Corte de Portugal rejeita indicação de professor contrário ao direito ao aborto

Escolha dos membros do TC (Tribunal Constitucional) costuma ser feita sem grandes perturbações

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(Foto: Flickr)

GIULIANA MIRANDA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – O professor universitário António Manuel Almeida Costa, contrário ao aborto mesmo em caso de estupro e defensor de restrições ao trabalho da imprensa, teve sua indicação para a mais alta corte de Portugal, o Tribunal Constitucional, rejeitada nesta terça-feira (31).

Segundo analistas, o resultado considerado inesperado está ligado à rejeição ao nome do docente galvanizada com a pressão pública que se mobilizou após posições consideradas virem à tona com o vazamento da notícia de sua indicação.

A escolha dos membros do TC (Tribunal Constitucional), cujos mandatos duram nove anos e não têm possibilidade de recondução, costuma ser feita sem grandes perturbações.

Dos 13 juízes, 10 são indicados pelo Parlamento, com sessões públicas de escrutínio –como se dá nos EUA e no Brasil, onde os candidatos são nomeados pelo presidente. Os 3 restantes são escolhidos pelos magistrados que já compõem o tribunal, num processo sem sabatinas e feito longe do público.

Normalmente, o nome do novo integrante só é divulgado depois que o trâmite está concretizado.

Desta vez, porém, a situação foi diferente. O nome de Almeida Costa foi vazado à imprensa com antecedência, em uma indicação clara de descontentamento interno no próprio TC.

Como na divulgação de um rascunho de voto da Suprema Corte americana que deve reverter o direito ao aborto no país, o caso português pareceu ser uma manobra que chamasse a atenção para o tema, tentando mudar o quadro aparentemente já definido.

As indicações internas dos magistrados, chamadas tecnicamente de cooptações, são guiadas por algumas regras não escritas. Para tentar conferir algum equilíbrio ideológico, embora os votos respeitem diferentes motivações, as três vagas são distribuídas normalmente da seguinte forma: uma indicação mais progressista, uma mais conservadora e outra centrista.

Apontado pelos cinco juízes mais à direita, Almeida Costa precisava conquistar ao menos outros dois apoios para conseguir a aprovação. Três dos magistrados ligados ao Partido Socialista já haviam deixado claro que se oporiam à entrada do professor; a posição dos demais permanecia uma incógnita.

O placar final da votação não foi informado. Em nota, o Tribunal Constitucional limitou-se a informar que “o processo relativo ao nome proposto foi concluído sem que se tenha procedido à cooptação”. Ainda segundo o texto, o trâmite de um novo indicado será retomado em breve.

A visibilidade do caso fez com que políticos e juristas se manifestassem a favor de mais transparência no processo de escolha dos membros da mais alta corte do país, que em breve irá debater temas como a legalização da eutanásia.

Professor universitário de direito penal e membro do Conselho Superior do Ministério Público, António Manuel Almeida Costa, 66, é classificado como ultraconservador por seus pares. Além de revelar a indicação do nome do docente, reportagem do Diário de Notícias trouxe à tona seu posicionamento quanto ao aborto.

Em 1984, ele assinou um artigo em que defendia que a interrupção voluntária da gravidez não deveria ser liberada nem em caso de estupro –apenas em quadro de risco de morte iminente da gestante. O texto citava pesquisas que indicariam serem raros casos de gravidez após estupros, mas as referências não tinham credibilidade científica e estavam ligadas a movimentos contrários ao direito ao aborto nos EUA. Um dos trabalhos embasava as conclusões em “experimentos” conduzidos em campos de concentração nazistas durante o Holocausto.

Anos depois, o professor voltou a assinar textos condenando a interrupção voluntária da gravidez, que foi descriminalizada em Portugal em 2007, após um referendo.

Em 2019, em audição para o Conselho Superior do Ministério Público no Parlamento, o professor defendeu a imposição de limites à liberdade de imprensa e acusou os deputados de falta de vontade para punir jornalistas que revelem informações protegidas sob segredo de Justiça.

Almeida Costa afirmou que a imprensa se refugia na defesa do sigilo da fonte para violar o mecanismo jurídico. A posição do professor é contrária ao entendimento à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

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