Morre Berlusconi, um dos políticos mais controversos da Itália, aos 86
Ele estava internado desde sexta (9) no hospital San Raffaele, em Milão, por complicações relacionadas à leucemia mielomonocítica crônica
MICHELE OLIVEIRA
MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – O empresário e ex-premiê italiano Silvio Berlusconi morreu nesta segunda-feira (12), aos 86 anos, de leucemia. Uma das personalidades mais conhecidas e controversas do país, ele foi fundador do Força Itália, de centro-direita, um dos partidos que sustentam o governo de Giorgia Meloni, de ultradireita.
Berlusconi foi declarado morto às 9h30 no horário local (4h30 em Brasília). Ele estava internado desde sexta (9) no hospital San Raffaele, em Milão, por complicações relacionadas à leucemia mielomonocítica crônica, um tipo de câncer revelado em abril – na ocasião, o ex-premiê ficou 45 dias hospitalizado.
O funeral está previsto para acontecer na quarta-feira (14), no Duomo de Milão, com honras de Estado. O governo italiano declarou luto nacional para o mesmo dia.
A entrada de Berlusconi na política, na metade da década de 1990, significou uma nova fase do populismo na Europa no pós-Guerra Fria. Agora, a saída de cena do ex-primeiro-ministro acontece após seguidos escândalos e processos judiciais, em meio à ascensão da ultradireita no continente.
Além de feitos na política, na comunicação e no futebol, acumulou frases sexistas e racistas, fez da Itália alvo de escárnio mundial com as festas “bunga-bunga” e virou réu em mais de 30 processos, de corrupção à prostituição infantil. Nos últimos meses, enquanto Meloni se esforçava para se alinhar à frente ocidental anti-Rússia, ele deixou escapar frases condescendentes a Vladimir Putin, a quem considerava um amigo.
Sua morte ocorreu após uma série de problemas de saúde. Em abril, ele foi internado com uma infecção pulmonar decorrente da leucemia crônica. Em 2022, outra infecção, urinária, já havia levado Berlusconi ao hospital e, em 2020, ele foi internado por pneumonia, consequência da Covid. Em 2016, foi submetido a uma cirurgia cardíaca na válvula aórtica e, em 1997, um tumor maligno foi extraído da próstata. Antes de ser revelado que ele estava com leucemia, demonstrava fragilidade física, com dificuldade para andar.
Além da atual companheira, a deputada Marta Fascina, 33, ele deixa cinco filhos, de dois casamentos anteriores, 16 netos e uma bisneta. A primogênita, Marina, 57, é presidente do grupo Fininvest, que controla os negócios da família: emissoras de TV na Itália e em outros países europeus, editora de livros e periódicos e o clube de futebol Monza, que disputa a primeira divisão do Campeonato Italiano. Segundo a Forbes, a família Berlusconi é a quarta mais rica do país, com patrimônio de US$ 6,9 bilhões (R$ 33,7 bi).
Em mensagem a Marina, o papa Francisco ofereceu sua “sincera participação no luto pela perda de um protagonista da vida política italiana, que exercia responsabilidades públicas com temperamento enérgico”, segundo nota do Vaticano.
Outra filha do ex-premiê, Barbara, ficou conhecida do público brasileiro após namorar o atacante Alexandre Pato, que jogou no Milan no período em que o então sogro era dono do clube de futebol. Nesta segunda, o jogador publicou nas redes sociais uma foto com Berlusconi e palavras de agradecimento.
Políticos e a imprensa locais definiram a morte do ex-premiê como o fim de uma era na política italiana. “Berlusconi foi um grande líder político que marcou a história da nossa República, influenciando paradigmas, usos e linguagens”, disse em nota o presidente do país, Sergio Mattarella.
