Empresa contratada pela Aeronáutica é condenada por trabalho análogo à escravidão em construção de hangar
Operários eram de Sergipe, Pernambuco e Paraná e vieram para Anápolis em busca de trabalho
Vinicius Sassine, Brasília – A Justiça do Trabalho condenou uma empresa contratada pela Aeronáutica a pagar indenizações coletiva e individuais em razão de condições análogas à escravidão a que foram submetidos trabalhadores de uma obra na Base Aérea de Anápolis (GO).
Sete operários da Shox do Brasil Construções foram resgatados em novembro de 2020 pelo grupo móvel de combate ao trabalho escravo, formado por auditores fiscais do trabalho e MPT (Ministério Público do Trabalho).
Os trabalhadores passavam fome no alojamento em Anápolis e chegaram a fritar formigas tanajuras para comer, segundo os documentos da fiscalização.
O grupo atuava na construção de um hangar na Base Aérea destinado a ser um espaço de manutenção do avião cargueiro KC-390, uma das apostas da Aeronáutica em termos de logística aérea.
O contrato com a Shox tem o valor de R$ 15,3 milhões. Quando houve o resgate dos trabalhadores, 30% da estrutura metálica estava pronta.
Após a publicação da reportagem, a Aeronáutica afirmou, em nota, que segue a lei para contratação e fiscalização de serviços. “A FAB [Força Aérea Brasileira] não é ré e acompanha o processo apenas como terceira interessada. Eventual condenação é dirigida à empresa, não à FAB.”
O contrato segue em andamento, disse a Aeronáutica. “A FAB repudia qualquer descumprimento da legislação vigente e acompanha permanentemente a execução do contrato assinado”, cita a nota.
O advogado da Shox, Roseval Rodrigues Filho, afirmou que a empresa não concorda com a imputação de condição análoga à escravidão e com a sentença na primeira instância da Justiça. Ele disse que vai entrar com recurso contra a decisão.
Segundo Rodrigues, a acusação de condições inadequadas não se refere à obra dentro da Base Aérea, mas ao alojamento dos trabalhadores.
“O alojamento ficava fora da Base Aérea e da supervisão da Base Aérea”, afirmou o advogado. Ele disse ainda que a obra foi desembargada no dia seguinte e que segue sendo executada.
No curso do processo, a Justiça do Trabalho chegou a determinar um bloqueio de valores junto ao comando da Aeronáutica, como forma de garantir o pagamento de uma eventual indenização, atendendo a um pedido do MPT. O bloqueio foi derrubado pela própria Justiça, antes da sentença que condenou a Shox a pagar indenizações.
A partir da ação do MPT, a juíza do Trabalho Nayara dos Santos Souza, que atua em Anápolis, condenou a Shox a pagar uma indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 500 mil. O dinheiro deve ser destinado ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
A indenização por dano moral individual é de R$ 5 mil, além das rescisões trabalhistas, custeio de passagens rodoviárias e alimentação para o retorno dos trabalhadores aos estados de origem.
Os sócios da Shox, conforme a sentença, devem deixar de utilizar mão de obra de trabalhadores migrantes em futuros empreendimentos e deixar de reduzir operários a uma condição de escravos, por submissão a trabalho degradante.
A causa na Justiça tem um valor total de R$ 1 milhão, segundo a sentença assinada no último dia 26.
“O complexo probatório demonstra não só as condições precárias do alojamento como também irregularidades no fornecimento da alimentação aos trabalhadores, restando configurado portanto o trabalho em condições análogas à de escravo, na modalidade trabalho degradante”, afirmou a juíza.
“As atitudes ilícitas perpetradas pela demandada caracterizam desrespeito à dignidade do trabalhador e à coletividade na qual estão inseridos. A indenização serve de mínima compensação ao dano moral sofrido”, disse na sentença.
Os trabalhadores moravam em um alojamento que fica a 4 km da Base Aérea. Eles faziam o serviço diariamente, inclusive aos sábados, domingos e feriados com frequência, conforme constatação dos fiscais.
Na casa onde foram instalados, os auditores fiscais e procuradores encontraram falta de condições mínimas de acomodação e de higiene, além da falta de comida.
Durante a operação, auditores foram informados que fiscais do contrato, a serviço da Aeronáutica, já tinham conhecimento do que se passava no alojamento.
O espaço era de responsabilidade de uma empresa terceirizada. Com o rompimento do contrato com essa empresa, o alojamento passou a ser uma atribuição da contratada principal, a Shox, segundo a equipe de fiscalização.
A empreiteira também ficou responsável pela contratação de parte dos trabalhadores.
Os operários resgatados eram de Sergipe, Pernambuco e Paraná. Eles afirmaram que só recebiam as refeições nos dias em que trabalhavam e que, em diferentes ocasiões, não tinham o que comer no alojamento.
Os trabalhadores corriam risco de choque elétrico, amputações, fraturas, lacerações e queda de pontos altos da estrutura metálica montada dentro da Base Aérea de Anápolis. Esses riscos foram detalhados em relatórios de vistoria. A obra do hangar chegou a ser embargada.