Julgamentos de casos envolvendo questões raciais marcaram os EUA em 2021

"De certa forma, o assassinato de Floyd e os protestos que se seguiram funcionaram como uma 'educação' para a maioria dos americanos", diz Bennett Capers

Folhapress Folhapress -

LUCAS ALONSO
BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Se o ano passado viu uma nova onda de manifestações antirracismo em resposta a episódios de violência extrema contra pessoas negras, como o assassinato de George Floyd, 2021 foi marcado por uma série de julgamentos de alguns dos casos que alimentaram a indignação dos manifestantes nos Estados Unidos.

O principal deles foi o que condenou Derek Chauvin, ex-policial filmado por testemunhas com o joelho sobre o pescoço de Floyd, a 22 anos e meio de prisão.

Embora tenha sido comemorada por ativistas como os do movimento Black Lives Matter, a decisão por óbvio não representa o fim do racismo ou da violência policial que, estatisticamente, atinge homens e mulheres de pele negra com mais frequência nos EUA.

Para Bennett Capers, diretor do Centro de Raça, Direito e Justiça da Universidade Fordham, em Nova York, há pelo menos dois elementos que se destacam no balanço dos casos envolvendo questões raciais: promotores estão mais dispostos a abrir processos contra policiais e o público está mais disposto a responsabilizar agentes violentos.

“De certa forma, o assassinato de Floyd e os protestos que se seguiram funcionaram como uma ‘educação’ para a maioria dos americanos, que não tinham ideia de quão difundida é a violência policial contra pessoas negras”, diz.

Nos casos em que a decisão da Justiça não foi exatamente a que esperavam os ativistas antirracistas –como o de Kyle Rittenhouse, adolescente branco inocentado pelo júri depois de ter matado dois homens e ferido um terceiro durante um protesto em Kenosha–, o professor avalia que pode haver ganhos coletivos em termos de debate público.

“Mesmo na ausência de mudanças estruturais, a mudança cultural pode acontecer. Há alguns anos, poucos americanos tinham ouvido falar em imunidade qualificada. Agora, se tornou parte da conversa.”

O mecanismo é uma espécie de excludente de ilicitude que, na prática, impede policiais de serem responsabilizados criminalmente por eventuais uso excessivo de força e violações de direitos constitucionais. Projetos de lei tramitam nos EUA para encerrar a imunidade, mas ela segue vigente.

Outras mudanças estruturais acabaram esbarrando no Legislativo profundamente dividido do país. Exemplo disso foi a “Lei George Floyd de Justiça no Policiamento”: aprovada pela Câmara em março, ela travou no Senado em setembro, com a falta de consenso entre democratas e republicanos, e continua emperrada.

Entre outras medidas, o projeto prevê a proibição de estrangulamentos em ações policiais, o fim dos mandados de segurança que permitem que agentes entrem em lugares sem se anunciar –como na ação que matou Breonna Taylor– e a criação de um registro nacional de má conduta policial.

Embora seja assertivo em apontar falhas no sistema judicial americano e destacar o peso que a divulgação desses casos exerceram sobre a opinião pública, Capers é cauteloso quando questionado sobre a preparação da sociedade para lidar com questões raciais. “O tempo vai dizer. Nos EUA, os avanços raciais geralmente são seguidos por um recuo. Então, veremos”, diz.

 

George Floyd

Assassinado em Minneapolis em maio de 2020, aos 46 anos, Floyd se tornou um símbolo da nova onda de protestos contra o racismo e a violência policial nos EUA. Derek Chauvin, o agente flagrado pressionando o joelho contra o pescoço de Floyd a despeito de advertências de que o homem não conseguia respirar, foi considerado culpado pelo crime em abril de 2021 e, dois meses depois, condenado a 22 anos e meio de prisão por três modalidades diferentes de homicídio.

