‘Quanto maior, melhor’: mercado de iates vive boom no Brasil

Demanda tem sido tanta que a pronta-entrega praticamente zerou

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Abramovich esconde iates de R$ 8,5 bi na Turquia por causa da guerra, diz jornal (Foto: Divulgação)

RAFAEL BALAGO E THIAGO BETHÔNICO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Milionários e bilionários nunca compraram tantos iates quanto agora. Impulsionado pela pandemia, o mercado de embarcações de luxo atingiu um patamar inédito no Brasil, com recordes de venda e interesse por tamanhos cada vez maiores.

A demanda tem sido tanta que a pronta-entrega praticamente zerou. Quem faz questão de um modelo específico só tem a opção de esperar.

A fila para alguns dos barcos mais desejados chega a dois anos, como é o caso do Grande 27 Metri. O superiate de R$ 55 milhões é produzido pela marca italiana Azimut e ganhou notoriedade após ser adquirido pelo jogador Cristiano Ronaldo.

Especializada em grandes embarcações, com modelos a partir de R$ 8 milhões, a fabricante inaugurou em 2010 o seu único estaleiro fora da Itália. O lugar escolhido foi o Brasil, mais precisamente em Itajaí (SC), que produz em torno de 45 embarcações por ano.

Francesco Caputo, CEO da empresa, diz que este é o melhor momento que o setor vive em sua história. “A [indústria] náutica caiu do lado certo da pandemia. Foi um evento complicado, dramático, mas para alguns setores foi um grande impulso”, diz.

Sobre o 27 Metri, ele não nega que Cristiano Ronaldo ajudou a aumentar o interesse pelo modelo, mas o aquecimento do mercado também explica a alta procura. No Brasil, já foram vendidas 12 embarcações do tipo, e outras 60 no resto do mundo.

Embora não exista um padrão oficial, são considerados iates as lanchas com mais de 60 pés (18 metros de comprimento). Acima de 80 pés (24 metros), são chamadas de superiates.

A contar pelo comportamento dos clientes, a lógica que predomina é a do “quanto maior, melhor”.

Eduardo Colunna, presidente da Acobar (Associação Brasileira de Construtores de Barcos e seus Implementos), diz que optar por iates cada vez maiores se tornou uma tendência. “O percentual de pessoas que compram o primeiro barco e vão subindo para maiores é enorme.”

Segundo ele, o perfil de donos de embarcações de luxo é composto principalmente por empresários, que querem ter um barco para usar nos fins de semana, como se fosse uma casa de praia.

Entre os destinos mais procurados para navegar estão o litoral norte de São Paulo, Paraty (RJ) e Angra dos Reis (RJ). Apesar da extensa costa brasileira, de 7.500 quilômetros, apenas uma minoria percorre longas distâncias. “No Brasil não tem muito essa tradição.

Normalmente navega-se ao redor [da região onde se está]”, diz Colunna.

Gabriela Lobato Marins, CEO da BR Marinas, também notou o aumento no tamanho das embarcações. O grupo possui oito bases no estado do Rio de Janeiro, incluindo a Marina da Glória, na capital.

“Temos 2.000 barcos [atracados], e o pé médio aumenta a cada ano. Isso significa que a pessoa que tinha um barco menor está comprando um maior. A troca é sempre por um tamanho maior”, diz.

Segundo ela, o dono de um iate de 70 pés paga cerca de R$ 180 mil por ano para deixá-lo em alguma das marinas da rede, cuja taxa de ocupação deu um salto nos últimos anos. “Inauguramos uma marina em Paraty no meio da pandemia e ela já está completamente cheia.”

A explicação para o aquecimento desse mercado vem da pandemia, que agitou o setor náutico de várias formas. Ter uma morada sobre as águas para se isolar e, ao mesmo tempo, poder se deslocar com ela era uma boa vantagem.

Além disso, com as restrições para viagens internacionais, muita gente com dinheiro sobrando passou a considerar a ideia do iate próprio.

“Em vez de gastar em Nova York, gastaram comprando um barco para circular em Ubatuba”, diz Ernani Paciornik, presidente do Grupo Náutica, responsável pelo evento BoatShow.

Caputo, da Azimut, avalia que a crise sanitária trouxe um “senso de urgência” para aquelas pessoas que tinham condições financeiras para comprar um bem de luxo, mas postergavam a decisão –o que ajuda a explicar a quantidade de navegantes de primeira viagem nesse mercado.

