Haddad toma posse e promete nova regra fiscal neste semestre

Em primeiro discurso, ministro buscou passar uma mensagem de responsabilidade com as contas públicas

Folhapress Folhapress -
***ARQUIVO***BRASÍLIA, DF, 28.12.2022 – Fernando Haddad, ministro da Fazenda do governo Lula. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

IDIANA TOMAZELLI, NATHALIA GARCIA E JULIO WIZIACK
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O advogado e economista Fernando Haddad (PT) assumiu o Ministério da Fazenda nesta segunda-feira (2) reafirmando o compromisso de enviar ao Congresso Nacional ainda no primeiro semestre a proposta de um novo arcabouço fiscal, em substituição ao teto de gastos.

Em seu primeiro discurso após ser empossado no cargo, Haddad buscou passar uma mensagem de responsabilidade com as contas públicas, combate à inflação e prioridade social.

Embora o discurso de que responsabilidade social e controle do endividamento tenha sido ressaltado pelo novo governo desde que Haddad foi indicado para a Fazenda, investidores e economistas têm mostrado preocupação com manifestações que apontam para aumento dos gastos públicos e da intervenção estatal na economia.

Nesta segunda, primeiro dia do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o dólar abriu em forte alta, que chegou a superar 1% às 9h15.

“Além de trabalhar com toda ênfase na recuperação das contas públicas, é preciso combater a inflação. É preciso fazer o Brasil voltar a crescer com sustentabilidade e responsabilidade. Mas, principalmente, com prioridade social.

Com geração de empregos, oportunidade, renda, salários dignos, comida na mesa e preços mais justos”, afirmou.

Sob pressão para entregar uma melhora nas contas públicas, Haddad criticou a herança econômica deixada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). “A expressão ‘arrumar a casa’ tornou-se uma metáfora comum nos discursos dos que iniciam um novo governo, uma nova administração. Mas ouso dizer, sem o receio de cometer exageros, estamos mais próximos da necessidade de reconstruir uma casa do que simplesmente arrumá-la”, afirmou.

O novo ministro classificou as medidas da gestão anterior como “os golpes mais duros” contra a população e ressaltou que, muitas vezes, os atos “contrariaram o bom senso e a recomendação de técnicos da Economia”.

Ele citou como exemplos a inclusão indevida de famílias no programa de benefícios sociais e a distribuição de “benesses e desonerações fiscais” para empresas. “Estamos falando, portanto, de um rombo de cerca de R$ 300 bilhões, provocado pela insanidade”, disse.

Em uma tentativa de transmitir uma mensagem de compromisso com a austeridade fiscal, Haddad prometeu reduzir o rombo contratado para este ano, após a aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para autorizar o aumento de gastos.

“Não aceitaremos um resultado primário que não seja melhor do que os absurdos R$ 220 bilhões de déficit previstos no Orçamento para 2023”, afirmou.

O ministro também reafirmou o compromisso de encaminhar, ainda no primeiro semestre do ano, uma proposta de nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos -classificado de “estupidez” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um dos discursos de posse no domingo (1º). Ao fazer a promessa, Haddad foi aplaudido pela plateia, composta de servidores, empresários e representantes dos governos estaduais.

“Se você se propõe uma meta inalcançável, você não tem meta”, afirmou o ministro, sinalizando que buscará metas ambiciosas para motivar resultados.

“Não gosto de trabalhar com remendos. Vamos apresentar nos primeiras semanas de governo as medidas necessárias para retomar a confiança”, disse.

Haddad dá início aos trabalhos já com os principais integrantes de sua equipe definidos para cumprir a missão dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de promover a distribuição de renda e reduzir o abismo que separa ricos e pobres.

Para os cargos mais importantes -o chamado núcleo duro da pasta- Haddad escolheu o economista do PT Guilherme Mello (Secretaria de Política Econômica), Rogério Ceron (Secretaria do Tesouro Nacional), Robinson Barreirinhas (Secretaria da Receita Federal), e Marcos Barbosa Pinto (Secretaria das Reformas Econômicas).

Haddad já trabalhou com Barreirinhas e Ceron quando foi prefeito de São Paulo (2013-2016) e com Barbosa Pinto, no Ministério do Planejamento durante o primeiro mandato de Lula.