“Com ele, lutamos, vencemos e perdemos muitas batalhas. E também para ele levaremos para casa os objetivos que propusemos. Adeus, Silvio”, disse a primeira-ministra Giorgia Meloni. A morte foi lamentada ainda por diversos líderes internacionais, incluindo Putin. “Era uma pessoa querida e um amigo verdadeiro. Admirava sua sabedoria e capacidade de tomar decisões voltadas para o futuro”, disse o presidente russo.
Eleito em setembro de 2022 para o Senado, Berlusconi voltou ao Parlamento após nove anos – em 2013, havia perdido o mandato de senador e ficado inelegível devido a uma condenação por fraude fiscal.
Sua reabilitação política foi ofuscada, no entanto, pela chegada ao poder de Meloni e seu Irmãos da Itália. A coalizão formada com ela e Matteo Salvini (Liga) venceu nas urnas, com 44%, e o Força Itália terminou a disputa apenas em quinto lugar, com 8% dos votos. Mesmo assim, Berlusconi indicou uma das figuras proeminentes do governo, o vice-premiê e chanceler, Antonio Tajani, visto como seu sucessor no partido.
O último resultado eleitoral ilustra o declínio pelo qual passava Berlusconi, mas não reflete sua trajetória iniciada há 30 anos. Ex-primeiro-ministro em três períodos (1994-95, 2001-06 e 2008-11), obteve cinco mandatos na Câmara, dois no Senado, incluindo o atual, e outros dois no Parlamento Europeu.
Era considerado um populista da direita conservadora, mas se colocava como uma voz moderada diante dos movimentos liderados por Meloni e Salvini, que chegaram ao poder com discursos nacionalistas anti-imigração e antieuropeísta. Durante a pandemia da Covid-19, em que a Itália foi duramente afetada, Berlusconi, diferentemente dos aliados, alertou para o perigo do vírus e incentivou a vacinação.
Sua chegada à política, em 1994, inaugurou a figura do líder que se passa por outsider e encarna o sentimento antipolítica, fenômenos consagrados décadas depois com o brexit e Donald Trump.
Na primeira metade dos anos 1990, a Europa era um continente ainda impactado pelo colapso da União Soviética, e a Itália passava pela Operação Mãos Limpas, escândalo de corrupção que envolveu agentes públicos e empresários. Como resultado, três das legendas tradicionais do século 20 – a Democracia Cristã, o Partido Socialista Italiano e o Partido Comunista Italiano – sumiram de cena de forma repentina.
Foi nesse contexto que Berlusconi “entrou em campo”, como ele diz, após conquistar influência em áreas diversas, a começar por empreendimentos imobiliários – é dessa época, nos anos 1970, que vem o título “cavaliere del lavoro” (cavaleiro do trabalho), concedido pela Presidência, apelido dele até hoje na mídia.
Em seguida, mudou o jeito de fazer TV com seus canais, que trouxeram agilidade à comunicação de massa, então dominada pela emissora estatal. No futebol, foi dono do Milan, em uma das suas fases mais vitoriosas. O clube fez uma série de publicações nesta segunda, com vídeos e fotos da trajetória de Berlusconi. “Para sempre parte de nossa história, eternamente no coração e na mente de cada rossonero.”
Era um personagem bem conhecido, mas se posicionou politicamente como o novo contra o velho, o moderno contra o decadente. Logo em sua primeira eleição, tornou-se primeiro-ministro. Desde então, ora como parte do governo, ora como oposição, manteve-se constantemente nos holofotes.
Berlusconi também deixa como legado o início do processo de normalização da ultradireita, que agora ocupa o poder, quase 80 anos após o fim do fascismo. Em 1994, permitiu que o Movimento Social Italiano (MSI), formado no pós-guerra por integrantes do regime de Benito Mussolini, entrasse no ministério pela primeira vez, rompendo o escudo antifascista, até então transversal entre os partidos. Depois, em 2008, nomeou para a pasta da Juventude a ministra mais jovem do período republicano: Meloni, aos 31 anos.