Hong Kong impõe 2º ano de silêncio a vigília do massacre da Praça da Paz Celestial
Data foi a maior manifestação pró-democracia registrada na China e reprimida de forma brutal pelo regime
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ilha de Hong Kong observou, pelo segundo ano consecutivo, relativo silêncio durante o aniversário do massacre da Praça da Paz Celestial, maior manifestação pró-democracia registrada na China e reprimida de forma brutal pelo regime. Os que quiseram marcar a data tiveram de fazê-lo com discrição neste sábado (4).
A líder da região, Carrie Lam, que em breve deixa o cargo, informou nesta semana que quaisquer eventos para lembrar o episódio estariam sujeitos à lei de segurança nacional, mecanismo imposto há dois anos por Pequim para acirrar o cerco a opositores locais.
O massacre, que completa 33 anos, ocorreu quando o regime enviou tanques e tropas para reprimir manifestantes pacíficos que ocupavam havia semanas a praça Tiananmen -ou da Paz Celestial- para exigir mudanças políticas. A repressão causou um número incerto de mortes, mas estimativas apontam que a cifra pode passar de mil.
Os tradicionais locais de vigília em Hong Kong, como o parque Victoria, assim como campos de futebol e quadras de basquete, amanheceram vazios, cena bem diferente da observada antes de 2020. Centenas de policiais, alguns com cães farejadores, patrulhavam a área.
“Lembrar é resistir”, disse à agência Reuters o advogado de direitos humanos chinês Teng Biao, que está nos Estados Unidos. “Se ninguém se lembrar, o sofrimento das pessoas nunca vai parar, e os perpetradores continuarão seus crimes impunemente”, seguiu.
Entre os moradores, no entanto, pesava o temor. O honconguês Victor, 57, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, relatou à Reuters que todos estão em silêncio porque têm medo de ser presos. Alguns, de fato, foram detidos após tentarem fazer pequenos protestos na noite de sexta-feira (3) no horário local.
Três artistas de rua encenaram pequenas performances com referências sutis a Tiananmen, segundo relato da agência AFP. Uma mulher foi levada pela polícia após tentar esculpir uma batata em forma de vela e fingir que iria acendê-la, e um homem de camiseta preta também foi levado pelos agentes de segurança.
Um ex-líder da Aliança de Hong Kong, que antes organizava as vigílias, foi cercado e revistado por policiais enquanto caminhava pelo bairro ao redor do parque Victoria com um buquê de rosas vermelhas e brancas nas mãos. Já outro líder, Lee Cheuk-yan, anunciou que jejuaria neste sábado em homenagem aos mortos no massacre.
A persistência da repressão reverberou também em Taiwan, território autônomo que Pequim descreve como uma província rebelde. Atos públicos em referência ao episódio devem ocorrer na capital Taipé, e a presidente Tsai Ing-wen criticou que a memória coletiva do 4 de junho esteja sendo negada em Hong Kong.
“Acreditamos que essa força brutal não pode apagar a memória das pessoas”, escreveu a líder em suas redes sociais. “Quando a democracia está ameaçada e o autoritarismo no mundo está se expandindo, precisamos ainda mais defender os valores democráticos.”
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, também comentou o fato. Em um comunicado, chamou a repressão de um ataque brutal, e seguiu: “Os esforços desses corajosos indivíduos não serão esquecidos; todos os anos, homenagearemos e lembraremos aqueles que defenderam os direitos humanos e as liberdades fundamentais”.
Pequim voltou a reforçar sua linha de interpretação sobre o episódio na praça da Paz Celestial. O porta-voz da chancelaria chinesa Zhao Lijian disse, na quinta-feira (2), durante entrevista coletiva, que “o governo há muito chegou a uma conclusão clara sobre o incidente político que aconteceu no final dos anos 1980”.
Desde que a repressão chinesa avançou em Hong Kong, marcadamente após as manifestações pró-democracia na ilha ao longo de 2019, foram inúmeras as medidas para suprimir o legado das mobilizações.
No último mês de dezembro, por exemplo, uma escultura de oito metros de altura em memória das vítimas do massacre foi removida por seguranças do campus da Universidade de Hong Kong.
Batizado de “Pilar da Vergonha”, o monumento retratava 50 rostos angustiados e corpos dilacerados empilhados uns sobre os outros. A estátua estava no campus da universidade mais antiga da ilha desde 1997, quando a ex-colônia britânica foi devolvida a Pequim.