Três indígenas guarani-kaiowá ficam feridos após operação da polícia em MS

Membros da tribo e advogados dizem que a ação foi feita de maneira truculenta e ilegal, sem decisão judicial

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Camburões da polícia dentro do território Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul — Foto: @Cimi/povo Guarani e Kaiowá/Reprodução
Camburões da polícia dentro do território Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul. (Foto: @Cimi/povo Guarani e Kaiowá/Reprodução)

JÚLIA BARBON

Três indígenas da etnia guarani-kaiowá ficaram feridos e três foram presos, e já liberados, em uma operação da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul nesta sexta (3). Membros da tribo e advogados dizem que a ação foi feita de maneira truculenta e ilegal, sem decisão judicial.

O governo de Eduardo Riedel (PSDB), por sua vez, afirma que “agiu para garantir a ordem e salvaguardar vidas” porque havia risco iminente de um conflito entre um grupo de acampados de movimentos sem-terra e comunidades indígenas que disputam o terreno.

Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), notificou o governador e pediu explicações e providências sobre o caso.

A ação ocorreu em Rio Brilhante, município de 39 mil habitantes a pouco mais de duas horas da capital Campo Grande. Durante a madrugada, um grupo de cerca de 30 indígenas montou acampamento em frente à sede da fazenda Inho, um galpão de madeira antigo e vazio.

Os barracos feitos de lonas e paus foram colocados numa plantação de soja colhida recentemente. Segundo os indígenas, o terreno fica dentro do território Laranjeira Nhanderu, que está em processo de demarcação pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Na sexta (3) pela manhã, uma viatura da Polícia Civil foi até o local para verificar a situação e voltou para o centro da cidade, conta o advogado Anderson Santos, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Cerca de uma hora depois, camburões da PM se posicionaram no campo, a cerca de 400 metros dos indígenas. “Enquanto isso, estávamos pressionando o governador para que não autorizasse o uso da força militar, mas isso aconteceu por volta das 14h”, diz, contrariando recomendação do Ministério Público Federal.

A intenção da pressão, afirma, era evitar que houvesse mortos ou feridos na retirada, como ocorreu em junho do ano passado em ação do Batalhão de Choque em Amambai (MS).

Na última sexta (3), o relato dos indígenas é de que os policiais avançaram com camburões para derrubar os barracos, atirando balas de borracha e bombas de fumaça. Dois idosos foram feridos pelos disparos e um jovem pelo camburão antes de ser detido.

De acordo com os detalhes que eles contaram à Abip (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), no início o cacique Adalton Barbosa de Almeida tentou dialogar com as autoridades, mas foi quase atropelado pelo veículo e rendido e algemado por quatro agentes.

Outro camburão teria tentado acertar Nhanderu Olímpio, 83, porém sua filha, a professora Clara Barbosa Almeida, entrou na frente do carro e foi presa por outros quatro policiais. Em seguida, a PM teria tentado atropelar outro barraco onde estavam seis crianças.

Então Lucimar Sanbrio Centurião, 25, cujo apelido é Lucas, também foi para a frente do veículo, que acelerou e o fez cair no chão. Ainda segundo a Abip, ele gritou para as crianças e mulheres correrem para o mato, foi algemado e depois socorrido por uma ambulância.

Os outros dois indígenas feridos foram o idoso Olímpio e a cacique Valdelice Veron, que desmaiou em meio à tensão porque estava há três dias sem comer direito. Eles foram atingidos de raspão na perna e ainda não foram examinados por um médico, porque não querem ir à cidade.

Após prestarem depoimento, os três presos foram liberadas na tarde deste sábado (4), mas eles continuam alvo de inquérito por suspeita de esbulho possessório, resistência e desobediência. Os guarani-kaiowá convocaram uma assembleia e voltaram a montar acampamento na fazenda, agora com um grupo maior.

Segundo o advogado Anderson Santos, duas comunidades com cerca de 160 famílias no total estão espalhadas pelo território Laranjeira Nhanderu, tentando retomar as terras que dizem pertencer a seus ancestrais antes de serem invadidas por fazendeiros.

“Não tinha decisão da Justiça de reintegração de posse. O correto seria o proprietário entrar com ação de reintegração na Justiça Federal, que é a responsável por esse tipo de caso, e o juiz ordenar o despejo pela Polícia Federal”, diz Santos.

Ele afirma que essa é a sexta ação feita nesses moldes pelas polícias estaduais recentemente e acusa o governo do estado de defender ruralistas. “Durante o governo anterior [de Reinaldo Azambuja (PSDB), 2015-2022] e deste, todas as retomadas de terra foram assim, sem decisão.”

O governador Eduardo Riedel, carioca, já foi presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS e do Conselho do Sebrae estadual, além de vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Procurada, sua gestão afirmou que “acompanha com atenção e preocupação as questões e demandas prioritárias e específicas das comunidades indígenas”. Também disse que “espera celeridade na resolução das questões que cabem à União, especialmente porque a área em disputa já dispõe de laudos antropológicos”.

“Sobre o episódio citado, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública recebeu informação de que a área em questão era alvo da disputa de um grupo de acampados de movimentos sem-terra, que pressionam para criação de um assentamento no local, e de comunidades indígenas próximas que também disputam a terra”, acrescentou.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no entanto, nega que haja disputa com movimentos sem terra e diz que esses grupos não estão presentes na área desde o início do ano passado.

A ministra Sonia Guajajara afirmou que “aguarda retorno urgente” do governador. “É inadmissível que uma ação como esta avance sob corpos e territórios indígenas com tamanha violência, como foi relatado”, escreveu nas redes sociais.

“Os guarani-kaiowá estão ali lutando pelo direito que lhes é garantido por lei e sabem que podem contar com o apoio e resguardo tanto do MPI, quanto da Funai, que foi impedida de acompanhar a ação. Por isso, aguardo retorno urgente do governador Eduardo, certa de que ele não compactua com isso”, diz a publicação.

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