No último dia 15, Chauvin voltou ao tribunal e se declarou culpado pela acusação de violar direitos constitucionais de Floyd. Os promotores pediram que a Justiça o condene a 25 anos de prisão, concomitantes à sentença anterior –ou seja, sua pena pode ser estendida em dois anos e meio.

A admissão de culpa evitou um novo julgamento sobre o crime federal que, segundo juristas ouvidos pela imprensa dos EUA, poderia levar Chauvin à prisão perpétua. Atualmente, o ex-policial está preso em uma cela individual, de nove metros quadrados, de onde tem permissão para sair durante uma hora por dia.

 

Ahmaud Arbery

Em fevereiro de 2020, aos 25 anos, Arbery se exercitava praticando corrida em um bairro de maioria branca na cidade de Brunswick, na Geórgia. Ele foi morto pelo tiro de uma espingarda disparada por um morador que o perseguia junto com o pai e um vizinho.

Os três homens brancos alegaram que, ao ver um homem negro correndo, assumiram que era um criminoso. Embora o caso tenha se tornado público, os três só foram acusados criminalmente quando um vídeo que registrou toda a ação foi divulgado.

No final de novembro, Gregory McMichael, 65, seu filho Travis, 35, e o vizinho William “Roddie” Bryan, 52, foram condenados pelo júri pela morte de Arbery. As sentenças devem ser anunciadas em 7 de janeiro e podem chegar à prisão perpétua. Em fevereiro, um novo julgamento decidirá se os três são culpados de crimes de ódio –os promotores afirmam que os réus escolheram Arbery como alvo por ele ser negro.

 

Kyle Rittenhouse

Rittenhouse, 18, respondeu a acusações de, entre outros crimes, homicídio e tentativa de homicídio por ter atirado em Joseph Rosenbaum, Anthony Huber e Gaige Grosskreutz –os dois primeiros morreram em decorrência dos ferimentos.

Alegando ter agido em legítima defesa, ele foi inocentado em novembro. O caso se difere dos demais porque os três baleados –que não puderam ser chamados de vítimas durante o julgamento– eram brancos. A ação aconteceu, porém, durante um protesto contra o racismo e a violência policial em Kenosha, no estado de Wisconsin.

 

Jacob Blake

Em agosto de 2020, aos 29 anos, Blake foi baleado quatro vezes pelas costas por um policial branco durante uma abordagem em Kenosha, também registrada em vídeo. Segundo a polícia, dois agentes estavam no local em resposta a um chamado de incidente doméstico.

Blake sobreviveu aos disparos, mas foi internado em estado crítico, chegou a ser algemado ao leito no hospital e ficou paralisado da cintura para baixo. De acordo com os investigadores, ele estava armado com uma faca, o que teria levado o policial a atirar.

Em outubro deste ano, o Departamento de Justiça dos EUA decidiu não acusar o agente pelos disparos contra Blake por considerar que as “evidências obtidas são insuficientes para provar que o oficial usou força excessiva intencionalmente.”

 

Daunte Wright

Wright, aos 20 anos, foi morto em abril depois de ser atingido por uma policial que alegou ter disparado sua arma de fogo por engano –ela diz que pretendia disparar uma arma de choque. O episódio aconteceu em Brooklyn Center, Minnesota, a cerca de 20 km do local onde George Floyd foi assassinado.

No vídeo da ação, filmado pela câmera acoplada à farda dos agentes, ouve-se uma voz, atribuída à agora ex-policial Kimberly Potter, gritando “taser, taser”, nome dado a uma arma de choque para imobilizar pessoas em fuga. Em outro trecho do vídeo, depois do tiro, ouve-se a mesma policial dizendo: “Puta merda. Eu atirei nele”. Segundo a defesa da agente, ela se confundiu e usou a arma de munição letal.

Na semana passada, Potter foi condenada por homicídio culposo, crime que pode acarretar pena de até 15 anos de prisão. O anúncio da sentença está previsto para 18 de fevereiro.

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