Ataques causam corrida de escolas por protocolos de saúde mental e prevenção à violência

De acordo com Carolina Campos, as iniciativas exitosas, inclusive no Brasil, têm algo em comum: protocolos de saúde mental de encaminhamento em casos de emergência e não emergenciais.

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Guarda faz segurança em escola em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo – (Foto: Rubens Cavallari/Folhapress)

CLÁUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os recentes ataques em escolas e o aumento da apreensão entre pais, alunos e educadores diante de ameaças de novos atentados têm causado uma corrida de instituições de ensino públicas e privadas em busca de protocolos e de outras ações de saúde mental e de prevenção à violência.

Empresas que oferecem consultorias em educação e programas socioemocionais viram, nos últimos dias, a demanda por atendimentos explodir. Só na última segunda (10), a consultoria Vozes da Educação foi procurada por dez redes de ensino e cinco escolas particulares em busca de protocolos —em 2022, deu apoio a quatro redes estaduais e, até o início deste mês, a uma.

Já o programa LIV (Laboratório Inteligência de Vida), que está hoje em 500 escolas do país, recebeu em três dias mais de 30 novas solicitações de atendimentos, número dez vezes superior a dias “normais”. Nas escolas que já atende, tem feito rodas de acolhimento sobre o medo gerado pelo ataque.

Ao mesmo tempo, a Câmara dos Deputados e o Senado anunciaram nesta semana audiências públicas para discutir a criação de equipes de psicólogos e assistentes sociais nas redes públicas de ensino e as fontes de pagamento. O governo federal instituiu um grupo interministerial para prevenção de violência escolar.

As iniciativas ocorrem em meio a uma ausência de políticas públicas de enfrentamento da escalada do sofrimento mental e da violência no ambiente escolar, situação que já era percebida antes da pandemia, piorou após a crise sanitária e que tem se agravado ainda mais nos últimos dias, após a onda de ataques.

Um relatório de 2022 de uma comissão externa da Câmara dos Deputados elencou várias lacunas na atuação do Ministério da Educação em relação ao tema da saúde mental nas escolas, entre as quais a inexistência de diagnóstico sobre a situação da saúde mental dos professores e estudantes brasileiros.

O documento mostra que, por falta de fiscalização do MEC (Ministério da Educação), uma lei de 2019, que trata da atuação de psicólogos e assistentes sociais nas escolas, pouco avançou. Apenas 6,5% das 137.828 escolas públicas de educação básica no país contam com psicólogos e somente 3,7%, com assistentes sociais.

O assunto é complexo e está longe de ser resolvido apenas com a oferta desses profissionais. Um relatório da Vozes da Educação, em parceria com a Fundação Lemann, de 2021, mapeou 23 boas práticas de saúde mental nas escolas em oito países e aponta que a maioria dessas iniciativas não envolve atendimento clínico, mas sim encaminhamento aos profissionais da saúde e da assistência social.

Segundo a advogada e professora Carolina de Oliveira Campos, diretora-executiva da Vozes da Educação, o psicólogo não deve ter a função de fazer terapia no ambiente escolar. “Ele está ali para identificar os casos e encaminhá-los a uma rede de apoio. A escola não é uma ilha. Se é uma escola pública, a gente está falando de Caps [centros de atenção psicossocial], por exemplo.”

O envolvimento de redes de apoio já existentes consta como proposta de um outro relatório que o Instituto Cactus e o Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) entregaram a representantes do Executivo e do Legislativo com a recomendação de dez ações para políticas de saúde mental nas escolas.

“Tem o papel da APS [atenção primária à saúde], com enfermeiros, assistentes sociais, agentes comunitários de saúde, que podem se engajar e levar esse cuidado para os adolescentes”, afirma Luciana Barrancos, diretora-executiva do Cactus, entidade filantrópica que atua na promoção de saúde mental.

De acordo com Carolina Campos, as iniciativas exitosas, inclusive no Brasil, têm algo em comum: protocolos de saúde mental de encaminhamento em casos de emergência e não emergenciais.

“O menino se cortou no banheiro, tá sangrando, mas ele já estava dizendo o tempo todo que a vida dele não vale nada. Ele tá emagrecendo, não fala com os amigos, não escova os dentes para ir à escola, fica isolado no recreio. Opa! Olha o tanto de sinais que estou vendo aqui!”
Mas, segundo ela, não basta ter um papel com essas orientações. “Eu preciso formar educadores para trabalhar com esses protocolos, criar uma rede de apoio, uma equipe multidisciplinar para fazer esse encaminhamento. E isso tudo com registro e com a família ciente. Amanhã ou depois acontece alguma coisa, e a escola será chamada nos processos.”

O município de Joinville, em Santa Catarina, é um dos que tem investido nesse caminho. No último dia 5, data em que ocorreu o ataque a uma creche em Blumenau (SC) que deixou quatro crianças mortas, a Secretaria da Educação lançou um conjunto de protocolos de prevenção à violência escolar envolvendo outras secretarias, como a da Saúde e a da Assistência Social.

“O objetivo é dar guias muito claros de como agir e encaminhar casos de ameaças, de agressões, de automutilação, ou de uma criança que está dando sinais de comportamento atípicos”, explica o secretário da Educação, Diego Calegari.

O documento trata, por exemplo, de todos os tipos de violência (física, psicológica, sexual, institucional e patrimonial), de bullying, de racismo, e o que a escola deve fazer em cada caso. Aborda também como registrar todas as ações em um relatório detalhado, sem emitir opinião pessoal ou juízo de valor.

“Não podemos ter cada indivíduo, em cada momento, tomando decisões arbitrárias sobre o que fazer sendo que a ciência já nos mostra o que é mais correto e o que dá mais garantia de eficácia.”

Para Luciana Barrancos, do Cactus, é preciso que o país aproveite a urgência deste momento não só para “apagar incêndios” mas para construir, de fato, uma estrutura de promoção da saúde mental e prevenção da violência em ambiente escolar.

Ela diz que as discussões sobre o tema já aconteciam antes dos ataques, porém, com a urgência do momento, a busca tem sido por soluções imediatas. “Mas sabemos que a saúde mental é multifatorial, não é uma bala de prata, uma receita de bolo que vai endereçar isso. Tem que olhar para as raízes do problema.”

Na opinião da psicóloga clínica Renata Ishida, gerente pedagógica do LIV, são várias situações de violência acontecendo ao mesmo tempo, e a sociedade precisa se organizar para enfrentá-las, e não deixar só nas mãos das escolas. “Precisamos de espaços de fala e escuta, de desenvolver o respeito e convivência com as diferenças dentro e fora das escolas.”

Ela afirma que é importante trazer o protagonismo dos alunos para que as decisões não sejam tomadas apenas por adultos. “A gente só se envolve realmente nas coisas quando entende que faz parte construtora daquilo. Os alunos precisam estar em conjunto, pensando de forma colaborativa.”

O Unicef estima que a perda anual de capital humano para a população entre zero e 19 anos, devido a questões relacionadas à saúde mental, represente um custo de US$ 340 bilhões em todo o mundo. A ansiedade representa 27% do total do custo, e a depressão, 22%. Apenas a perda causada por automutilação juvenil é da ordem de US$ 47 bilhões por ano.

Segundo Guilherme Polanczyk, professor titular de psiquiatria de infância e adolescência no Hospital das Clínicas da USP, os recentes ataques e as fake news geradas a partir deles têm sido um fator importante de aumento de ansiedade e de medo entre crianças e adolescentes. “Tenho pacientes relatando que não querem ir para a escola. Se nada for feito, o ciclo de violências e traumas continuará.”

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