-il no poder.
Houve ainda ao menos outra execução em família, a do irmão do ditador, Kim Jong-nam, em 2017, na Malásia, com um agente nervoso. Investigações apontaram que o governo norte-coreano contratou o assassinato.
Mas o que analistas acreditam que ajuda a definir esta década de Kim à frente da Coreia do Norte é a corrida nuclear, com quatro testes de armas atômicas e o desenvolvimento de mísseis que teriam alcance suficiente para atingir os Estados Unidos.
A princípio, os movimentos isolaram ainda mais o país, considerado o mais fechado do mundo, mas depois serviram de trunfo justamente para o oposto: como moeda de negociação para o alívio de sanções internacionais.
O ápice da projeção de Kim veio a partir de 2018, quando negociou uma possível desnuclearização com Trump. Os encontros chamaram a atenção, já que meses antes o republicano prometia “fogo e fúria” contra o ditador, a quem se referia como “homenzinho do foguete” e “cachorrinho doente”, entre outros epítetos menos elogiosos, em um período de escalada de tensões que acendeu o alerta para uma possível guerra.
Foram três reuniões entre os dois mandatários: em Singapura, no Vietnã e na zona desmilitarizada da Coreia, quando Trump foi o primeiro presidente dos EUA a pisar em solo norte-coreano.
A relação, porém, não engatou, e os dois países nunca avançaram em um acordo com resultados concretos. “Essa tentativa de romper o isolamento acabou não trazendo benefícios a longo prazo para a Coreia do Norte, talvez devido às expectativas irrealistas sobre o que Trump faria no sentido de aliviar as sanções”, diz Sorensen.
Ele aponta ainda que o regime não respondeu mais às tentativas de reaproximação do presidente sul-coreano Moon Jae-in e que hoje a Coreia do Norte está mais fechada do que em qualquer momento de sua história recente.
Desde que a Covid-19 irrompeu na vizinha China, a Coreia do Norte se trancou e assim permanece, o que afetou o abastecimento e ampliou a crise. O país, como quase todas as nações do mundo, viu o PIB despencar 4,5% no primeiro ano da pandemia, segundo projeção do Bank of Korea, consolidando a trajetória errante de uma economia que se acostumou nos últimos anos a crescer e encolher sem uma tendência clara.
O país ainda não começou a vacinar sua população e, isolado, afirma que não registrou nenhum caso de Covid –ainda que o dado careça de legitimidade.
Mesmo com a projeção alcançada durante a aproximação com os EUA sob Trump, o regime norte-coreano mantém quase que o mesmo mistério sobre o líder do regime destacado pela reportagem da Folha de S.Paulo de 2009.
São escassas as informações sobre sua vida pessoal e não se sabe quantos filhos tem. O próprio Kim passou semanas desaparecido em 2020, além de ter saído dos holofotes em diversas ocasiões neste ano. Quando ressurgiu com 20 quilos a menos, voltaram rumores sobre seu estado de saúde –um tabloide sul-coreano chegou a dizer que um dublê vinha aparecendo no lugar do ditador.
Para os próximos dez anos, a expectativa de observadores é que Kim dobre a aposta e consolide sua posição como único líder do país. Ele já tem reforçado aparições públicas, e Pyongyang passou a usar o termo “Kimjongunismo” para se referir à ideologia política dominante hoje no país (que seria independente do “Kimjongilismo” e do “Kimilsungismo”, de seu pai e seu avô, respectivamente).
O regime chegou inclusive a retirar de uma sala de conferência do Partido dos Trabalhadores da Coreia as fotos dos dois ditadores que o antecederam, em um processo de apagamento comum nas sucessões do país. Kim trabalha com mão de ferro para que suas próprias fotos não sejam substituídas em breve.