Entenda resolução sobre fim de manicômios judiciários no país
Medida do CNJ gera polêmica acerca de estrutura de atendimento
LUCAS LACERDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A resolução nº 487 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que estabelece o fim dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátricos, conhecidos como manicômios judiciários, tem causado debates no país sobre a forma da sua aplicação.
O documento de fevereiro, que cria a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, determina a transferência dos internos para a rede do SUS (Sistema Único de Saúde) e o fechamento das unidades.
A medida do CNJ cumpre no Judiciário o que diz a Lei Antimanicomial de 2001, que mudou o tratamento de todas as pessoas com transtornos psiquiátricos no Brasil, orientando o acompanhamento para a reinserção social em comunidade, não em unidades isoladas.
A política “engloba todo o ciclo penal, desde a audiência de custódia, considerando também as pessoas que apresentam sofrimento mental em cumprimento de prisão provisória ou outra medida cautelar”, afirma Luiz Lanfredi, coordenador do DMF (Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas) do CNJ.
A medida também vale, enquanto não houver regulamentação específica, para adolescentes que cumprem medida socioeducativa.
Entenda os principais pontos e críticas sobre a política criada pela resolução.
O QUE A RESOLUÇÃO DIZ?
A resolução determina que quem cometeu delito e é inimputável -por não responder por seus atos- não pode ser tratado em instituições de caráter asilar. Os cuidados devem ser integrados à assistência social e ao local em que a pessoa vive, com um plano terapêutico para cada paciente. É uma forma de combater a tortura, descrita na lei 9.455, de 1997. O crime se caracteriza por submeter “pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental”.
NO QUE ELA SE BASEIA?
A resolução se baseia na chamada Lei Antimanicomial, de 2001. Ainda, segue parâmetros da Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, de 2006, e da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984, que tem um Protocolo Facultativo, de 2002, ao qual o Brasil aderiu.
QUANDO COMEÇA A VALER?
A partir de agosto, os 27 manicômios do país devem suspender a entrada de novos pacientes, fechar alas e começar a transferir as pessoas para a Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde. Em maio do ano que vem, os manicômios devem ser desativados definitivamente.
QUANTAS PESSOAS SERÃO AFETADAS POR ESSA MUDANÇA?
Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais apontam que, das 832.295 pessoas presas no Brasil, 1.869 (0,2%) são internos em medida de segurança em 27 hospitais de custódia no país, que têm capacidade para 4.006 pessoas. O número, no entanto, pode não refletir a quantidade total. Há quem ainda aguarde por vagas nos hospitais de custódia ou que esteja em presídios comuns.
O QUE DIZEM OS CRÍTICOS À MEDIDA?
Críticos dizem que o SUS não dispõe de estrutura de equipe, orçamento e logística, como alas seguras para pacientes psiquiátricos, para atender o contingente que será desinstitucionalizado.
Associações afirmam que não foram ouvidas. Nota do Conselho Federal de Medicina, junto com a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Associação Médica Brasileira (AMB) e outras entidades, de 8 de maio, diz que “faltam sete dias para, 5.800* criminosos (matadores em série, assassinos, pedófilos, latrocidas, dentre outros) sentenciados que cumprem penas em Hospitais Psiquiátricos de Custódia comecem a [ser] soltos se valendo do disposto na Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça.”
E QUEM APOIA A MEDIDA?
“O CNJ não inova, afinal de contas não pode criar leis. Ele estabelece procedimentos para criar essa normativa no Judiciário que é muito antiga, da Lei Antimanicomial, de 10.216 de 2001”, diz a defensora Patricia Magno, do Rio de Janeiro, que participou da discussão no CNJ.
A Associação Brasileira de Saúde Mental divulgou nota, assinada por 600 profissionais e organizações, defendendo a resolução e diz que será dado a quem cumpre medida de segurança o mesmo tratamento de outros pacientes.
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais cita que a política é uma resposta imposta pela primeira condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2006, pelo caso de Damião Ximenes Lopes. Ele morreu em 4 de outubro de 1999, aos 30 anos, após sofrer maus-tratos na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral, no Ceará.
Sobre episódios violentos, Magno afirma que a maioria se deve à falta de tratamento. “Não é comum que as pessoas saiam matando seus parentes. Isso acaba acontecendo quando a pessoa está sem assistência, sem os serviços de acompanhamento e informação sobre onde pedir ajuda.”
E QUEM PRECISAR FICAR INTERNADO?
O paciente que cumpre medida de segurança vai passar por avaliações periódicas, como outros pacientes. A equipe médica que supervisiona o caso vai avaliar e decidir sobre recomendar a internação, que será apenas acompanhada pelo Judiciário. A resolução do CNJ, no entanto, avalia que internações devem ter um período delimitado, com o objetivo de continuar o tratamento no cotidiano do paciente.
E SE A PESSOA NÃO TIVER CONDIÇÕES DE SE MANTER?
Se o paciente não tinha casa antes, por exemplo, a rede de atenção psicossocial deve ajudar a identificar se a pessoa tem direito a auxílios financeiros como o Benefício de Prestação Continuada, por exemplo. A partir daí, deve fazer o acompanhamento com psicólogos e assistentes sociais e a rede de saúde comunitária.
E COMO ISSO SERÁ RESOLVIDO?
O governo federal afirma que discute a expansão e o financiamento de serviços de saúde mental junto com o CNJ para desenvolver um Plano Nacional de Desinstitucionalização específico para quem vai deixar os manicômios judiciários.
Os tribunais também devem criar comitês estaduais, previstos na resolução, para definir como será a aplicação da política e que caminho as pessoas inimputáveis vão percorrer no Judiciário, a partir do delito, até a definição do atendimento na rede de atenção psicossocial.