Economistas de grandes bancos e corretoras ouvidos pela Folha de S.Paulo reservadamente avaliam que os escolhidos sinalizam para uma gestão de mais peso estatal na condução da economia.

Eles esperavam nomes que pudessem demonstrar compromisso com o corte de gastos, mas Haddad preferiu ter assessores de sua confiança.

O braço direito de Haddad no ministério será Gabriel Galípolo. Ele assumirá a secretaria-executiva, coordenando toda a equipe e substituindo o ministro quando ele precisar se ausentar.

Recentemente, Galípolo deu declarações públicas defendendo a atuação de bancos públicos, algo que causou estranheza no mercado financeiro, de onde ele saiu. Galípolo foi presidente do Banco Fator até 2021 e se tornou mais próximo de Haddad durante a campanha.

Haddad nomeou outros integrantes da equipe. Um deles é Bernard Appy, que vai trabalhar na reforma tributária, uma das prioridades da pasta. Ele é um dos autores do projeto de lei sobre o tema que tramitou no Congresso em torno do qual, segundo lideranças partidárias, há consenso.

A procuradora da Fazenda Fernanda Santiago cuidará dos assuntos jurídicos da pasta e Tatiana Rosito, da área internacional.

O colunista da Folha de S.Paulo Mathias Alencastro também será assessor especial.

Para procuradora-geral da Fazenda Nacional, Haddad escolheu Anelize Lenzi de Almeida.

Um empresário muito próximo a Lula afirmou reservadamente que o presidente quer fazer o melhor mandato da história e definiu a economia como um dos pilares.

Para isso, delegou a Haddad a tarefa de implementar reformas -especialmente a tributária-, estimular concessões, e baixar medidas que promovam a distribuição de renda e o estímulo ao que Lula chamou de “consumo popular”.

Para economistas de grandes bancos, esse desafio será enorme porque não há espaço fiscal para despesas ou subsídios na economia -que turbinaram os governos Lula 1 e Lula 2, muito marcados pela ascensão da classe C como força motriz do PIB.

Sem gerar novas receitas -elevando a carga tributária ou abrindo mão de receita de impostos por meio de desonerações ou reduções de alíquotas- será praticamente impossível estimular uma onda consumista pela baixa renda.

A ideia, segundo assessores, é tentar viabilizar uma política de crédito por meio de fundos com avais garantidos por recursos do Tesouro ou do FGTS. Por esse mecanismo, o tomador pagaria uma taxa que retroalimentaria essa ciranda financeira.

Essa política poderia favorecer empresas e empreendedores de pequeno porte, maiores empregadores do país.

Sinalização ao mercado Segundo relatos, apesar de ter consciência da expectativa do mercado, o presidente considera não haver oposição entre agradar aos investidores, banqueiros e empresários e, ao mesmo tempo, promover justiça social.

Lula quer Haddad conduzindo esse plano para que seja seu sucessor em 2026. Uma das principais tarefas do início de sua gestão será a definição da nova âncora fiscal -instrumento que dará as diretrizes de redução da dívida nos próximos anos.

Um banqueiro ouvido sob anonimato considera que esta medida selará o destino de Haddad com o mercado. Se mostrar descompromisso com a redução do endividamento, acaba a simpatia inicial com o governo.

Dizem que, ao menos nos primeiros dois anos, é possível para a economia tolerar mais gastos sociais, desde que a equipe econômica defina como pretende reduzir essa dívida no futuro, de forma sustentável.

Banqueiros e empresários ouvidos dizem que gostariam de menos gastos porque, quanto maior o endividamento público, mais dinheiro o governo precisa tomar em empréstimos na praça -o que reduz a quantidade de dinheiro disponível para crédito, principalmente pelas empresas para financiar a produção.

Para Isaac Sidney, presidente da Febraban, a federação dos bancos, o desafio do ministro será conciliar visões tão distintas dos integrantes da equipe econômica.

Em nota, ele disse esperar “que o novo time atue com racionalidade para construir as soluções para os graves problemas econômicos e sociais que o país vive.”

“Para tanto, ressalto a importância de o país perseguir, sem hesitação, o equilíbrio das contas públicas, premissa para o desenvolvimento social”, disse.

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