Estes fatores levaram o setor a viver um boom. A procura foi tanta que, em 2020, o setor teve um crescimento de 25% em relação ao ano anterior, segundo a Acobar.

Em 2021, houve mais 20% de crescimento. Naquele ano, foram produzidos 3.500 barcos no país e o faturamento do setor foi de R$ 2 bilhões. Para 2022, ano em que os dados ainda não foram fechados, a expectativa é de crescimento de 25%.

A pequena redução de crescimento em 2021 não foi por falta de pedidos, mas de peças para fazer novos barcos. Com a alta procura, o setor teve de correr para se adequar.

“A pandemia foi o ápice do mercado náutico. As vendas foram lá em cima, os estaleiros zeraram a pronta entrega, a fila de espera subiu para um ano”, comenta Luciane Pereira, gerente comercial da Kamell, empresa atacadista de peças.

“Não era você que escolhia o barco, o barco que te escolhia, porque era o que tinha no mercado”, brinca.

A escassez gerou situações inusitadas. Em eventos, os modelos expostos não estavam à venda: eram emprestados pelos clientes para completarem os show-rooms. Luciane lembra o caso de um comprador cujo iate estava quase pronto, mas precisou esperar meses pela entrega dos puxadores de portas para concluir a montagem.

Alguns estaleiros criaram segundos e terceiros turnos para dar conta da demanda. E para contornar a falta de peças, uma opção foi transformar barcos de serviço em iates, aproveitando casco e estrutura e mudando a parte de cima.

Em meio a isso, o mercado de usados disparou. “Teve um cliente que tinha um barco de 50 pés que valia R$ 1,5 milhão e passou a valer R$ 3 milhões. Mas ele não quis vender, e preferiu reformá-lo”, conta Marco do Carmo, diretor da loja Yacht Collection.

No entanto, conforme a pandemia fica mais distante, o setor começa a sentir um vento frio chegando. “Daqui a pouco os preços começam a recuar. Muita gente às vezes tem necessidade de vender o barco e baixa o preço. A tendência é retornar a valores um pouco mais factíveis”, projeta Carmo.

Para 2023, o setor náutico começou o ano de olho nos movimentos do novo governo. Uma possível queda geral dos juros facilitaria os financiamentos de novos barcos. Também há dúvidas se benefícios fiscais serão mantidos.

Em março de 2022, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro zerou as tarifas de importação para motos aquáticas. Além disso, os iates –como os barcos em geral– são isentos de impostos sobre a propriedade, como o IPVA, algo que pode ser revisto em caso de uma eventual reforma tributária que busque cobrar mais impostos sobre bens de luxo.

Em 2007, o STF vetou a cobrança de IPVA sobre aviões e barcos, por entender que a taxa se aplica apenas a equipamentos terrestres. Desde então, houve tentativas de criar um novo imposto para abranger outros tipos de veículos.

Uma delas, o PLP 11/2021, apresentado na Câmara dos Deputados, propõe criar o Ipae (Imposto sobre a propriedade de aeronaves e embarcações), que cobraria 1% do valor venal dos veículos, de forma anual. O texto está sob análise da Comissão de Finanças.

“Propomos solução para essa enorme distorção na tributação, onde proprietários de carros populares pagam anualmente o IPVA e donos de jatinhos e iates são desonerados”, defendeu o então deputado Severino Pessoa (MDB-AL), na justificativa do projeto. Ele não se reelegeu em 2022.

Para os próximos anos, o setor também amplia o foco nas águas estrangeiras. “Se abriu uma janela muito grande para a exportação. Não tinha barco no mercado internacional, e os estaleiros brasileiros estavam preparados. Começou a ter muita exportação para Turquia, Dubai, outros países da América do Sul, abriu o mercado americano”, aponta Luciane.

A gerente avalia que, entre os estaleiros que atende, 70% da produção está sendo para exportação. “Estão investindo pesado nisso. O dólar subiu e isso foi excelente para os fabricantes.” Em 2021, o setor vendeu ao exterior US$ 120 milhões em produtos.

“O mercado tem altos e baixos, mas têm crescido de 5% a 10% ao ano nos últimos anos”, diz Carmo, da Yacht Collection. Ele avalia que o comportamento dos clientes vem mudando, porque as pessoas estão usando mais os veículos do que antes.

“Um tempo atrás, o status, a marca, falavam muito alto na decisão de compra. Hoje, o cliente está indo mais no produto que vai atendê-lo, como número de suítes, espaço interno e autonomia”, avalia. “Sempre que tem uma crise muito grande, a pessoa repensa a vida e começa a investir em si.”

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